Não estamos acostumados a ver nos principais jornais, incluindo esta Gazeta do Povo, as imagens mais fortes dos conflitos em curso em regiões como o Oriente Médio.
Chegam de lá notícias de ataques e bombardeios, com efeitos e números sempre devastadores. Mas os seus registros fotográficos mais brutais não costumam entrar na edição final.
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Fotografia.
Há orientações editoriais e também regras não escritas a respeito do uso deste tipo de material que o leitor provavelmente aprovaria. Mas elas não são inofensivas, defende o artista suíço Thomas Hirschhorn, cuja série de colagens “Colagem de pixels” foi reproduzida no número mais recente da revista de fotografia “Zum”, acompanhada por um texto do curador Tobi Maier.
O trabalho, exibido pela primeira vez em Paris, em 2015, lança mão de fotografias de cadáveres destruídos por ações militares, sempre produzidas por anônimos (o que é relevante para a defesa que o artista faz desta matéria-prima, conforme se explica a seguir).
Pixelização
Em suas colagens, Hirschhorn usa quadrados de plástico coloridos para criar o efeito de pixelização, muito usado para ocultar rostos em fotografia. O artista brinca com o significado de autenticidade que este recurso dá às imagens no jornalismo.
É um discurso político: Hirschhorn, que usou fotografias deste tipo em várias de suas obras, defende que é importante mostrá-las por várias razões – inclusive porque isso é uma forma de engajamento contra a guerra. E argumenta que também é importante vê-las: distanciar-se delas é uma forma de preservar um conforto “narcisista”, isolado do mundo.
Em um texto de 2012, que foi traduzido para esta edição da revista, o suíço radicado em Paris explica suas razões em oito pontos-chave.
1. Origem
Hirschhorn se interessa pelo fato de as imagens não terem sido feitas por fotógrafos profissionais. A origem não verificável delas reflete a incerteza e a falta de garantias dos tempos de internet e redes sociais.
2. Redundância
A recorrência de imagens com corpos destruídos é um reflexo da redundância da destruição de seres humanos, o que é difícil de admitir. “Não queremos aceitar a redundância destas imagens porque não queremos aceitar a redundância da crueldade contra o ser humano”, argumenta.
3. Invisibilidade
O artista defende que, ao não veicular imagens de cadáveres mutilados sob o pretexto de proteger a sensibilidade do público e evitar o voyeurismo, a mídia acaba contribuindo para tornar a guerra aceitável. “Olhar imagens de corpos humanos destruídos é uma forma de campanha contra a guerra e contra sua justificação e propaganda”, escreve.
4. Tendência à “iconicidade”
Selecionar uma imagem “aceitável” como ícone de um acontecimento é uma forma de manipulação, na visão de Hirschhorn. Ele se recusa a aceitar estes ícones como representação e defende que olhar as imagens dos corpos destruídos é uma forma de reconhecer as diferenças, o “não icônico” e “não destacado”.
5. Redução a fatos
O artista critica o “mundo dos fatos” do jornalismo. Ele acredita que as imagens de corpos humanos destruídos resistem a este reducionismo ao mostrar a “textura dos fatos”, a “verdade irredutível”, que pode ser vista com nossos próprios olhos.
6. Síndrome da vítima
Hirschhorn não aceita a possibilidade de explicar ou justificar a destruição de um corpo humano como sendo de uma “vítima” ou “terrorista”. “Classificar corpos humanos destruídos como vítimas ou não vítimas é uma tentativa de torná-los comensuráveis, para que não se pense que todos esses corpos são incomensuráveis”, argumenta.
7. Irrelevância da qualidade
Para Hirschhorn, a “irrelevância da qualidade” nestas imagens – feitas por testemunhas, utilizando câmeras pequenas ou celulares – é uma “crítica implícita ao jornalismo incorporado a unidades militares, incluindo o fotojornalismo.”
8. Distanciamento via hipersensibilidade
Não olhar é “uma maneira de manter uma distância confortável, narcisista e excludente da realidade de hoje do mundo”, diz o artista, para quem o discurso da sensibilidade serve para “preservar uma situação de conforto, calma e luxo.” Hirschhorn defende que é necessário confrontar a realidade para cooperar com o mundo. “É preciso distinguir sensibilidade, que para mim significa estar acordado e atento, de hipersensibilidade, que significa autoisolamento e exclusão.”
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