Márcio Vito interpreta o policial que tenta frustrar o assalto a uma casa de classe média alta em No Meu Lugar| Foto: Divulgação

Paulínia (SP) - A quarta noite do Festival Paulínia de Cinema, na se­­gunda-feira (13), teve a exibição do documentário Moscou, de Eduardo Coutinho, e da ficção No Meu Lugar, do estreante Eduardo Valente – am-bos produzidos pela Vi­­deo­Filmes, empresa dos irmãos Walter e João Moreira Salles.

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É ao segundo, aliás, que Eduardo Coutinho dedica Moscou, produção em que sua investigação sobre a representação diante das câmeras – já presente em filmes anteriores, mas que se radicaliza em Jogo de Cena (2007) – se amplia para inúmeras possibilidades de interpretação do público.

"Na montagem, diante de 70 horas de filmagem, eu estava no inferno junto com o filme. As pessoas me diziam ‘aqui não tem filme’. Até que o João viu tudo e disse o contrário", disse um Coutinho visivelmente nervoso ao apresentar o filme. Ele propôs ao grupo de teatro mineiro Galpão e ao diretor Enrique Diaz o desafio de montar, em apenas três semanas, a peça As Três Irmãs, de Anton Che­khov.

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Interessava a Coutinho não o registro da montagem, mas da experiência de criação do grupo. A Gazeta do Po­­vo publica no próximo do­­mingo (19) uma reportagem em que o documentarista discute a experiência de realizar o filme. "Que nem sei por que fiz, ainda estou pensando", diz o diretor de Cabra Marcado pra Morrer (1964-1984), um marco do documentário nacional.

Sentimento carioca

A fragmentação também foi o formato escolhido pelo jornalista e crítico de cinema carioca Eduardo Valente para contar a história de seu primeiro longa-metragem, No Meu Lugar, que estreou neste ano em Cannes.

Seu primeiro curta-metragem, Sol Alaranjado, que realizou como conclusão do curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, recebeu em 2002 o Primeiro Prêmio da Ciné­fon­­dation, competição de fil­­mes de escola do Festival de Can­­nes. O prêmio incluiu a viabilização do longa, que só ficaria pronto em 2009, após a exibição de outros dois curtas no evento francês, Castanho (2003) e O Monstro (2005).

"Senti que estava em débito com as pessoas que conheci em Cannes e finalmente decidi correr atrás do longa", conta o editor da revista de crítica Cinética. Ao buscar um tema, Valente decidiu explorar sua própria experiência como carioca, habitante de uma cidade que lida de perto e rotineiramente com a miséria e a violência.

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A intervenção mal-sucedida de um policial (o ator Márcio Vito, atualmente na novela Caminho das Índias) em um assalto a uma casa de classe média alta no bairro das Laranjeiras é o ponto que relaciona três histórias passadas em tempos diferentes.

Suspenso de suas atividades, o policial tenta seguir sua vida ao lado da filha (Nívea Mag­no). Cinco anos depois do incidente, uma mulher (Dedina Ber­nardelli, de Feminices) retorna com seus filhos e o novo marido à casa onde viveu até a morte de seu primeiro marido. Semanas antes, o entregador de compras de um supermercado (Raphael Sil, do grupo Nós do Morro) se apaixona pela empregada da casa desta família.

"Uso esta situação da violência urbana como gerador do filme. Queria fazer com que o espectador, mesmo sem ser carioca, se sinta assombrado por esse sentimento. Mas procurei mostrar a situação de violência o mais rápido possível e, a partir de­­­la, explorar as outras histórias", conta Valente.

Após exibir o filme pela quarta vez, o estreante percebe que o filme se revela em três camadas. "Os cariocas se identificam em grau elevado com a experiência. A plateia brasileira se identifica, mas tem uma relação emocional diferente", explica. Já o público estrangeiro precisa entender o contexto de determinadas situações. Um exemplo é uma breve cena em que um traficante aparece com um fuzil na mão. "Um espectador em Cannes me disse ‘ali não entendi, é uma guerra?’. É um cotidiano que, se você não explica o contexto, é quase surrealista."

Os gringos, acostumados a ver filmes brasileiros que têm a violência nas favelas cariocas como tema (Cidade de Deus e Tropa de Elite são os melhores exemplos) não conseguem entender a presença de um dos vórtices da trama, a família de classe média. Isso interferiu de alguma forma na recepção do longa de Eduardo em Cannes. "Foi calorosa, mas com muitas observações. A recepção do pú­­blico tem a ver com essa percepção do que deve ser o cinema brasileiro", diz o diretor.

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A repórter viajou a convite do Festival Paulínia de Cinema.