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Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical" | Reprodução www.globo.com/paraisotropical
Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical"| Foto: Reprodução www.globo.com/paraisotropical

Pouco tempo atrás, Eder Chiodetto foi até uma galeria de São Paulo para assistir a uma performance. A artista chegou, cozinhou alguns pratos – comida mesmo, "comestível" –, serviu as pessoas que aguardavam sentadas em volta de uma mesa e foi isso. Parecia um jantar, mas era arte.

O fotógrafo lembra da experiência para mostrar que a discussão sobre o que é ou não é arte (e aqui entra a fotografia) deixou de ser importante. "O que vale é a força de expressão que se consegue colocar na obra e ponto", diz. As fronteiras foram diluídas.

Curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), Chiodetto nasceu em São Paulo em 1965. Além de fotógrafo, é jornalista. Trabalhou como repórter-fotográfico (1991–1994) e editor de fotografia (1995–2004) da Folha de S. Paulo, jornal em que atua como crítico.

Publicou O Lugar do Escritor (2003) pela Cosac Naify, ensaio que retrata os ambientes de trabalho de 36 autores brasileiros – de Jorge Amado a Moacyr Scliar – e reúne seus depoimentos.

No meio das artes, fez a curadoria da mostra Derivas (2004), na Galeria Vermelho, e das exposições de Helga Stein e Rodrigo Braga, ambas em 2006. Neste ano, foi um dos responsáveis pelo projeto Portfólio, do Instituto Itaú Cultural, e pela mostra Casas do Brasil, no Museu da Casa Brasileira em São Paulo.

Nas respostas a seguir, Chiodetto explica por que a linguagem fotográfica é, nas artes, a mais contemporânea que existe, cita Dalton Trevisan e diz que Freud foi o maior defensor da fotografia como forma de expressão artística.

Caderno G Idéias – Alguém ainda se dá ao trabalho de discutir se fotografia é ou não é arte?Eder Chiodetto – Bem, recentemente fui a uma galeria aqui em São Paulo na qual estava acontecendo uma performance que era um jantar. Uma pessoa (a artista) cozinhava (sim, era comida normal, comestível) e servia as pessoas que estavam comportadamente sentadas em volta de uma mesa. Era arte. Outra galeria vendeu para mais de uma instituição de arte a obra de um artista que consiste num papel ofício com a bula que indica como alguns objetos devem ser recolhidos pela rua e dispostos no espaço expositivo. Arte imaterial, a recusa do objeto. É arte. Acho que isso responde, não?

Ou, numa espécie de reformulação da primeira pergunta, como é que a fotografia se relaciona com as artes visuais?Parafraseando Caetano: "Deixe que a fotografia errante adentre, atrás, na frente, em cima, embaixo, entre..." A fo-tografia tem se relacionado com a arte contemporânea de forma lúbrica, multifacetada, inteira, dilacerada, em grãos de prata, pixels, analógica e digital, online e unplugged ocupando papel, lona, plástico e LCDs, em fotoblogs e em 30 cm X 40 cm emoldurada com passpatour, em sites ou em sítios que sediam raves. É a linguagem mais contemporânea que existe porque não é refratária aos novos tempos, é de acesso democrático, é facinha e dócil como as meninas vítimas do vampiro de Curitiba de Dalton Trevisan.

A fotografia faz parte de acervos de museus – você mesmo tem trabalhos adquiridos pelo Masp e pelo MAM – e é sempre motivo de exposições. Você saberia dizer quando ela conquistou esse espaço?Notadamente esse impulso é reflexo das vanguardas que pensaram a fotografia no início dos 90. A coleção de fotografia do MAM, com a qual tenho trabalhado agora, começou por essa época, assim como a coleção Masp-Pirelli que iniciou em 1991. É a época em que a idéia errônea de se pensar a fotografia como espelho do real trinca de vez e os artistas começam a se apropriar da fotografia para narrar subjetividades. Não à toa, no Brasil esse movimento inicia-se logo após o processo de democratização do país, eleições diretas e tal. Fazia mais sentido mesmo uma fotografia mais engajada, documental e comprometida com o realismo e a denúncia na época da ditadura. Depois disso veio uma espécie de libertação que remonta às vanguardas estéticas européias do início do século passado onde floresceu o dadaísmo e o surrealismo, pós-Primeira Guerra Mundial. É interessante perceber que os movimentos estéticos estão intimamente ligados ao panorama político e social da humanidade.

De certa forma, o fotojornalismo também pode ter status de arte?Na última década os fotógrafos alemães como Andréas Gurski e Thomas Struth entre outros têm dominado as principais mostras pelo mundo e o mercado de arte também. Gurski vendeu a fotografia mais cara da história (para um fotógrafo vivo), pelo bagatela de US$ 2,48 milhões (daria para comprar 50 apartamentos como o meu aqui em São Paulo). Ironia: a foto dele retrata a gôndola de uma loja de departamentos com produtos vendidos a U$ 1,99... E trata-se de uma fotografia eminentemente documental, ou jornalística. Esses critérios que tendem a classificar o que é documental, arte, jornalístico e publicitário caíram por terra. Fronteiras diluídas. O que vale é a força de expressão que se consegue colocar na obra e ponto.

Na sua opinião, quem melhor defendeu a fotografia como forma de expressão artística?Foi um senhor chamado Sigmund Freud, ao ensinar a humanidade que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral. A partir dele ficou aberta a estrada para que Man Ray, Cartier-Bresson, Nan Goldin e Miguel Rio Branco explorassem a subjetividade humana subvertendo a lógica (e a ótica) de uma linguagem que nasceu sob os auspícios do positivismo, argh!

A idéia simplificadora de que "fotografia é uma nova pintura" faz algum sentido?Fotografia e pintura são como um casal. Brigam, separam, se amam, se odeiam, gozam e se esbofeteiam como qualquer outro casal. Mas são dois corpos com especificidades diversas.

Como as tecnologias digitais mudaram a relação dos artistas (fotógrafos, fotojornalistas) com a fotografia? Elas a banalizaram de alguma forma?De forma alguma. A fotografia é constantemente sacudida por novas tecnologias e sempre se revigora a partir disso. Foi assim quando o filme deixou de ser placa de vidro para adotar o filme dos cinematógrafos. Quando inventaram o filme cor nas décadas de 1930-1940. Quando estava aparentemente tudo tranqüilo surge a digital e essa hiperpopularização, sem falar da internet. Os repórteres-fotográficos estão sendo substituídos nas imagens do dia-a-dia que envolvem o inesperado pelos amadores que estão em todos lugar com seus telefones, chaveiros e brincos que fotografam. Estamos no olho do furacão. Nenhuma outra linguagem é tão sacudida pelas mudanças que ocorrem na sociedade como a fotografia. Não há nada de banalização.

A fotografia muitas vezes é usada como suporte para outras técnicas artísticas. Quais são as intervenções que, para você, têm sido mais interessantes nas bienais?Gosto muito da fotografia utilizada em programas de edição de vídeo, criando narrativas repletas de soluços, gags e que de certa forma desmonta a ilusão de movimento do cinema, nos dando outra forma de percepção das imagens. Utilizamos tecnologia de ponta para remontar aos tempos do cinema mais arcaico.

De uns anos para cá, você acredita que aumentou a presença da fotografia nas bienais e exposições?Acredito não, essa é uma constatação matemática muito clara.

Quais você diria que são as vantagens da fotografia sobre outras artes visuais no diálogo com o público?Justamente pela familiaridade crescente que no mundo contemporâneo as pessoas comuns possuem com o ato fotográfico, ela cria uma via de acesso muito mais receptiva que outras linguagens que possuem um processo de criação mais complexo e limitado aos profissionais. Esse é o ponto forte da fotografia no diálogo que ela estabelece com o público mas, por outro lado, um elemento também limitador posto que todos se sentem fotógrafos e aptos a serem profissionais.

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