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Ele foi criado para ser o “astro” do movimento racista dos EUA. Mas então algo aconteceu

Aos 19 anos, Derek Black era uma “estrela em ascensão” dentro do movimento racista americano | Matt McClain/The Washington Post
Aos 19 anos, Derek Black era uma “estrela em ascensão” dentro do movimento racista americano (Foto: Matt McClain/The Washington Post)

Um grupo de defensores do chamado “nacionalismo branco” tinha uma conferência pública marcada, mas foram interrompidos por um protesto e uma ameaça de bomba. Por esse motivo, eles decidiram, em vez disso, fazer sua reunião em segredo. Eles escaparam dos policiais e dos manifestantes e se encontraram num hotel no centro de Memphis. O país havia eleito seu primeiro presidente negro havia poucos dias, e agora, em novembro de 2008, dúzias dos racistas mais infames do mundo se reuniam para traçar suas estratégias para os anos por vir.

“A luta para restaurar a América Branca começa agora”, lia-se em sua agenda política.

A sala estava cheia de ex-chefes do Ku Klux Klan e neonazistas notórios, mas um dos principais discursos havia sido reservado para um aluno de uma universidade local da Flórida que havia acabado de completar 19 anos. Derek Black já era o apresentador do seu próprio programa de rádio, além de fundador de um site na internet de nacionalismo branco para crianças e vencedor de uma eleição local na Flórida. “A luz que guia o nosso movimento”, foi como o organizador da conferência o apresentou, e então Derek subiu ao palanque. “O caminho adiante é pela política”, ele disse. “É possível nos infiltrarmos. É possível pegarmos o país de volta”.

Anos antes de Donald Trump ter lançado sua campanha presidencial com base em parte na política de raça e separação, um grupo de defensores do nacionalismo branco já trabalhava para possibilitar a sua ascensão, ao fazerem sua ideologia ganhar um território cada vez mais, saindo do espaço marginal do radicalismo para chegar cada vez mais perto da direita ultraconservadora. Muitos dos participantes da conferência em Memphis já haviam transformado suas carreiras, deixando de ser membros do KKK para se tornarem supremacistas brancos até chegarem a “realistas raciais”, como eles se autodescreviam – e Derek Black representava um novo passo nessa evolução.

Derek nunca usou termos raciais pejorativos. Não defendia que se fizesse uso de violência, nem que se infringisse as leis. Ele conquistou um lugar no comitê do Partido Republicano em Palm Beach County, na Flórida, também um dos lares de Trump, sem sequer falar em nacionalismo branco, preferindo, em vez disso, tratar dos males do politicamente correto, das ações afirmativas e da imigração hispânica descontrolada.

Ele não era só um líder das políticas raciais, mas também produto dela. Seu pai, Don Black, foi o criador do Stormfront, um dos primeiros e maiores sites do nacionalismo branco na internet, com 300 mil usuários e crescendo. Sua mãe, Chloe, já havia sido esposa de David Duke, um dos mais infames racistas do país, e Derek foi apadrinhado por Duke. Eles haviam elevado Derek à posição de vanguarda do movimento, e alguns nacionalistas brancos começaram a chamá-lo de “o herdeiro”.

Agora Derek falava em Memphis sobre o futuro de sua ideologia. “O Partido Republicano precisa ser ou demolido ou dominado”, ele disse. “Eu meio que aposto que os republicanos irão se afirmar como o partido branco”.

Algumas pessoas na plateia começaram a bater palmas, e outras, a assoviar. Logo, todo o grupo estava aplaudindo. “O nosso momento”, afirmou Derek, porque, naquela sala, pelo menos, havia um consenso. Eles acreditavam que o nacionalismo branco estava prestes a ser o estopim de uma revolução política. Eles acreditavam, pelo menos naquele momento, que Derek seria o seu líder.

“Alguns anos mais para frente, nós vamos olhar para agora”, ele anunciou. “O grande movimento intelectual para a salvação dos brancos começa hoje”.

O resto precisa ir embora

Oito anos depois, esse futuro que eles vislumbraram em Memphis estava finalmente se concretizando na eleição presidencial de 2016. No Twitter, Donald Trump dá retweets em comentários de supremacistas brancos. Hillary Clinton faz discursos sobre a ascensão do “ódio aos brancos” e cita David Duke, que lançou sua própria campanha para o senado dos EUA.

O nacionalismo branco havia aberto seu caminho à força, rumo ao próprio centro da política dos EUA. No entanto, uma das pessoas que melhor conheceu essa ideologia não estava mais nem perto desse centro. Derek havia acabado de fazer 27 anos, porém, em vez de estar liderando o movimento, ele estava era tentando se dissociar não só desse momento nacional, mas de toda uma vida que ele não mais compreendia.

Desde o começo, sua vida se desenrolou dentro do mundo insular do nacionalismo branco, onde nunca houve a menor dúvida da importância da “raça branca” nos Estados Unidos. Derek havia sido ensinado que o país foi pensado como um lugar para os europeus brancos e que todo o resto das pessoas uma hora teria que ir embora. Ele foi ensinado a enxergar com suspeita as outras raças, o governo dos EUA, a água na torneira e a cultura pop.

Seus pais o tiraram da escola pública em West Palm Beach no final da terceira série, quando ouviram um professor negro dizer uma expressão de inglês coloquial fora da norma culta. À época, Derek era um dos poucos alunos brancos numa turma que consistia principalmente de hispânicos e haitianos, e seus pais decidiram que seria melhor para ele estudar em casa.

“É uma vergonha quantas mentes brancas são desperdiçadas neste sistema”, escreveu Derek pouco depois, no site para crianças do Stormfront que ele mesmo montou aos 10 anos. “Eu não sou mais atacado por gangues de não brancos. Estou aprendendo a ter orgulho de mim, de minha família e do meu povo”.

Porque foi escolarizado em casa, o nacionalismo branco viria a se tornar o foco de sua educação. Outra consequência é que ele tinha a liberdade para viajar com seu pai, que todos os anos passava várias semanas fora para dar discursos em conferências de nacionalismo branco no chamado “Sul Profundo” dos EUA.

Ameaças

Derek aprendeu a programar para a Web e projetou o site do Stormfront para crianças. Ele deu entrevistas sobre discurso de ódio para a Nickelodeon, para talk-shows diurnos, a HBO e a USA Today. “A criança diabo”, era como Don o chamava às vezes, com orgulho e carinho.

Mas Don também lia muitos dos e-mails pesados que seu filho recebeu, mandados por estranhos que se ofenderam com a página do Stormfront para crianças, e ele começou a ficar preocupado que o seu filho, à época com 13 anos, estivesse tendo tanto contato com a via de mão dupla do preconceito e do ódio.

“Você vai apodrecer no inferno”, dizia um e-mail, de 2002.

“Eu SÓ QUERIA que você estivesse no mesmo lugar que eu agora”, dizia outro. “Você vai ficar sem os dentes, seu lixo desgraçado”.

Don disse a Derek para que parasse de olhar as mensagens. Mais tarde ele se lembraria de que perguntava a si mesmo: “Será que eu não estou empurrando isso nele? Será que ele não está só fazendo isso para me agradar?”. Ele perguntou a Derek se não queria desativar a página para crianças, mas Derek respondeu que os e-mails não o incomodavam. Eles partiam do inimigo. Quem se importava com o que o inimigo pensa?

A formação do futuro líder racista

Depois disso, Don começou a ver algo diferente sempre que olhava para o filho: via não apenas uma criança que nasceu dentro do movimento, mas também um líder emergente, com uma força e convicção próprias. Don havia passado mais de quatro décadas esperando para que os brancos tivessem um “despertar racial” na América, e agora começava a acreditar que o adolescente em sua casa poderia ser um catalisador em potencial.

“Todos os meus pontos fortes, sem nenhuma das minhas fraquezas”, Don mais tarde diria sobre Derek àquela época. “Ele era mais inteligente do que eu. Via mais coisas. Sempre dava o máximo de si”.

Boa parte dos outros membros do nacionalismo branco haviam chegado às suas conclusões a partir do medo e do ódio, mas Derek parecia se dar bem com qualquer pessoa que conhecesse, independente da raça. Em vez disso, ele buscava a lógica e a ciência para confirmar sua visão de mundo, lendo estudos de “think thanks” conservadores sobre diferenças biológicas entre raças, disparidades de QI e taxas de crimes violentos cometidos por negros contra brancos.

Ele lançou um programa diário de rádio para partilhar seu ponto de vista, e Don pagava US$275 por semana para colocá-lo no ar através de uma estação AM da cidade próxima de Lake Worth. No ar, Derek ajudou a popularizar a ideia de que havia um “genocídio branco” em andamento, de que os brancos estavam perdendo sua cultura e tradições para a imigração em massa de não-brancos.

“Se dissermos mil vezes – ‘Genocídio branco! Estamos perdendo o controle do país!’ –, os políticos uma hora vão começar a repetir isso também”, ele dizia.

A ideia foi repetida em entrevistas, postagens do Stormfront e durante o seu discurso na conferência em Memphis, quando estava no auge de sua autoconfiança.

Derek terminou o ensino médio, se matriculou numa universidade local e concorreu a um lugar no comitê do Partido Republicano, vencendo um incumbente com 60% dos votos. Ele decidiu que queria estudar história europeia medieval, por isso se matriculou na New College of Florida, uma das melhores faculdades de artes liberais do país, que contava com um currículo forte em história.

“Nós queremos é que você faça história, não só a estude”, às vezes Don e Chloe lhe diziam.

A New College estava entre as faculdades mais liberais do estado – “a mais tolerante à maconha, mais tolerante com gays”, explicou Don no rádio – e, para alguns nacionalistas brancos, a escolha lhes pareceu bizarra. Uma vez, no ar, um amigo perguntou a Don se ele não ficava preocupado em mandar seu filho para um “antro do multiculturalismo”, e Don começou a rir.

“Se vai ter alguém que vai acabar influenciado nessa história, serão eles”, ele disse. “Em breve, todo o corpo docente e discente vai saber quem ele é”.

Um amigo judeu e um peruano

A princípio, ninguém sabia nada sobre Derek, e ele tentou manter as coisas assim. A New College ficava em Sarasota, do outro lado do estado, a três horas de viagem, e era a primeira vez que Derek ficava longe de casa. Ele assistiu a uma palestra introdutória sobre diversidade e concluiu que o jeito mais rápido de ser ostracizado lá seria se proclamar como racista. Ele decidiu, então, não mencionar nada sobre nacionalismo branco no campus, pelo menos não antes de fazer alguns amigos.

A maioria dos outros alunos no seu dormitório eram calouros, enquanto Derek era um aluno transferido e já tinha 21 anos, dirigia e podia beber legalmente. As qualidades que lhe davam ares peculiares – o cabelo ruivo na altura do ombro, o chapéu de caubói e a paixão por reencenação medieval – faziam dele um bom candidato à New College, onde muitos dos seus 800 alunos eram meio esquisitos. Ele forjou sua própria armadura e se vestiu de cavaleiro para o Halloween.

Assistia a filmes de zumbis com os alunos do seu dormitório, um grupo que incluía um imigrante peruano e um judeu ortodoxo. Talvez eles fossem usurpadores, como dizia seu pai, mas Derek também meio que gostava deles.

Aos poucos ele passou a não só não falar sobre suas convicções, como a disfarçá-las ativamente. Quando um outro aluno mencionou que andou lendo sobre as implicações racistas de “O Senhor dos Anéis” numa página chamada Stormfront, Derek fingiu nunca ter ouvido falar do site.

Enquanto isso, a cada manhã dos dias de semana, ele saía para ligar para o seu programa de rádio. Ele dizia a seus amigos que essas saídas eram só para ligar para casa, para os seus pais, o que, de certa forma, era verdade. A cada manhã, depois de tocar a música “I’m a White Boy”, de Merle Haggard, Derek e seu pai conversavam ao vivo. Derek muitas vezes repetia a crença de que os brancos estavam sendo eliminados – “um genocídio em nosso próprio país”, ele dizia.

Dizia aos ouvintes que o problema era a “imigração em massa de não-brancos”. Dizia que o presidente Barack Obama era um “radical antibrancos”. Dizia que os eleitores brancos estavam “só esperando por um político que falasse sobre como os brancos estão sofrendo”. Dizia que essa era a “luta crítica da nossa era”. Então desligava e voltava para o dormitório, para tocar músicas da Taylor Swift no violão ou pegar um dos barcos da faculdade para visitar a baía de Sarasota.

Derek saiu por um semestre para estudar fora na Alemanha, porque queria aprender a língua, mantendo contato com a New College em parte através de um fórum online de alunos, cujas atualizações eram mandadas direto para o seu e-mail.

Certa noite, em abril de 2011, Derek viu uma mensagem postada a todos os alunos à 1h56 da manhã. Foi escrita por alguém que Derek não conhecia – um veterano que estava fazendo uma pesquisa sobre grupos terroristas online, quando se deparou com um rosto conhecido.

“Vocês viram já este homem?” dizia a mensagem, e, embaixo dessas palavras havia uma imagem inconfundível. O cabelo ruivo. O chapéu de caubói.

“Derek Black: supremacista branco, apresentador de rádio... aluno da New College???” indagava a postagem. “Como é que nós, como uma comunidade, iremos responder a isso?”

Convite por SMS

Quando Derek voltou ao campus para o semestre seguinte, havia mais de mil respostas a essa postagem. Foi o maior tópico da história do fórum da faculdade que Derek agora tanto queria poder evitar. Ele voltou a Sarasota, solicitou permissão para não precisar ficar nos dormitórios da faculdade e foi morar num quarto alugado a alguns quilômetros de distância.

Alguns de seus amigos do ano anterior lhe mandaram e-mails dizendo que se sentiam traídos e que às vezes, do nada, apareciam estranhos de longe, no campus, para lhes mostrar o dedo do meio. Mas, em sua maior parte, Derek passou a evitar lugares públicos, e os outros alunos ou só o encaravam ou o deixavam sozinho, por mais que as especulações continuassem no fórum.

“Talvez ele esteja tentando fugir de uma vida que ele mesmo não escolheu”.

“Ele escolheu ser uma figura pública racista. Nós escolhemos chamá-lo de racista em público”.

“Eu só queria que esse cara morresse uma morte dolorosa, junto com toda a sua família. Será que isso é pedir demais?”

“Eu queria ver o Derek Black respondendo a tudo isso...”

Em vez de responder, Derek leu o fórum e o usou como motivação para planejar uma conferência para nacionalistas brancos na região leste do Tennesse. “Vitória através da Argumentação: Táticas verbais para todos os brancos e normais”, ele escreveu no convite. Ele já havia palestrado em várias conferências, incluindo aquela em Memphis, mas só agora se sentia compelido a criar um novo evento, conforme o nacionalismo branco continuava a sua disseminação. A ideia do genocídio branco que ele vinha defendendo finalmente estava se tornando comum nos programas de rádio conservadores.

David Duke estava começando a tentar criar uma relação com “nossos amigos e aliados do Tea Party”. Donald Trump estava estimulando a “direita alternativa” com sua investigação sobre a certidão de nascimento de Obama, e uma enquete do instituto Gallup sugeria que só 38% dos EUA acreditava “definitivamente” que Obama era nascido em solo norte-americano.

“Temos uma conjuntura crítica para aumentar a visibilidade do nosso movimento”, disse Derek no rádio. Então, ele registrou 150 participantes e marcou palestras a serem dadas por seu pai, Duke e outros ícones do separatismo. Um outro aluno da New College ficou sabendo da conferência e publicou detalhes no fórum, onde aos poucos um novo jeito de pensar havia começado a surgir.

“Ostracizar o Derek não vai adiantar nada”, escreveu um aluno.

“Temos uma chance de seremos ativistas reais e afetarmos de verdade um dos líderes da supremacia branca na América. Não estou exagerando. Seria uma vitória para os direitos civis”.

“Quem é que vai ser o gênio que vai pensar em algo que dê para fazer para mudar a cabeça desse cara?”

Um dos conhecidos de Derek daquele primeiro semestre decidiu que talvez ele tivesse uma ideia. Ele começou a ler o Stormfront e a escutar seu programa de rádio. Então, no final de setembro, ele mandou um SMS a Derek.

“O que você vai fazer na sexta à noite?” a mensagem dizia.

Matthew Stevenson começou a dar jantares semanais de Shabbat no seu apartamento no campus logo depois de se matricular na New College em 2010. Ele era o único judeu ortodoxo numa faculdade que tinha pouquíssima infraestrutura judaica, por isso ele começou a cozinhar, nas noites de sexta, para um pequeno grupo de alunos em seu apartamento. Matthew sempre bebia da taça de kidush e entoava as orações tradicionais, mas a maioria dos convidados eram cristãos e ateus, negros ou hispânicos – qualquer um que tivesse a cabeça aberta o suficiente para ouvir algumas bênçãos em hebraico. Agora, no outono de 2011, Matthew havia convidado Derek para se juntar a eles.

Matthew passou algumas semanas debatendo consigo mesmo se essa seria uma boa ideia. Ele e Derek viviam perto um do outro no dormitório, mas não tinham se falado desde que Derek foi exposto no fórum. Matthew, que quase sempre usava um quipá, havia sofrido antissemitismo já o suficiente em sua vida para estar bem familiarizado com o KKK, David Duke e o Stormfront.

Ele leu algumas das postagens de Derek no site de entre 2007 e 2008: “Judeus NÃO SÃO brancos”, “Os judeus se infiltram até chegarem no poder sobre a nossa sociedade”, “Eles precisam ir embora”.

Matthew decidiu que a melhor chance que teria de mudar a cabeça de Derek seria não ignorando-o nem confrontando-o, mas simplesmente incluindo-o. “Talvez ele nunca tivesse passado tempo com um judeu antes”, Matthew se lembra de ter pensado.

Foi o único convite social que Derek recebeu desde que voltou ao campus, por isso ele concordou em aparecer. Os jantares de Shabbat às vezes incluíam entre oito e dez alunos, mas desta vez só uns poucos vieram. “Vamos tentar tratá-lo como se fosse um de nós”, Matthew se lembra de ter-lhes instruído.

Derek chegou com uma garrafa de vinho. Ninguém trouxe à tona o tema do nacionalismo branco ou o fórum, em respeito a Matthew, e Derek se comportou educadamente e sem chamar atenção. Ele voltou na semana seguinte e na outra, até que, dados alguns meses, ninguém se sentia mais ameaçado, e o grupo do Shabbat cresceu de volta ao seu tamanho original.

Nas raras ocasiões em que Derek conduzia as conversas durante os jantares, os temas eram sobre particularidades da gramática árabe, ou biologia marinha, ou as raízes do cristianismo medieval.

Ele dava a impressão de ser um rapaz inteligente e curioso, e na maior parte do tempo era um bom ouvinte. Ele ouviu às histórias que um imigrante peruano contou sobre como era ter feito o ensino médio numa escola 90% de hispânicos.

Ele perguntou a Matthew sobre suas opiniões sobre Israel e a Palestina. Ambos desconfiavam um do outro: Derek se perguntava se Matthew tinha planos de embebedá-lo para fazê-lo dizer coisas ofensivas que depois iriam aparecer no fórum, enquanto Matthew se perguntava se Derek não estava só tentando fazer um amigo judeu para protegê-lo de acusações de antissemitismo.

Mas os dois também gostavam um do outro, e começaram a jogar sinuca num dos bares perto do campus. Alguns dos membros do grupo de Shabbat começaram aos poucos a perguntar quais eram as opiniões de Derek, e ele ocasionalmente as esclareceu em conversas por e-mail entre 2011 e 2012.

Ele disse que era pró-escolha nas questões sobre aborto. Disse que era contra a pena de morte. Disse que não acreditava na violência, nem no KKK, no nazismo ou mesmo na supremacia branca, que ele insistia que era diferente do nacionalismo branco. Ele escreveu num e-mail que sua única preocupação era com a “imigração em massa e a integração forçada” que resultaria num genocídio branco. Ele disse que acreditava nos direitos de todas as raças, mas era da opinião que “era melhor que cada uma ficasse no seu lugar, vivendo separadas”.

“Você nunca esclareceu, Derek”, um dos seus amigos do Shabbat lhe disse, por e-mail. “Você nunca disse, ‘Ei, gente, isto aqui é o que eu acredito e isto é o que eu não acredito’. Quanto alguém tem medo ou se sente intimidada por outra pessoa, não cabe a ela ir até essa pessoa e abordá-la para ver se ela é de fato assustadora ou intimidante”.

“Eu acho que eu só dou valor para as opiniões de pessoas que eu conheço”, Derek respondeu, e agora ele estava começando a contar seus amigos do Shabbat entre aqueles que ele conhecia e respeitava. “Você têm razão, naturalmente, quando dizem que eu não dei ênfase ao meu próprio papel nisso”, ele lhes disse.

Derek decidiu, no começo do seu último ano na New College, que finalmente iria responder ao tópico do fórum. Ele queria que seus amigos no campus se sentissem confortáveis, mesmo que ainda acreditasse que o lugar deles fosse outro. Ele se sentou num café e começou a escrever sua postagem, suavizando cada vez mais sua ideologia a cada revisão.

Ele não achava mais que o ponto final do nacionalismo branco fosse a deportação forçada para não-brancos, mas a autodeportação gradual, em que os não-brancos aos poucos iriam embora por vontade própria. Ele não acreditava na autodeportação imediata, porém, pelo menos não no caso dos seus amigos, mas só em conceito, como algo que deverá acontecer, num futuro distante.

“Foi trazido à minha atenção que é possível que as pessoas tenham medo ou se sintam intimidadas ou até mesmo ameaçadas aqui por causa de coisas que foram ditas sobre mim”, ele começou. “Eu queria vir a público tratar dessas preocupações, visto que elas absolutamente não deveriam existir. Eu não apoio a opressão de ninguém por conta de sua raça, crença, religião, gênero, condição socioeconômica ou qualquer outra coisa do tipo”.

A postagem no fórum, que foi redigida só para a faculdade, acabou vazando e indo parar nas mãos da equipe do SPLC, que mantinha um “Arquivo de Inteligência” público sobre Derek e outros líderes racistas, e o grupo pediu esclarecimentos a Derek por e-mail. Será que ele estava se distanciando do nacionalismo branco? “Suas opiniões agora são muito diferentes do que muita gente pensava”, dizia o e-mail.

Derek recebeu a mensagem enquanto aproveitava as férias de inverno na Europa. Ele estava na casa de Duke, que havia começado a apresentar seu programa de rádio numa parte da Europa com leis mais complacentes de liberdade de expressão. “O Tea Party está levando algumas dessas ideias para o público em geral”, disse Duke num dos programas certa manhã. “Até que enfim os brancos estão se dando conta do meu ponto de vista”, ele disse outro dia, e, por mais que Derek agora pensasse que parte do que Duke dizia parecia exagerado ou até mesmo preocupante, o homem ainda era seu padrinho. Derek respondeu ao SPLC sentado no sofá de Duke.

“Tudo que eu disse (no fórum) é verdade”, ele respondeu. “Eu também acredito no Nacionalismo Branco. Minha postagem e minha ideologia racial não são conceitos mutuamente excludentes”.

A transformação

Mas a verdade não dita é que Derek estava se tornando cada vez mais e mais confuso sobre no que exatamente ele acreditava. Às vezes ele olhava as postagens do Stormfront, com a esperança de reafirmar sua ideologia, mas agora os tópicos sobre a certidão de nascimento de Obama ou testes de DNA para cidadania só lhe pareciam bizarros e conspiratórios.

Ele parou de postar no Stormfront. Começou a inventar desculpas para parar de apresentar o programa de rádio, deixando seu pai sozinho todas as manhãs para explicar o porquê de Derek não estar no ar com ele. Era porque ele estava estudando para uma prova. Ou estava tocando o terror na vida dos professores liberais. Só que, às vezes, o que Derek estava fazendo de verdade era pegar o seu caiaque e ir até a praia para ficar um tempo sozinho para pensar.

Ele sempre baseou suas opiniões em fatos, e ultimamente sua lógica acabou sendo desmantelada pelos e-mails de seus amigos do Shabbat. Eles lhe mandavam links com estudos que mostravam que as disparidades raciais em testes de QI poderiam, em sua maior parte, ser explicados por fatores extenuantes como nutrição pré-natal e oportunidades educacionais. Eles lhe deram textos científicos sobre os efeitos da discriminação sobre a pressão sanguínea, o desempenho de trabalho e a saúde mental.

Ele leu artigos sobre privilégio branco, e a representação injusta de minorias nos noticiários da televisão. Um amigo lhe disse por e-mail: “O ‘genocídio’ contra os brancos é uma ideia horrível e incrivelmente ofensiva e degradante para as experiências reais, factuais, vividas dos judeus, ruandenses, armênios etc”.

“Eu não odeio ninguém por motivos de raça ou religião”, Derek esclareceu no fórum.

“Não sou um supremacista branco”, ele escreveu.

“Não acredito que as pessoas de qualquer raça, religião ou coisa assim deveriam ter que sair de suas casas ou serem segregadas ou perderem sua liberdade”.

“Derek”, um amigo lhe respondeu. “Eu sinto que você é o representante de um movimento que você mal consegue apoiar. Não dá para considerar um sistema de pensamento como sendo seu se você não se identifica com mais de 2% dele”. Ele estava tendo aulas sobre escrituras judaicas e multiculturalismo alemão no último ano na New College, mas a maior parte das suas pesquisas era sobre a Europa medieval.

Ele aprendeu que a Europa Ocidental começou não como uma grande sociedade de pessoas geneticamente superiores, mas como um lugar tecnologicamente atrasado, perdendo para a cultura islâmica. Ele estudou o período entre os séculos 8 e 12, tentando traçar os conceitos modernos de raça e “branquitude”, mas não conseguia encontrá-los em lugar nenhum. “Nós basicamente inventamos isso”, ele concluiu.

“Saia dessa”, um dos seus amigos do Shabbat lhe disse por e-mail algumas semanas antes de Derek se formar, em maio de 2013, pedindo a Derek para deserdar o nacionalismo branco publicamente. “Saia antes que isso estrague alguma parte do seu futuro de alguma forma mais irreparável do que já estragou”.

Após se formar, Derek havia ficado perto do campus para cuidar da casa de um professor que estava viajando, e começou a considerar a ideia de fazer uma declaração pública. Ele sabia que não acreditava mais no nacionalismo branco e havia feito planos para se distanciar do seu passado alterando parte do seu nome e se mudando para o outro lado do país, para cursar a pós-graduação. Seu instinto lhe dizia para sair aos poucos, em silêncio, mas ele sempre foi uma pessoa pública – havia um legado de programas de rádio, postagens na internet, aparições na TV e conferências anuais sobre táticas raciais.

Ele ainda estava pensando o que fazer quando voltou para casa para visitar seus pais no final daquele verão. Seu pai estava acompanhando a ascensão do nacionalismo branco na TV a cabo, e ele e sua mãe discutiam “inimigos” e “camaradas” na “guerra de hoje”, mas tudo isso parecia ridículo para Derek. Ele passou o dia reconstruindo as janelas com eles, que era um dos hobbies peculiares de Derek que seus pais sempre apoiaram.

Eles mesmos haviam comprado seu violão e participavam de suas reencenações medievais. Eles haviam pagado as mensalidades da faculdade de artes liberais onde ele tinha seus jantares de Shabbat. E, mais do que tudo, eles o haviam ensinado a ser independente e ideológico, e a anunciar suas crenças mesmo quando isso lhe rendesse críticas.

Ele saiu de casa naquela noite e foi para um bar. Lá, pegou o computador e começou a escrever uma declaração.

“Publiquem na íntegra”, era a instrução de Derek. Então ele anexou a carta e clicou em “enviar”.

“Ferida aberta”

Don estava na frente do computador na tarde do dia seguinte, pesquisando no Google quando apareceu o nome de Derek numa manchete na tela. Don passou a última década digitando os termos “Stormfront” e “Derek Black” na barra de busca algumas vezes por semana para acompanhar a ascensão pública do seu filho no nacionalismo branco. Essa história em particular havia sido publicada pelo SPLC, que Don sempre havia chamado de o “Palácio da Pobreza”.

“Ativista Filho de um dos Principais Líderes Racistas Renuncia ao Nacionalismo Branco”, dizia a manchete, e Don começou a ler a carta. Havia expressões como “opressão estrutural”, “privilégio”, “oportunidade limitada” e “grupos marginalizados” – o tipo de linguajar de esquerda de que Don e Derek sempre tiravam sarro no rádio.

“Você foi hackeado”, Don se lembra de ter dito a Derek, quando conseguiu falar com ele no telefone. “Não, a carta é de verdade”, Derek respondeu, e ouviu o som do seu pai desligando.

Don passou as horas seguintes em profunda descrença. Talvez fosse alguma pegadinha de Derek. Talvez ele ainda acreditasse no nacionalismo branco, mas só quisesse ter um vida mais fácil.

Derek ligou de volta, mas desta vez foi sua mãe quem atendeu. Ela disse que não queria conversar com ele e entregou o telefone para Don. Sua voz estava trêmula, chorosa. Derek nunca o ouviu desse jeito. “Não posso conversar”, Don disse e desligou de novo.

Mais tarde, naquela noite, Don ficou online no fórum do Stormfront. “Tenho certeza que isso vai aparecer na net toda e na nossa mídia local, então vou começar aqui”, ele escreveu, com um link para a carta de Derek. “Não quero falar com ele. Ele diz que não entende o porquê de nos sentirmos traídos só porque ele anunciou suas ‘crenças pessoais’ aos nossos piores inimigos”.

Ao longo dos vários dias que se seguiram, Don não conseguia encontrar forças para fazer mais nenhuma postagem. “Eu fiquei um pouco deprimido, em todo caso, mas naquela época eu queria desistir de tudo”, ele disse mais tarde, se lembrando desse período. “Qual era o sentido? Fiquei provavelmente uns 10 dias sem fazer quase nada. Foi o pior acontecimento da minha vida adulta”.

Ele entrou de novo no Stormfront uma semana depois. “Após uns sete dias de sofrimento, eu sinto necessidade de extravasar”, ele escreveu. “Eu só sei o que o Derek me disse, o que foi aterrador. Eu decidi que ele acredita de verdade nessas porcarias. Derek repetiu sua crença de que os laços familiares são algo à parte da política. Eu disse que era óbvio que isso não era verdade quando a família girava em torno do ativismo político”.

Centenas de réplicas vieram rapidamente. Algumas ofereciam suas condolências a Don. Outras disseram que Derek era um traidor e que Don também não era mais digno de confiança. Don escreveu algumas tréplicas, às vezes defendendo Derek, às vezes se distanciando, até que, depois de algumas semanas, a dor já estava grande demais. “Vou fechar o tópico”, Don escreveu, por fim, descrevendo-o como “uma ferida aberta”.

Desconvidado do próprio aniversário

Derek voltou para casa algumas semanas mais tarde, para o aniversário do pai, mesmo depois que sua mãe e meias-irmãs lhe pediram para que não viesse. “Acho que vão me deserdar”, Derek escreveu para um amigo da faculdade. Mas ele estava prestes a sair da Flórida para ir fazer a pós-graduação e queria se despedir. Mais tarde ele se lembraria de como foi a estranha a sensação, ao chegar na casa da sua avó para a festa, de que suas meias-irmãs mal reconheciam a sua presença lá. Sua mãe foi educada, mas fria.

Don tentou convidar Derek para entrar, mas o resto da família queria que ele fosse embora. “Fui desconvidado da minha própria festa”, Don mais tarde se lembrou. “Eles disseram que, se eu quisesse vê-lo, era para nós dois irmos embora”.

Eles saíram e deram um passeio de carro, primeiro indo até a praia e depois um restaurante, onde se sentaram numa mesa nos fundos. Derek ainda tinha o mesmo senso de humor mordaz, fazendo comentários afiados sobre história e política. “O mesmo Derek de sempre”, Don concluiu, após algumas horas, e o fato o deixou surpreso. Seu luto havia sido tão profundo que ele esperava alguma manifestação física da sua perda.

Em vez disso, ele se flagrou esquecendo, por vários minutos por vez, que Derek agora “vivia do outro lado”. Don perguntou a Derek sobre as teorias que surgiram no tópico do Stormfront.

Ele não estava fingindo essa transformação só para ter uma carreira mais tranquila? Esse era o seu jeito de ser rebelde?

Quando Derek negou essas teorias, Don mencionou uma outra, na qual ele mesmo tinha passado a acreditar – a que David Duke postulou algumas horas após a carta de Derek ir a público: Síndrome de Estocolmo. Derek havia se tornado refém da academia liberal e passado a sentir empatia pelos seus sequestradores. “Isso é tão condescendente”, Derek se lembra de ter respondido. “Como posso provar que é nisso que eu acredito de verdade?”

Ele passou algumas horas no restaurante tentando convencer Don. Falou do privilégio branco e repetiu os resultados dos estudos científicos sobre racismo institucionalizado. Falou das grandes sociedades islâmicas que desenvolveram a álgebra e previram um eclipse lunar. Disse que agora, conforme vinha reconhecendo padrões do nacionalismo branco na política nacional, ele se sentia responsável. “Não é só que eu estava errado. Mas isso causou um estrago real”, ele se lembra de ter dito.

“Não acredito que estou discutindo sobre realidades raciais logo com você”, Don se lembra de ter-lhe dito.

O restaurante estava prestes a fechar, mas os dois ainda não conseguiam se entender. Derek passou a noite na casa da avó. Então acordou cedo e pegou o carro para atravessar o país sozinho.

Distância do passado

Todos os dias desde então, Derek vem se esforçando para se distanciar do seu passado. Ele ainda mora do outro lado do país, após terminar seu mestrado, e vem aprendendo árabe para poder estudar a história do começo do Islã. Ele não conversou com mais ninguém sobre nacionalismo branco desde que abandonou o movimento, fora as eventuais conversas com os pais pelo telefone. Em vez disso, ele passou seu tempo tentando acompanhar os aspectos da cultura pop que ele havia sido ensinado a ignorar: colunas de opinião de jornais liberais, músicas de rap e filmes de Hollywood.

Ele passou a admirar o presidente Obama e decidiu confiar no governo dos EUA. Começou até a beber água da torneira. Fez viagens baratas para Barcelona, Paris, Dublin e cidades do Nicarágua e do Marrocos, expondo-se ao máximo de culturas que podia.

Ele entrou num novo fórum online, só que agora para adeptos do “couch-surfing”, e ofereceu seu apartamento de um quarto para viajantes estranhos procurando lugar para ficar.

Era uma sensação cada vez melhor, a de poder confiar nos outros – e tentar interagir sem preconceito ou julgamento – e, depois de um tempo, Derek começou a se sentir distante da pessoa que ele já foi.

Mas então chegou a campanha eleitoral de 2016, e de repente o nacionalismo branco que Derek se esforçou tanto para desaprender era o subtexto inevitável dos debates nacionais em torno de refugiados, imigração, o movimento Black Lives Matter e a própria eleição.

No fim de agosto, Derek assistiu, do seu apartamento, ao discurso de Hillary Clinton sobre a ascensão do racismo. Ela explicou como os supremacistas brancos haviam se repaginado como nacionalistas brancos. Ela citou Duke e mencionou o conceito de um “genocídio branco”, que Derek outrora havia ajudado a popularizar. Ela falou sobre como Trump havia contratado um gerente de campanha com vínculos com a “direita alternativa”. Ela disse: “Um movimento marginal acabou essencialmente tomando conta do Partido Republicano”.

Era o mesmo argumento no qual Derek havia passado tanto de sua vida acreditando, mas agora isso o fazia ao mesmo tempo ter medo e se sentir culpado. “É assustador saber que ajudei a espalhar essas coisas, e agora está tudo aí”, ele disse a um dos amigos do Shabbat.

Ele também se perguntou se algum dia poderá se dissociar por completo do seu passado, considerando o quanto disso permanece público. Vez ou outra, ele ainda foi reconhecido durante a pós-graduação como um ex-racista. Seu nome ainda consta no testamento do homem que se tornou seu amigo por causa do nacionalismo branco. Ele ainda é afilhado de David Duke. Ainda é o filho de Chloe e Don.

No fim deste verão, pela primeira vez em anos, ele viajou para a Flórida para visitar seus pais. Numa época de retóricas cada vez mais inflamadas, ele queria ouvir o que seu pai tinha a dizer. Eles se sentaram na sala e conversaram sobre a pós-graduação e sobre o novo pastor alemão de Don. Mas, depois de um tempo, a conversa voltou para questões ideológicas, desde sempre o assunto preferido dos dois.

Don, que não costumava votar, disse que iria apoiar Trump.

Derek disse que havia feito um teste político online, e suas opiniões estavam 97% alinhadas com as de Hillary Clinton.

Don disse que restrições sobre imigração pareciam ser um bom começo.

Derek disse que acreditava, na verdade, era que devia haver um aumento nas imigrações, porque ele vinha estudando os benefícios econômicos e sociais da diversidade.

Don achava que isso resultaria num genocídio branco.

Derek achava que raça era um conceito falso mesmo, em todo caso.

Os dois ficaram sentados, um de frente para o outro, tentando achar um modo de construir uma ponte sobre o abismo que os separava. A baía ficava a uma quadra só de distância. Do outro lado da península, fica Mar-a-Lago, onde Trump morou e por anos costumava tirar férias, certa vez tendo instalado um poste de mais de 20 metros para colocar uma bandeira gigante dos EUA.

“Quem ia imaginar que seria ele quem levaria isso tudo para o público em geral?” disse Don. Num momento de tamanha divisão, esse era um ponto no qual os dois podiam concordar.

O pai

Don Black cresceu no Alabama, onde se filiou, na década de 1970, a um grupo chamado de White Youth Alliance, liderado por David Duke, que, à época, era casado com Chloe. O relacionamento acabou chegando ao fim, e Don e Chloe se reencontraram anos mais tarde, casaram e tiveram Derek em 1989. Eles se mudaram para West Palm Beach, para a casa onde Chloe foi criada quando era criança, para criarem Derek junto das duas filhas mais novas de Chloe. Havia imigrantes guatemaltecas na quadra abaixo e aposentados judeus que tinham acabado de se mudar para um condomínio próximo. “Usurpadores”, Don por vezes os chamava, mas Chloe não queria se mudar e deixar sua mãe idosa sozinha na Flórida, por isso Don e ela chegaram a um acordo, e ele passaria boa parte do seu tempo fazendo longas viagens para visitar as partes mais brancas do sul do país.

Nessas viagens, Don e Derek sempre ficavam na casa dos amigos que Don tinha no movimento “White Power”, e logo Derek já estava familiarizado com várias de suas histórias. Teve a vez em que o seu pai, quando tinha 16 anos, tomou um tiro no peito enquanto trabalhava numa campanha pró-segregação no estado da Georgia. Teve o dia em 1981 em que ele e outros extremistas fizeram planos para pegar um barco cheio de dinamite, armas automáticas e uma bandeira nazista. O plano, chamado Operação Red Dog, era dominar a minúscula ilha caribenha da nação de Dominica, mas, em vez disso, Don acabou sendo preso em flagrante e condenado a três anos na prisão. Ele aprendeu um pouco de programação enquanto cumpria sua pena na prisão federal e depois acabou lançando o site Stormfront em 1995 sob o lema “White Pride World Wide” (Orgulho Branco no Mundo Inteiro).

Ao longo dos anos, seu site atraiu todos os tipos de extremistas: skinheads, milicianos, terroristas e pessoas que negam o Holocausto. Segundo o Southern Poverty Law Center (SPLC), uma organização que acompanha e luta judicialmente contra grupos de ódio, havia vários usuários dos fóruns do Stormfront que acabaram cometendo crimes de ódio, inclusive assassinatos. Um usuário do fórum atirou fatalmente contra três crianças numa creche judaica em Los Angeles em 1999. Outro matou seu vizinho judeu em 2000 numa cidade próxima a Pittsburgh. “Nós atraímos muitos sociopatas”, Don publicou, e decidiu que o Stormfront teria mais credibilidade com o público em geral se contasse com maior moderação.

À época, o Stormfront se tornou seu trabalho em tempo integral, apesar de o site não render muito dinheiro, e a família sobreviver com o salário de assistente executiva de Chloe. A cada manhã, ela saía para trabalhar, e Don se sentava à sua mesa apinhada em sua casa, a partir da qual recrutava autores e acadêmicos da chamada “direita alternativa” para fazerem postagens para o site.

Em 2008, ele proibiu o uso de linguagem pejorativa, símbolos nazistas e ameaças de violência, ainda que outras partes da sua própria linguagem tenham permanecido inalteradas. Ele não tinha amigos, mas sim “camaradas”. Todo mundo ou estava “conosco” ou “contra nós”, era “simpatizante” ou “inimigo”. E foi assim que Derek fortaleceu sua relação com seu pai, tornando-se seu maior aliado ideológico.”

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