No fim de fevereiro, a prefeitura de Curitiba divulgou uma notícia informando que o prefeito Rafael Greca quer criar na cidade uma “Rua da Cerveja”. O polo cervejeiro deverá se instalar na Rua Carlos de Laet, no Hauer, mesma rua em que está instalada a fábrica da cervejaria curitibana Bodebrown. Não à toa, a notícia veio a público após uma visita do diretor comercial da Bodebrown, André Amarante, a Greca.
A inspiração para a criação da Rua da Cerveja são os eventos promovidos pela própria Bodebrown aos finais de semana, em que se fazem visitas à fábrica e degustação de cervejas. A partir da iniciativa, a prefeitura deverá realizar dois eventos-teste para avaliar o impacto para a população do entorno e tomar providências relativas ao trânsito, estacionamento e poluição sonora.
Ainda que a iniciativa da criação da Rua da Cerveja agrade especialmente os interesses de uma empresa específica, há benefícios indiretos para outras cervejarias e para o comércio do bairro – a ideia é que, além de cerveja, também se venda comida, transformando a rua num novo ponto turístico da cidade. Ao criar uma Rua da Cerveja, Curitiba está estimulando a economia do município e ajudando a consolidar uma cultura de consumo de cervejas artesanais. Em um levantamento recente, a Gazeta do Povo contabilizou pelo menos 25 microcervejarias instaladas em Curitiba e região.
É de se lamentar, somente, que não se veja esforço semelhante para o estímulo à cultura da capital. Um exemplo: em Belo Horizonte (MG), escritores e produtores culturais estão se organizando pela criação da Rua Literária, projeto que transforma o trecho de uma rua na Savassi, bairro boêmio e cultural da capital mineira, em um espaço dedicado à literatura. A ideia não é nova: livreiros instalados na região querem fechar duas quadras da rua, aos sábados pela manhã, para que as pessoas circulem livremente entre três livrarias instaladas na região. A diferença é que, agora, o projeto foi encampado por um vereador da cidade, que promete levar adiante a ideia e obter o apoio necessário da prefeitura.
Curitiba não tem potencial para ter uma rua literária? Hoje é difícil encontrar um local da cidade que reúna três livrarias próximas. Fora dos shoppings, é claro. Livrarias de rua são cada vez mais raras em Curitiba. O que também é ruim do ponto de vista da ocupação do espaço público. Mas já tivemos alguma tradição nesse negócio. A Livrarias Curitiba mantém uma loja no calçadão da Rua XV. A Livraria do Chain também ocupa espaço importante na General Carneiro, em frente à Reitoria da UFPR. Mas perdemos locais importantes na última década: a Livraria do Eleotério, na Amintas de Barros; a Guerreiro, na XV de Novembro; e a saudosa Ghignone da Comendador Araújo são algumas que vêm à memória.
Aliás, se pudéssemos sugerir, por que não uma Rua da Literatura de Curitiba na Comendador Araújo, no trecho entre a Brigadeiro Franco e a Presidente Taunay? O espaço já é quase um bulevar no Batel. Seria uma homenagem a José Ghignone, que poderia ser capitaneada pelo grupo Livrarias Curitiba, maior empresa do ramo no estado, com presença da Arte & Letra (livraria de rua da região) e, por que não, das grandes livrarias dos shoppings, como a Saraiva, a Cultura e a Livraria da Vila.
Fechar o trecho de uma rua num sábado pela manhã não exige esforços hercúleos. Há eventos isolados na cidade que já fazem isso, com apoio da vizinhança, e têm o seu êxito. Se Curitiba perdeu a tradição das livrarias de rua, não perde a tradição literária. Temos a honrar a memória de Emiliano Perneta, Emílio de Menezes, Helena Kolody, Paulo Leminski, Manoel Carlos Karam, Jamil Snege e a vida de todos os escritores curitibanos na ativa, viventes aos olhos do mais célebre vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan.