No Fla-Flu ideológico das redes sociais, uma estratégia é comum para ambos os lados: a necessidade de se escorar em um “pensador” para chamar de seu. Por “pensador”, leia-se o cara que escreve os textos com as ideias que serão compartilhadas por quem não tem ideias (mas com uma sede imensa de autoafirmação). Nada contra, afinal, vamos para a escola justamente para assimilar conhecimentos estabelecidos por outros e, tudo o que passamos para a frente, sofre essa influência.
Não somos nós mesmos sem nossos amuletos intelectuais. A questão é quando se valoriza mais o “pensador” em si do que o que ele pensa de fato. Um grande exemplo disso se materializou no último fim de semana: o jantar que reuniu Leandro Karnal, historiador abraçado pela esquerda, e o juiz Sérgio Moro, ícone da direita.
Karnal foi esculachado como um lesa-pátria pelos socialistas. Fãs de Moro ficaram embasbacados. Estamos diante de dois Judas que agendaram a própria última ceia?
Sinceramente, não tenho condições de cravar que Moro é de direita. Até tenho desconfiança, mas não sei de qual direita. Se é libertário, conservador, se defende um Estado médio, mínimo ou minúsculo.
O que interessa é o trabalho histórico que ele desenvolve como juiz da Lava Jato, a voz que ele incorpora em um país em que partidos destros e sinistros se unem para defender o financiamento sujo de campanhas (seja por caixa 1 ou 2). Se Moro topasse jantar comigo, não teria dúvidas de que aceitaria qualquer horário, local e cardápio. Mesmo se eu fosse um sindicalista da CUT.
Karnal é um popstar dentro de um seleto grupo de formadores de opinião como Luiz Felipe Pondé e Mário Sérgio Cortella, mas longe do peso político de Moro. Tampouco parece disposto a carregar esse fardo. É um sujeito que ganha a vida fazendo com que as pessoas ouçam o que ele diz e, na medida em que alguns setores tentam rotulá-lo, perde alcance.
Fora esse pragmatismo, tem na essência o jeitão de quem não se negaria a ouvir os dois lados de uma discussão. Se é difícil cravar o que Moro pensa sobre ideologia, Karnal é facilmente traduzível como um moderado. O problema é que numa época de extremos, ninguém quer um moderado para chamar de seu.
“Polarização é mais fígado do que cérebro”, como escreveu Karnal para se explicar aos seguidores no Facebook. Ele aprendeu isso na carne, justamente em uma refeição com a personalidade mais cobiçada do momento. A propósito, encerrou o mesmo texto de justificativa dizendo que pagou o vinho que tomou com Moro.
Enquanto os extremistas se digladiam, os moderados ficam com a conta.
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