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O jornalista e escritor Ruy Castro conta em Carmen, biografia de Carmen Miranda publicada no fim de 2005 pela Companhia das Letras, que o longa-metragem Alô, Alô Carnaval foi a resposta brasileira aos superproduzidos e extravagantes musicais do norte americano Bugsy Berkeley, diretor do clássico Caçadoras de Ouro. O produtor Wallace Dawney e o diretor Adhemar Gonzaga queriam que o filme, produzido pela Cinédia, fosse uma explosão de alegria, fazendo justiça ao título, nada sutil.

Com um enredo quase inexistente – sobre dois malandros de luxo que tentam convencer um empresário a montar uma revista criada por eles num cassino carioca –, Alô, Alô Carnaval inclui nada menos do que 23 números musicais, encenados em cenários art-déco, muitos com caricaturas de J. Carlos, um dos maiores nomes das artes gráficas brasileiras. Apesar de trazer momentos memoráveis, como a impagável interpretação de Mário Reis (homenageado por Júlio Bressane em O Mandarim) para o clássico "Cadê Mimi?" (de João de Barro e Alberto Ribeiro), o mais emblemático de todos os números é o que traz as irmãs Carmen e Aurora Miranda cantando "Cantores do Rádio", de Lamartine Babo.

Vestindo casacas e cartolas de lamê dourado, desenhados por Carmen, as irmãs Miranda fizeram desse número uma imagem perene na história tanto da música quanto da cinematografia nacional. Tornou-se uma espécie de símbolo da importância fundamental que o carnaval, enquanto manifestação da legítima cultura popular brasileira, teve ao longo de mais de cem anos de cinema.

Chanchadas

A Cinédia Filmes, estúdio carioca que tentou, a sua maneira, imitar o modelo de Hollywood, dedicou boa parte de sua produção a comédias musicais, como A Voz do Carnaval (1933, de Adhemar Gonzaga), Os Estudantes (1935, de Wallace Downey) e Alô, Alô, Carnaval (1936), também de Gonzaga. Os filmes, hoje caracterizados como pré-chanchadas, traziam a alegria de Carmen Miranda, Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Almirante e Ary Barroso, todos nomes importantes da música e do rádio, e muitos deles em seus primeiros papéis no cinema.

As produções misturavam circo, carnaval, rádio e teatro em filmes que retratavam o malandro brasileiro, desocupados, donas de pensão e empregadas domésticas, tentando sempre atingir um público mais amplo, com a linguagem acessível de outras manifestações artísticas que já faziam sucesso.

Nos anos 40, o papel antes desempenhado pela Cinédia foi assumido pela Atlântida. Nessa época, o chamado cinema comercial brasileiro conseguiu estrondoso êxito, rivalizando-se com Hollywood. E tudo por conta das chanchadas. Muitas delas, embora houvesse maior ênfase na comédia e no romance, tinham como grande chamariz de público a música. Nos meses que antecediam o Carnaval, lançavam marchinhas que poderiam (ou não) fazer as festas dos foliões de todo o país no ano seguinte.

Os filmes da Atlântida, embora se baseassem nas produções norte-americanas, pretendiam, basicamente, ridicularizá-las. Seguiam, quase ao pé da letras, a narrativa hollywoodiana, com os mesmos planos e sequências programadas. Mas o faziam de forma paródica e irônica. Entre os clássicos do gênero, estão Carnaval de Fogo (de 1949, com Grande Otelo e Oscarito) e Aviso aos Navegantes (1950, com a dupla de comediantes, Anselmo Duarte e Eliana Macedo).

Carnavalização

Ainda que fossem consideradas à época alienantes por diversos críticos e cineastas, principalmente os do Cinema Novo, as chanchadas são hoje lidas como documentos importantes sobre a sociedade o momento político que o país atravessava. Ainda que ingênuas, são, nas entrelinhas e de forma subliminar, comentários sobre tempos marcados por golpes, contra-golpes, getulismo, censura e uma Guerra Mundial.

Os ventos do Cinema Novo trouxeram preocupação social, engajamento político e liberdade formal, representada pela tentativa de desvincular a produção nacional dos padrões estéticos praticados pela hegemônica indústria norte-americana. O carnaval sobreviveu a tudo isso bravamente, reinventando-se como tema e pano de fundo.

A festa de Carnaval surge sob a forma de alegoria para questionar o estado de coisas no Brasil pós-64, falando de alienação e resistência cultural, dependendo das circunstâncias. Terra em Transe (1967), talvez o melhor de Glauber Rocha, cria uma república fictícia dominada por um ditador que detesta seu povo. Em uma cena fundamental, o carnavalesco Clóvis Bornay aparece na areia de uma praia carioca, coberto de plumas, paetês e pedrarias, na qualidade de uma espécie de símbolo do nosso passado monárquico e imperial. A carnavalização da realidade também se faz presente em filmes importantes de outros cineastas oriundos do Cinema Novo, como Joaquim Pedro de Andrade (Macunaíma, 1969), Walter Lima Júnior (Lira do Delírio, 1978) e, sobretudo, Cacá Diegues.

Grande sucesso do cinema nacional nos anos 70, Xica da Silva (1976) reconstitui a trajetória da escrava que se tornou e a primeira dama negra de nossa história, seduzindo o negociador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Tanto do ponto de vista dramático como estético, dos figurinos à maquiagem, o longa recorre ao carnaval e à farsa como referências fundamentais para uma narrativa que se aproxima da ópera bufa. Diegues voltaria, em 1999, a abordar o tema de forma mais direta em Orfeu, baseado na peça teatral de Vinícius de Moraes, antes adaptada pelo francês Marcel Camus no exótico e pouco brasileiro Orfeu Negro (1958), vencedor da Palma de Ouro e do Oscar de melhor filme estrangeiro.

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