Ognon, antes “oignon”, nénufar, antes “nénuphar”, desaparecimento de acentos circunflexos: uma reforma ortográfica facultativa, criada há 26 anos mas praticamente desconhecida, gerou polêmica nesta quinta-feira na imprensa e nas redes sociais da França por ocasião da próxima revisão dos livros didáticos.
Alguns artigos que circularam na imprensa geraram a hashtag #jesuiscirconflexe (#eusoucircunflexo) e levantaram comentários lamentando “o sacrifício da língua francesa” pela Educação Nacional, ou preocupações com as possíveis confusões entre homônimos, diferenciados pelo acento circunflexo.
É o caso de “tâches”, tarefas, e “taches”, manchas. Sem o acento, as palavras seriam grafadas do mesmo jeito.
A confusão foi tanta que houve gente nas redes sociais perguntando se a pontuação de ditados ou provas seria alterada graças a tal reforma.
O ministério da Educação francês teve que colocar, com o perdão do trocadilho, os devidos pingos nos is. A ministra Najat Vallaud-Belkacem não lançou nenhuma reforma ortográfica, diferentemente do que dizia o Twitter, onde a hashtag “réformeorthographe” foi a mais usada do dia, seguida de perto por “jesuiscirconflexe”.
Foi na verdade o Conselho Superior da Língua Francesa que adotou, em 1990, as novas regras, aprovadas então pela Academia Francesa - equivalente à Academia Brasileira de Letras - cuja aplicação é facultativa.
Os novos programas escolares, que serão aplicados na volta às aulas de 2016, “fazem referência à regra em vigor assim como os programas de 2008”, afirmou o ministério.
“É a ortografia oficial da República há mais de 25 anos. O que é surpreendente é que as pessoas ainda se surpreendam”, diz Michel Lussault, presidente do Conselho Superior de Programas (CSP) escolares.
“A Academia Francesa fez um trabalho muito preciso”, estima. “Havia anomalias ortográficas ligadas a evoluções históricas um pouco estranhas, então a Academia realmente zelou para que essas modificações fossem compreensíveis. Eu diria que foi uma limpeza, ao invés de bagunça”.
- “Os mais belos erros” -”Podemos escrever ‘nénuphar’ como quisermos, mas é preciso considerar que escrevê-la com um ‘f’ não é um erro ortográfico”, explica Lussault.
Segundo a diretora-executiva da editora de livros didáticos Belin, Sylvie Marcé, “a novidade é que o assunto será tratado de maneira mais explícita” nos novos programas oficiais.
A editora vai colocar um selo nos novos livros para a pré-escola com a frase “esta edição foi escrita com a ortografia recomendada”. “Não queríamos que as pessoas achassem que os livros estão com erros”, explica.
Para o ensino fundamental, contudo, a editora Belin não prevê revisões com as “novas” regras, já que os livros de francês reproduzem muitos trechos literários que não cabem modificações.
Mas estes manuais poderão explicar, por exemplo, que para a palavra “maîtrise”, a ortografia reformada permite a escrita sem o acento circunflexo, que desaparece - segundo as novas regras - sobre as letras i e u (menos em cinco exceções que gerariam muita confusão, como “sur” e “sûr” ou “jeune” e “jeûne”). A reforma simplifica também o uso do hífen.
Os estudantes desavisados não estarão sozinhos. “Os erros de ortografia em francês são a coisa mais comum do mundo”, enfatizam Anne Boquel e Etienne Klen no livro “Os mais belos erros de francês de nossos grandes escritores”, que trazem falhas de autores emblemáticos como Balzac, Zola, Victor Hugo e Baudelaire.
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