Normalmente pouco relevantes internacionalmente, as eleições holandesas desta semana foram encaradas como o primeiro teste para os populistas eurocéticos. Após um 2016 que experimentou dois acontecimentos que chacoalharam as elites políticas tradicionais - o Brexit e a vitória de Donald Trump -, esse nacionalistas passaram a ver 2017 como um ano decisivo para a vitória de seus projetos de repúdio à União Europeia e à imigração.
Os resultados da eleição holandesa que foram divulgados na quarta-feira (15/3) indicaram que os políticos eurocéticos, por ora, falharam em seu primeiro teste. A votação do populista Geert Wilders ficou abaixo do previsto e o seu primeiro lugar nas urnas não se confirmou. Ainda assim, o seu Partido para a Liberdade (PVV) aumentou o número de suas cadeiras no Parlamento de 12 para 20.
Mas o resultado holandês ainda não é suficiente para que os defensores da União Europeia respirem aliviados. A força do bloco ainda vai enfrentar dois grandes testes nos próximos meses: as eleições presidenciais francesas em 23 de abril e as legislativas alemãs, em 24 de setembro. Tudo isso no ano em que o bloco europeu celebra os seus 60 anos. Por décadas acostumada a previsíveis disputas entre conservadores e sociais-democratas, a Europa agora encara cada eleição como uma prova sobre a força dos partidos nacionalistas.
Marginalizados pelo establishment político nas últimas décadas, os nacionalistas levaram um empurrão a partir da crise de 2008-2009, que mostrou muitas das deficiências da UE. Eles também se alimentaram com o medo provocado pelo terrorismo e o crescimento da população islâmica na Europa. Ao abraçar o discurso de defesa do estado de bem-estar social, no passado um tema monopolizado pela esquerda, ganharam ainda parte do espaço deixado pelo declínio de partidos tradicionais.
Primeiro, os nacionalistas se expandiram no Parlamento Europeu - hoje, mais de 80 cadeiras das 751 são ocupadas por diferentes siglas europeias dessa tendência. Mas a primeira grande vitória “nacional” ocorreu com o Brexit, que mostrou como o populismo tinha o poder de desestabilizar todo o bloco.
França e Alemanha
Na França, palco do próximo teste, Marine Le Pen, a chefe da Frente Nacional (FN), tem 27% das intenções de voto e deve terminar em primeiro lugar no primeiro turno. Na Alemanha, o equivalente local da FN, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), deve conseguir os 5% de votos mínimos para entrar no Parlamento. Se confirmado, será um feito e tanto na história parlamentar alemã: a primeira vez desde 1949 que um partido tão à direita consegue entrar no Bundestag.
Para a Europa, uma vitória de Le Pen na França - um dos motores da unidade europeia - seria catastrófica. A candidata promete renegociar os termos da associação da França com o bloco e convocar um referendo sobre um “Frexit”.
Nos últimos anos, outros países também registraram a asensão de siglas populistas nacionalistas. Na Itália, o Movimento Cinco Estrelas de Pepe Grillo possui 91 das 630 cadeiras no Parlamento. Em dezembro, a Áustria por pouco não elegeu um chefe de Estado xenófobo e eurocético. Na Dinamarca e na Hungria, partidos nacionalistas já conseguem reunir mais de 20% do eleitorado.
Ainda assim, Le Pen e a AfD, apesar da ascensão sólida dos últimos anos, devem enfrentar dificuldades quando chegar o momento de seus testes. O cientista político Joël Gombin, que estuda a FN, afirma que o momento nunca foi tão favorável a Marine, mas sua candidatura provavelmente vai ser derrotada no segundo turno.
“As pesquisas que apontam 45% para Marine no segundo turno são frágeis, já que muitos eleitores de outros candidatos afirmam que vão se abster, mas quando a votação chegar as coisas vão ser diferentes”, afirma, apontando que o restante do espectro político deve se unir em peso para derrotá-la, tal como aconteceu com seu pai, Jean-Marie Le Pen em 2002.
Na Alemanha, mesmo os prognósticos mais otimistas para AfD apontam que o partido deve conquistar no máximo 14% dos votos, número muito distante do suficiente para governar sem uma coalizão. Pesquisam apontam que a frustração dos alemães contra o governo Merkel está sendo canalizada em apoio ao social-democrata Martin Schulz, um pró-europeu.
Normalização
Mas mesmo que não conquistem a liderança dos governos de seus países, os populistas já vão ter deixado a sua marca na política europeia. Slogans anti-imigração e críticas constantes às políticas da UE passaram por um processo de normalização e agora ocupam uma parte relevante do debate político em vários países europeus. O próprio Wilders fez a advertência depois da eleição holandesa: “o gênio não vai voltar para a lâmpada”.
Esse discurso que faz parte de um “novo normal” tem influenciado até mesmo os políticos tradicionais. Segundo o cientista político Tom van der Meer, da Universidade Amsterdã, a retórica de Wilders influenciou até mesmo o primeiro-ministro holandês, o moderado Mark Rutte. “Wilders mais uma vez empurrou Rutte e os democratas-cristãos mais um pouquinho para a direita”. Para aplacar o sentimentos anti-imigração, Rutte chegou a dizer durante a campanha que os imigrantes não “se comportassem normalmente” deveriam “ir embora”.
Mesmo a chanceler Angela Merkel abandonou sua política pró-imigração após a população ter mostrado indignação com incidentes envolvendo refugiados e a AfD ter registrado resultados expressivos em eleições regionais. Recentemente, a chanceler falou até mesmo em proibir o uso da burca na Alemanha, algo que seria impensável há alguns anos em um país que evita incluir a religião no debate político.
Ao final da campanha, Rutte também disse que as eleições holandesas representavam as “quartas-de-final” na batalha contra o populismo. Resta saber como o jogo vai se desenrolar na França e na Alemanha.