Depois do ‘Brexit’ e de Donald Trump, a direita nacionalista se expande na Holanda, que vai às urnas nesta quarta-feira (15). No Brasil, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) aparece como opção conservadora para a presidência em 2018. Na França, grupos identificados com ideias isolacionistas vêm ganhando força e espaço eleitoral através de Marine Le Pen, que deve ir ao segundo turno nas eleições presidenciais. Em comum, além do posicionamento político, um discurso que a oposição se nega sequer a debater, acusando-o de racista, xenófobo, sexista e homofóbico – a lista é ainda mais longa. Sem diálogo entre os dois lados, os movimentos conservadores ganham adeptos garantindo serem os verdadeiros defensores da liberdade de expressão contra o “politicamente correto”.
Em seus comícios de campanha, Donald Trump insistiu que falava apenas as verdades que os democratas e a imprensa norte-americana não queriam discutir. Defendendo uma política de controle rígido aos imigrantes (principalmente mexicanos irregulares e muçulmanos), o então candidato afirmava que os estrangeiros traziam crime e terrorismo.
“Os interesses especiais, a mídia arrogante, e os políticos, não querem que eu fale sobre o crime que está acontecendo em nosso país”, disse Trump em um discurso em setembro. “Eles querem que eu vá em frente com as mesmas políticas fracassadas que causaram tanto sofrimento desnecessário”, prosseguiu o futuro presidente, sugerindo que a imprensa e Hillary Clinton estariam tentando silenciá-lo. Dias depois, em uma entrevista à rede de televisão CBS sobre as restrições à entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, Donald Trump foi além: “nós temos que parar de ser tão politicamente corretos neste país”.
A nova vidraça
Apontar o dedo para a esquerda e a imprensa como cerceadores da liberdade de opinião tem sido uma estratégia efetiva na hora de ganhar votos, lá fora e também dentro do Brasil. Os argumentos de Trump são semelhantes aos do deputado Jair Bolsonaro, cotado para concorrer à presidência no próximo ano. “Não é a imprensa nem o Supremo que vão falar o que é limite para mim”, declarou Jair recentemente. “Tenho imunidade para quê? Sou civil e penalmente inimputável por qualquer palavra. Posso falar o que bem entender, isso é democracia”. Conhecido por defender a ditadura militar, Bolsonaro costuma amparar suas opiniões polêmicas sob a bandeira da liberdade de expressão garantida pelo sistema democrático.
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No entanto, para Thomaz Santos, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (RS), há um entendimento legal de que esta liberdade encontra limites quando se torna flagrantemente discriminatória. “A liberdade de expressão não é absoluta, mesmo em países como os Estados Unidos, em que ela é ampla, mas não plena”, diz o especialista em direito internacional. “Países como a França, por exemplo, proibiram a veiculação de discursos nazistas e negacionistas [que negam a existência do Holocausto], restringindo a liberdade de expressão em nome da proteção dos direitos humanos”, completa.
Ao mesmo tempo, muitos analistas sugerem que a ascensão do discurso conservador se deve justamente à pouca disposição para o debate demonstrada pelo outro lado. Analisando o fenômeno Trump, a escritora Moira Weigel escreveu ao The Guardian: “cada vez que Trump dizia algo ‘ultrajante’, analistas sugeriam que ele finalmente tinha ido longe demais e que a campanha estava condenada. Mas os apoiadores de Trump sempre deixavam claro que gostavam dele porque ele não tinha medo de dizer o que pensava”.
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A cruzada contra o politicamente correto não é nova: desde o início da década de 90 os americanos discutem sobre os supostos riscos de silenciar pensamentos que não se conformem àquilo que é tido como “correto”. Mas foi a ascensão de governos progressistas e de esquerda no início do século 21 que fez com que esse tipo de ideias se difundisse ainda mais, aumentando a distância entre posicionamentos opostos e provocando uma reação igualmente poderosa. No Brasil, virou motivo de piada a iniciativa do governo Lula, em 2004, de lançar uma “cartilha” que buscava explicar as origens preconceituosas de termos usados no dia e dia e substituí-los por termos considerados mais “dignos”. Ridicularizada, a cartilha foi logo deixada de lado, mas se tornou um exemplo a ser combatido – opor-se ao politicamente correto pouco a pouco ganhou status equivalente a defender a liberdade de expressão.
Isolamento
Querendo deslegitimar os discursos que combate, não estaria a esquerda deixando de discuti-los e se fechando em si mesma? No início deste mês, um protesto de estudantes do Middlebury College, em Vermont, nos Estados Unidos, deixou uma professora ferida e impediu a realização de uma mesa-redonda com Charles Murray, cientista político longe de ser um provocador, mas acusado de dar subsídio a ideias racistas em suas obras. Em fevereiro, a Universidade Stanford viu-se obrigada a cancelar um evento com Milo Yannopoulus – este, sim, polemista midiático que fez fama ao ser banido do Twitter por seu discurso radical – após a erupção de protestos violentos no campus que pediam a não realização da palestra.
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No final do ano passado, quando a UFPR e outras universidades públicas do Brasil foram ocupadas para se opor à PEC 241, que propunha teto aos gastos federais por 20 anos, estudantes contrários às ocupações diziam sofrer agressões verbais ao tentar participar das assembleias que definiam o rumo dos movimentos. Em todos os casos, o resultado apontado foi o mesmo: a radicalização que apenas busca calar o outro lado impediu qualquer chance de resolver os conflitos.
O antídoto para essa surdez mútua é mais diálogo e debate. Aberto, franco e com respeito às ideias e posições do interlocutor. “Um primeiro passo seria pararmos de ridicularizar tanto apoiadores de figuras polêmicas e nos dispormos a dialogar e ouvir sua posição, seus argumentos”, pondera Thomaz. Isso, evidentemente, não é fácil, pois em tempos de polarizações políticas exacerbadas a moderação é vista como fraqueza “Analisar todos os lados da questão é hesitação em agir, e contestar a posição de correligionários é tido como traição”, conclui.
Por enquanto, sem disposição para ouvir o contraditório e aprisionados pelos algoritmos das redes sociais, a esquerda se isola cada vez mais em sua própria bolha.