As coisas pareciam ir bem demais para os serviços de vídeo sob demanda no Brasil – liderados pela Netflix – até eles começarem a chamar muita atenção. Primeiro foi sancionada, no fim do ano passado, lei que obriga a cobrança de Imposto Sobre Serviços (ISS) para serviços de transmissão online de áudio e vídeo com uma alíquota mínima de 2%. Mas a mão pesada do Estado não se satisfez e quer mais: que a Netflix e suas concorrentes paguem a Condecine, imposto que abastece o Fundo Setorial Audiovisual, que financia boa parte da produção audiovisual brasileira.
No fim de 2015, o Conselho Superior do Cinema, órgão colegiado ligado ao Ministério da Cultura formado por representantes dos setores da indústria audiovisual brasileira e burocratas de várias esferas estatais, publicou um documento em que revelava seu olho grande sobre o crescimento do serviço de vídeo sob demanda. Em “Desafios para a Regulamentação do Vídeo Sob Demanda”, o Conselho manifesta a necessidade de “atuação regulatória” do estado; fala em obrigar a exibição de títulos nacionais por esses serviços; indica a construção de “um novo modelo tributário” para não “descuidar da arrecadação da Condecine”. Em suma: explica como gostaria de meter a mão no jarro.
Notícia regulatória
Um ano depois, em dezembro de 2016, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) colocou em consulta pública uma “Notícia Regulatória” sobre a oferta de conteúdos audiovisuais sob demanda no Brasil. O texto é essencialmente o mesmo publicado pelo Conselho Superior do Cinema, mas mais detalhado e acompanhado de alguns questionamentos específicos que pretendem balizar o debate público acerca do tema. A consulta está disponível no site da Ancine até dia 22 de março. Para participar, é preciso estar cadastrado no Sistema de Consulta Pública da Ancine.
Em sua Notícia Regulatória, a Ancine afirma que “faz-se relevante a atenção do Estado (...) para assegurar um ambiente concorrencial e regulatório isonômico que fortaleça o crescimento do setor”. Mais adiante, o texto fala em “obrigações regulatórias específicas” como a criação de uma “contribuição tributária específica” relativa a este segmento da indústria audiovisual. Em outras palavras: mais impostos. Daí para imaginar que esta conta seja paga pelo consumidor é um pulo: as empresas de vídeo sob demanda têm o grosso de sua receita ligada ao valor pago pelos assinantes de seu serviço. Aumentam-se os custos de exibição, sobe a conta do consumidor. Quem fica feliz é o paquiderme estatal, alimentado com nova ração.
Fundo Audiovisual arrecadou cerca de R$ 1,5 bilhão em 2016
A Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica) é um imposto que a Ancine cobra de cada exibidor, como TVs abertas, TVs pagas, salas de cinema e até operadoras de telefonia por peça audiovisual exibida. O exibidor paga taxas que variam de R$ 60 até R$ 7.291,25 dependendo da natureza da peça audiovisual, como filmes em curta-metragem nacionais até longas-metragens internacionais. O imposto é a maior fonte do Fundo Setorial Audiovisual (FSA) que, em 2016, arrecadou cerca de R$ 1,5 bilhão em recursos. A Netflix possui no Brasil um acervo de cerca de 3,8 mil títulos, entre filmes e séries. Para se mensurar o volume de recursos em impostos arrecadados com a medida, seria necessário aplicar a taxa específica de cada título disponível na Netflix e nos demais serviços de streaming.
Encerrada a consulta pública, a Ancine deve preparar a minuta de um texto que, em tese, seria enviado para o Congresso, para debate e tramitação sob forma de projeto de lei. Em tese porque a Ancine está em vias de ter empossada uma nova diretoria, indicada pela atual gestão do Ministério da Cultura. O atual presidente da Ancine, Manoel Rangel, filiado ao PCdoB, ainda é rescaldo do governo Dilma Rousseff e deve ser substituído assim que o Senado sabatine o indicado de Michel Temer ao cargo, Sérgio Sá Leitão.
No Congresso Nacional, por outro lado, parlamentares afirmam que, no momento, “não há clima” para discussão de matérias que envolvam criação de novos impostos. “Isso vai contra o discurso do (Henrique) Meirelles (presidente do Banco Central) e do Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) de que é preciso melhorar a economia sem criar imposto”, diz o deputado federal João Arruda (PMDB-PR). “Esse é um movimento que iria contra a política de inovação do país”, afirma. Segundo Arruda, para que o tema pudesse começar a ser discutido no Congresso seria preciso primeiro demonstrar com clareza o objetivo de se criar uma nova tributação no país. “Daqui a pouco o Brasil vira o país do imposto. Não dá”, conclui o deputado.
Julgamento do Marco Civil da Internet e PL da IA colocam inovação em tecnologia em risco
Militares acusados de suposto golpe se movem no STF para tentar escapar de Moraes e da PF
Uma inelegibilidade bastante desproporcional
Quando a nostalgia vence a lacração: a volta do “pele-vermelha” à liga do futebol americano
Deixe sua opinião