O veterano do jornalismo Alan Miller conta a história de uns alunos do ensino médio que, anos após o ocorrido, não sabiam ainda que Osama bin Laden já tinha sido morto. E eram alunos veteranos, ainda por cima – numa aula de jornalismo de uma escola cooperativa bem cotada de Nova York.
“A reação deles foi ‘Espera, como é que é? Ele morreu?’” disse Miller, que ganhou um Pulitzer como repórter do Los Angeles Times.
Sua história, porém, tem um final feliz. Os alunos viciaram em notícias após sua imersão no News Literacy Project [Projeto de Alfabetização Jornalística, em tradução livre], uma organização com fins não lucrativos fundada por Miller em Bethesda, Maryland, para ensinar aos adolescentes as ferramentas necessárias para que possam saber no que acreditar na era digital. Eles chegaram ao ponto de ficarem seriamente incomodados quando seus exemplares de sala de aula do New York Times chegavam atrasados.
Porém, parece que a noção básica de jornalismo de tantos norte-americanos está mais morta do que bin Laden. Muitos, em especial os jovens, recebem suas notícias nos celulares em surtos esporádicos (os especialistas chamam esse fenômeno de “desagregação”), o que dificulta mais do que nunca o trabalho de separar o que é a verdade bem estabelecida e o que são opiniões, propaganda e pura ficção.
Dada a indulgência de fatos que marca esta corrida eleitoral atual [a repórter do Washington Post fala da corrida eleitoral americana, entre Hillary Clinton e Donald Trump, mas não é difícil transpor para a realidade curitibana], tais capacidades são mais necessárias do que nunca.
Cacofonia
Foi possível observar isso na semana passada, quando, durante o principal fórum da NBC, o moderador Matt Lauer sequer pestanejou, nem fez a menor demonstração de ceticismo, quando Donald Trump alegou – mais uma vez, falsamente – ter se oposto desde o começo à guerra no Iraque. Lauer, como profissional do ramo, deveria estar mais preparado para lidar com este e outros delírios politicamente convenientes, mas o seu mal – uma aparente ignorância – é um mal comum (vale lembrar a pergunta feita pelo candidato presidencial do Partido Libertário, Gary Johnson, numa entrevista à MSNBC: “O que é Aleppo?”).
Como a imprensa mudou a história em momentos de turbulência política
“Há uma cacofonia de informações falsas lá fora”, e ela está sufocando as fontes mais precisas e confiáveis, segundo Leonard Downie Jr, ex-editor executivo do Washington Post, autor de “The News Media: What Everyone Needs to Know” [“A Mídia das Notícias: o que Todo Mundo Precisa Saber”, em tradução livre], que fornece alguma luz no assunto, na forma de perguntas e respostas (um exemplo: “O quanto o jornalismo depende de informações vazadas?” e “Como os interesses privados visam influenciar as notícias agora?”).
Downie, que tem como seus coautores C. W. Anderson e Michael Schudson, afirma que “estamos cercados de mais opções jornalísticas do que nunca”, bem mais do que só os parcos jornais locais de Cleveland e as três redes de TV com as quais ele mesmo cresceu.
Mas todas essas opções novas não significam que as pessoas estejam se informando melhor, pelo contrário, é mais provável que elas estejam ficando mal acostumadas, dado um excesso de informações que confirmam suas próprias opiniões enviesadas.
Alfabetização jornalística
Um dos principais corretivos para esta situação está acontecendo no Stony Brook University’s Center for News Literacy, fundado por Howard Schneider, ex-editor da Newsday, onde o primeiro curso de alfabetização jornalística foi lecionado em 2007. Mais de 16.000 alunos fizeram o curso, tanto na universidade quanto em outros lugares, o que inclui 11 países. Em breve, ele organizará um MOOC (sigla, do inglês, para curso online aberto e em massa) de seis semanas que irá espalhar ainda mais a palavra.
“Estamos ensinando os alunos a avaliarem as provas e qualidade das fontes e a procurarem ativamente informações que não apenas confirmem sua visão de mundo”, disse Richard Hornik, que entrou para o Stony Brook após muitos anos na revista Time.
O crescimento de projetos de busca pela verdade, como o Fact Checker do The Post ou o Politifact é ótimo, segundo Hornik, mas esses esforços não adiantam muito se os consumidores não forem capazes de decidir em quem ou no quê acreditar. Ou, pior, se eles simplesmente não se importarem.
Um outro projeto de Nova York, o The Lamp, tenta uma abordagem diferente: ele encoraja os alunos a apresentarem as notícias através daquilo que os DJ chamam de remix, criando vídeos compostos de partes e recortes de propagandas políticas, posts de blogs e comentários autorais de pesquisa própria.
Pensamento crítico
O que une todos esses esforços é o desejo de encorajar o pensamento crítico e o ceticismo: O que é verdade? O que é um “spin”? Em quais fontes podemos acreditar?
Algumas semanas atrás, um dos principais assuntos no Facebook foi a notícia de que a estrela da Fox News, Megyn Kelly, havia sido demitida. Um relato desesperado começou a circular de que Kelly na verdade nutria em segredo posições políticas mais de esquerda e queria que Hillary Clinton fosse presidente. A história chegou ao topo da lista dos “assuntos do momento” e teve inúmeros compartilhamentos até ser desbancada em outro site (quando então foi removida da lista sem qualquer explicação) – mais uma vez comprovando o velho adágio de que “enquanto a verdade está calçando os sapatos ainda, a mentira já deu meia volta ao mundo”.
Outro massacre, outro dilema da mídia: divulgar ou não o nome e a imagem do atirador de Orlando?
Alguém que não sofresse desse analfabetismo jornalístico, porém, poderia ter verificado a fonte e procurado, em vão, por um site de notícias com uma reputação melhor que também estivesse cobrindo essa mesma notícia, e então decidir não acreditar nela.
Governo que merecem
Boatos sobre personalidades na TV podem não ser muito importantes. Mas e as reportagens sobre os números de civis mortos por ataques de drones norte-americanos? E sobre candidatos sendo levianos com a política externa?
“A alfabetização jornalística dos leitores é uma missão urgente”, me disse Miller, apontando que mesmo as melhores das organizações jornalísticas podem achar impossível arranjar pessoas que paguem por um serviço caro de agregar notícias se elas mesmas não conseguirem distinguir as notícias reais dos rumores e boatos.
E há um preço a ser pago: Cidadãos que não se informam direito e não têm interesse em correr atrás terão o governo que merecem. E isso seria muito pior do que a demissão de Megyn Kelly.
*Margaret Sullivan já foi a editora pública do New York Times e editora-chefe do The Buffalo News, o jornal de sua cidade natal, e hoje é colunista de mídia do Washington Post.
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