Wallace: técnica literária apurada preservada no jornalismo| Foto: Marion Ettlinger/Divulgação
Ensaios: Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo. David Foster Wallace. Tradução de Daniel Galera e Daniel Pellizzari. Companhia das Letras, 312 págs. R$ 44,50

A morte do escritor David Foster Wallace, que se suicidou em 2008, aos 46 anos (já consagrado como um dos maiores escritores norte-americanos contemporâneos), depois de 20 anos de depressão crônica, revelou uma intimidade por parte de seus leitores até então escondida. Considerados densos, os textos de Wallace, repletos de cuidado técnico e vocabulário imenso, e ainda permeados de enormes – e às vezes irritantes – notas de rodapé, acabaram conquistando um público improvável. Em seus ensaios jornalísticos, reunidos em Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo (Companhia das Letras), o leitor encontrará a mesma exigência e rigor da ficção, alerta que já é dado no prefácio pelo escritor Daniel Galera, que dividiu a tradução com Daniel Pellizzari.

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A "dificuldade", entretanto, não deve desanimar o leitor, que encontrará textos hilários e irônicos produzidos por Wallace para grandes veículos da imprensa, como o jornal The New York Times e a revista Harper´s. O hábito de colaborar para a imprensa, e o desenvolvimento de um estilo jornalístico já vinha desde os anos 1980, antes mesmo de ele ser alçado a ícone literário com o livro considerado sua obra-prima, Infinite Jest, um catatau de 1,1 mil páginas publicado em 1996 (ainda sem tradução no Brasil).

Ficando Longe do Fato... traz algumas reportagens de Wallace, que vão desde a cobertura de uma tradicional feira agrícola em Illinois até outra sobre um cruzeiro de luxo pelo Caribe, onde Wallace diz ter sido "mimado até a morte". Em "Pense na Lagosta", feito para a Gourmet Magazine em 2004, que também está na coletânea, o escritor, ao ser convocado para cobrir o Festival da Lagosta do Maine, se depara com o fato de o bicho ainda ser cozido vivo. Ele então descreve o processo e questiona ao leitor se "é certo ferver viva uma criatura senciente para o nosso mero prazer degustativo."

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Protagonista

Fora as descrições detalhadíssimas dos fatos, Wallace está o tempo todo no texto como personagem. Um exemplo é quando ele descobre uma grama sintética sobre outra natural na feira agrícola, ou quando conta que se surpreende com os convites das revistas que não cobram prazos de entrega dos textos. No caso da feira agrícola, por exemplo, ele aponta a "falha" de não se disfarçar devidamente de jornalista, já que, ao contrário dos outros repórteres, se tocou no meio da entrevista coletiva de que, talvez, deveria ter trazido um bloco de anotações e uma caneta. O livro, como salienta Galera no prefácio, é um convite para o leitor que quer entrar no universo de Wallace. Para os que já têm familiaridade com a obra, os textos de não-ficção também revelam a técnica minuciosa e as inquietações do autor. GGG