Para quem sabe um pouquinho de matemática avançada, nada mais natural do que descrevê-la com uma palavra como “bela”. A beleza matemática, como a beleza, por exemplo, de um quarteto das obras tardias de Beethoven, surge a partir da combinação da estranheza com a inevitabilidade. Abstrações de definição simples revelam complexidades e peculiaridades ocultas. Descobre-se de repente correspondências misteriosas em estruturas que pareciam não ter qualquer relação uma com a outra. Surgem padrões assombrosos e que não deixam de ser assombrosos mesmo depois de passarem pelo rigor do raciocínio lógico.
Essas impressões estéticas são tão poderosas que o grande matemático G. H. Hardy (1877-1947) chegou a declarar que era a beleza e não a utilidade a verdadeira justificativa para a matemática. Para Hardy, a matemática é antes de tudo uma arte criativa. “Os padrões do matemático, como o do pintor ou do poeta, devem ser bonitos”, ele escreveu em seu livro de 1940, “Em Defesa de um Matemático”. “O primeiro teste é a beleza: não há lugar permanente no mundo para uma matemática feia.”
E qual é a reação adequada diante da beleza matemática? Prazer, certamente; uma sensação de maravilhamento, talvez. Thomas Jefferson, aos 76 anos, escreveu que contemplar as verdades da matemática o ajudaram a se “distrair do cansaço dos anos finais da vida”. Para Bertrand Russell – que, em sua biografia, declara, não sem algum melodrama, de que era o desejo de aprofundar seu conhecimento matemático que evitou que ele contemplasse o suicídio –, a beleza da matemática era “fria e austera, como a da escultura, de uma pureza sublime, e capaz de uma perfeição severa”. Para outros, a beleza matemática é capaz de evocar sensações distintamente mais calorosas, como em “O Banquete”, de Platão. Nesse diálogo, Sócrates conta aos presentes reunidos como ele foi iniciado pela sacerdotisa Diotima nos mistérios de Eros – o nome grego para o desejo em todas as suas formas.
Edward Frenkel. Tradução de Carlos Szlak. Casa da Palavra, 368 pp., R$ 44,90.
Uma das formas de Eros é o desejo sexual estimulado pela beleza física de uma pessoa amada em particular. Essa forma, segundo Diotima, é a mais baixa. Através do refinamento filosófico, no entanto, Eros pode ascender rumo a objetos mais e mais elevados, dos quais o penúltimo – logo abaixo do ideal platônico da beleza em si – é a beleza perfeita e atemporal descoberta pelas ciências matemáticas. Belezas desse tipo evocam em quem for capaz de compreendê-las um desejo de reprodução – não biológica, mas intelectual, gerando mais “ideias e teorias gloriosamente belas”. Para Diotima, bem como para Platão também, pressupõe-se, a resposta adequada à beleza matemática é a forma de Eros que chamamos de amor.
“Como um primeiro beijo”
Edward Frenkel, prodígio matemático russo que se tornou professor em Harvard com 21 anos e agora leciona na Berkeley, é desavergonhadamente platônico. Seu novo livro de memórias, o cativante “Amor e Matemática – O Coração da Realidade Escondida”, é permeado pelo Eros. Quando Frenkel foi atingido pela beleza da matemática, ainda menino, foi amor à primeira vista. Então, ainda na adolescência, quando fez uma nova descoberta matemática, a sensação era “como o de um primeiro beijo”. Mesmo quando suas esperanças de carreira pareciam maculadas pelo antissemitismo soviético, ele encontrou forças em sua “paixão e alegria em fazer matemática”. E ele quer que todos partilhem dessa paixão e dessa alegria.
É aí que está o desafio. A matemática é abstrata e difícil. Suas belezas parecem inacessíveis para a maioria de nós. Como observou o poeta alemão Hans Magnus Enzensberger, a matemática é “um ponto cego em nossa cultura – território estrangeiro, no qual somente a elite, os poucos iniciados, foram capazes de se entrincheirar”. Pessoas cultas em outros assuntos se confessam orgulhosamente filisteias quando o assunto é matemática. O problema, segundo Frenkel, é que elas nunca foram apresentadas às suas obras-primas. A matemática ensinada na escola, até mesmo na universidade (como, por exemplo, na introdução ao cálculo), em sua maior parte, tem já centenas ou milhares de anos e envolve muita resolução de problema via aritmética tediosa.
A matemática ensinada na escola, até mesmo na universidade (como, por exemplo, na introdução ao cálculo), em sua maior parte, tem já centenas ou milhares de anos e envolve muita resolução de problema via aritmética tediosa. O que a maioria dos matemáticos faz hoje não tem nada a ver com isso.
O que a maioria dos matemáticos faz hoje não tem nada a ver com isso. Em meados do século 19, ocorreu um tipo de revolução na matemática: a ênfase saiu do cálculo científico e passou para a livre criação de novas estruturas, novas linguagens. As provas matemáticas, apesar de toda sua lógica rigorosa, começaram a se parecer mais com narrativas, contendo enredos e subenredos, reviravoltas e desfechos. Esse é o tipo de matemática que a maioria das pessoas nunca vê. Sim, ela pode dar medo, mas as grandes obras de arte, mesmo quando difíceis, muitas vezes permitem que uma porção de sua beleza possa ser vista de relance, mesmo ao olhar destreinado. Você não precisa saber de teoria musical de ponto e contraponto para ser comovido por uma fuga de Bach.
Frenkel, para permitir ao leitor vislumbrar essa beleza da matemática avançada, pula direto para o desenvolvimento matemático mais emocionante da última metade do século: o Programa Langlands. Concebido na década de 1960 por Robert Langlands, matemático canadense do Institute for Advanced Study na Princeton (e herdeiro do antigo gabinete de Einstein lá), o Programa Langlands visa se tornar uma grande teoria unificadora da matemática. No entanto, é pouco conhecido fora da comunidade matemática. De fato, a maioria dos matemáticos profissionais desconhecia o Programa de Langlands até o final dos anos de 1990, quando ele apareceu nas manchetes após a resolução do Último Teorema de Fermat.
Desde então, seu escopo foi ampliado, além da matemática pura, para as fronteiras da física teórica. Até onde eu sei, Frenkel foi o primeiro a tentar explicar o Programa Langlands para leitores leigos – o que é para ele, “o código-fonte de toda matemática”. Seu livro é três coisas, então: uma declaração de amor platônico à matemática; uma tentativa de dar aos leitores sem formação matemática alguma ideia de seu mais magnífico drama em andamento; e um relato autobiográfico, por vezes inspirador, por vezes engraçado, de como o próprio autor veio a ser um personagem principal nesse drama.
Frenkel cresceu durante a era Brejnev numa cidade industrial chamada Kolomna, a 110 quilômetros de Moscou. “Eu odiava matemática na escola”, ele conta. “O que me empolgava era a física – sobretudo física quântica”. No começo da adolescência, ele foi um leitor ávido de livros populares de física que faziam referências a partículas instigantes como hádrons e quarks. Ele se perguntava: por que as partículas fundamentais da natureza vinham numa variedade tão desconcertante de formas? Por que se encaixavam em famílias de certos tamanhos? Só quando seus pais (que trabalhavam, os dois, com engenharia industrial) o levaram a encontrar um velho amigo deles, matemático, foi que Frenkel teve uma iluminação. O que trazia ordem e lógica aos elementos constituidores da matéria, como explicou-lhe o matemático, era algo chamado de “grupo de simetria” – um bicho que Frenkel nunca tinha visto nas aulas de matemática da escola. “Foi um momento de epifania”, ele lembra, uma visão de “um mundo inteiramente diferente”.
A matemática ensinada na escola, até mesmo na universidade (como, por exemplo, na introdução ao cálculo), em sua maior parte, tem já centenas ou milhares de anos e envolve muita resolução de problema via aritmética tediosa. O que a maioria dos matemáticos faz hoje não tem nada a ver com isso.
Para um matemático, um “grupo” é um conjunto de ações e operações que se unem em harmonia. Um tipo de grupo – o tipo que Frenkel tinha acabado de encontrar pela primeira vez – é um grupo de simetria. Imagine que você tem uma mesa quadrada no meio de uma sala. Intuitivamente, o móvel é simétrico de certos modos. Como podemos fazer com que essa declaração seja mais precisa? Bem, se você rodar a mesa a partir do centro em exatos 90º, sua aparência permaneceria a mesma. Ninguém que estivesse em outro cômodo quando a mesa foi girada notaria qualquer diferença ao voltar (presumindo que não houvesse manchas ou arranhões na superfície). O mesmo é válido se você girar a mesa em 180º, ou 270º, ou 360º – o último dos quais, já que leva a mesa a fazer um círculo completo, sendo a mesma coisa que não girá-la.
Essas ações constituem o grupo de simetria da mesa. Como há apenas quatro ações, o grupo é finito. Se a mesa fosse circular, por contraste, seu grupo de simetria seria infinito, já que qualquer rotação – seja ela de 1º, 45º ou 132,32578º ou o que for – deixaria inalterada a sua aparência. Os grupos são, portanto, um modo de se mensurar a simetria de um objeto: uma mesa circular, com seu grupo de simetria infinito, é mais simétrica do que uma mesa quadrada, cujo grupo de simetria contém apenas quatro ações.
Mas (felizmente) a coisa fica mais interessante do que isso. Grupos podem capturar simetrias que vão além do meramente geométrico – como as simetrias ocultas em equações ou numa família de partículas subatômicas. O poder real da teoria de grupo foi demonstrado pela primeira vez em 1832, numa carta que Évariste Galois, estudante e agitador político em Paris, à época com 20 anos, rabiscou com pressa numa madrugada antes de morrer em duelo (sobre a honra de uma mulher e muito possivelmente nas mãos de um agente provocador do governo).
O que Galois viu foi um modo verdadeiramente belo de estender o conceito de simetria para o reino dos números. Através de sua théorie des groupes, ele conseguiu resolver um problema clássico de álgebra que atormentava matemáticos havia séculos – e de um jeito inesperado (“Galois não resolveu o problema”, escreve Frenkel. “Ele deu um jeito no problema”). A importância da descoberta de Galois transcendia, de longe, o problema que o inspirou. Hoje, “grupos de Galois” estão por toda parte, e a ideia de grupo acabou sendo uma revelação, talvez a ideia mais versátil em toda a matemática, tendo servido para esclarecer vários mistérios profundos. “Quando em dúvida”, aconselhava o grande André Weil, “fique de olho no grupo!”. Esse é o xis da questão da matemática.
Uma vez fisgado, o jovem Frenkel ficou obcecado em aprender o máximo possível de matemática (“É isso que acontece quando você se apaixona”). Quando fez 16, era hora de se candidatar para uma vaga na universidade. A opção ideal era óbvia: a Universidade Estatal de Moscou, cujo departamento de mecânica e matemática, apelidado de Mekh-Mat, era um dos grandes centros de matemática pura no mundo. Mas era 1984, um ano antes de Gorbachev chegar ao poder, e o Partido Comunista ainda dominava todos os aspectos da vida na Rússia, incluindo as matrículas nas universidades. Frenkel tinha um pai judeu, o que, pelo visto, era suficiente para acabar com suas chances de entrar na Universidade de Moscou (a desculpa extraoficial para evitar que os judeus entrassem em áreas acadêmicas relacionadas à física era que eles poderiam desenvolver conhecimentos de física nuclear e então emigrar para Israel). Mas foi mantida uma justiça de fachada. Permitiram-lhe que fizesse o concurso – que acabou se tornando um processo de cinco horas de duração, saído direto de “Alice no País das Maravilhas” (Interrogador: “Qual é a definição de um círculo?”. Frenkel: “Um círculo é o conjunto de pontos sobre um plano equidistantes de um dado ponto”. Interrogador: “Errado! É o conjunto de todos os pontos sobre um plano equidistantes de um dado ponto”).
Biografia
O russo de 47 anos Edward Frenkel cresceu na União Soviética fazendo proezas para estudar matemática. De família judaica, era escanteado pelas universidades, mas deu um jeito de se informar– inclusive pulando muros altos e desviando guardas para se infiltrar em salas de aula. Com 21 anos, depois de fazer uma descoberta que teve repercussão no meio matemático, foi convidado para dar aulas em Harvard, nos EUA (embora ainda não fosse graduado). Hoje, é professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
O prêmio de consolação de Frenkel foi uma vaga na Universidade Estatal de Petróleo e Gás (apelidada cinicamente de Kerosinka, que significa “fogão de querosene”), à época o refúgio dos alunos judeus. Mas era tão grande a sede de Frenkel por matemática pura, que, como conta, ele precisava escalar uma grade de 6 metros de altura, cheia de guardas, em torno do Mekh-Mat só para assistir aos seminários lá. Logo, sua habilidade extraordinária foi reconhecida por uma figura importante do círculo dos matemáticos de Moscou, e o colocaram para trabalhar num problema ainda não resolvido, que lhe custou semanas e semanas de sono. “E então, de repente, me veio”, ele se lembra. “Pela primeira vez na vida, eu estava em posse de algo que ninguém mais no mundo tinha”. O problema que ele resolveu tinha a ver com ainda outra espécie de grupo abstrato, chamado de “grupos de tranças”, porque surgem a partir de sistemas de curvas entrelaçadas que parecem tranças de cabelo.
Apesar dessa e de outras inovações que Frenkel fez ainda na adolescência, suas perspectivas acadêmicas como um meio judeu eram desanimadoras. Mas seu talento chegou à atenção de matemáticos estrangeiros. Em 1989, o correio trouxe uma carta inesperada de Derek Bok, presidente de Harvard. A carta chamava Frenkel de “Doutor” (apesar de que à época ele sequer era bacharel) e o convidava para vir a Harvard como bolsista. “Eu já tinha ouvido falar da Universidade de Harvard antes”, escreve Frenkel, “mas devo admitir que ainda não tinha me dado conta à época de sua relevância no mundo acadêmico”. Aos 21 anos, ele se tornou professor convidado em Harvard, livre de qualquer obrigação formal, fora dar uma ou outra palestra ocasional sobre sua obra. E, muito para a sua surpresa também, ele recebeu um visto de saída soviético dentro de um mês, tornando-se um dos pioneiros do êxodo de matemáticos judeus na era da Perestroika.
Frenkel se acostumou sem maiores problemas ao estilo de vida dos EUA. Ele ficou maravilhado com a “abundância do capitalismo” nos corredores de um supermercado em Boston, comprou “uns jeans descolados” e um Walkman da Sony e sofreu para aprender as nuances irônicas da língua inglesa assistindo com devoção ao talk-show de David Letterman na TV todas as noites. E, o mais importante, ele conheceu outro imigrante judeu russo em Harvard, que o apresentou ao Programa Langlands.
Como com a teoria de Galois, o Programa de Langlands tinha suas origens numa carta, escrita por Robert Langlands, em 1967 (à época com 30 e poucos anos), para um de seus colegas no Institute for Advance Study, André Weil. Nessa carta, Langlands propõe a possibilidade de uma analogia profunda entre duas teorias que pareciam estar em pontos opostos do cosmo matemático: a teoria de grupos de Galois, que trata das simetrias no reino dos números, e a “análise harmônica”, que trata do modo como ondas complexas (por exemplo: o som de uma sinfonia) se constroem a partir de harmonias simples (cada instrumento individual). Certas estruturas no mundo harmônico, chamadas de formas automórficas, de algum modo “sabem” dos padrões misteriosos no mundo dos números. Portanto, seria possível utilizar os métodos de um mundo para revelar harmonias ocultas no outro – que era o que Langlands conjecturava. Se Weil achasse que as intuições nessa carta não eram convincentes, Langlands acrescenta, “tenho certeza de que você deve ter um cesto de lixo por perto”.
Mas Weil, uma figura magistral da matemática do século 20 (ele morreu em 1998 com 92 anos), era a pessoa certa. Numa carta de 1940 para sua irmã, Simone Weil, ele descrevia em termos vívidos a importância da analogia na matemática. Fazendo uma alusão ao “Bhagavad-Gita” (Weil também era estudioso do sânscrito), ele explica a Simone que, assim como a divindade hindu Vishnu tinha dez avatares diferentes, uma mesma equação matemática que parece simples à primeira vista poderia se manifestar em estruturas abstratas dramaticamente distintas. As analogias sutis entre essas estruturas eram como “casos extraconjugais”, ele escreve: “Nada dá mais prazer ao observador”. Era de uma prisão da França que Weil escrevia à irmã, tendo sido temporariamente detido por ter desertado do exército (depois de quase ser executado como espião na Finlândia).
Pontes lógicas
O Programa Langlands é um esquema de conjectura que viria a transformar essas analogias hipotéticas em pontes lógicas mais firmes, ligando diversas ilhas matemáticas separadas por um mar de ignorância. Ele também pode ser visto como a Pedra da Rosetta que permitiria às tribos matemáticas de várias ilhas – teóricos dos números, topólogos, geômetras algébricos – conversar entre si e acumular seus recursos conceituais. As conjecturas de Langlands até agora, em sua maioria, não foram provadas. Se são verdade ou não, há uma confiança quase platônica entre os matemáticos de que devem ser. Como comentou Ian Stewart, o Programa Langlands é “o tipo de matemática que só pode ser verdade por ser tão linda”. Ele tem potencial para unir a matemática avançada e inaugurar uma nova era de ouro, na qual poderemos finalmente descobrir, como coloca Frenkel, “o verdadeiro propósito da matemática”.
Como Frenkel ainda não tinha um diploma de pós-graduação, ele teve de passar por um “rebaixamento” temporário, deixando de ser professor em Harvard para voltar a ser aluno enquanto escrevia sua tese – concluída dentro de um ano apenas (em sua formatura de 1991, ele ficou muito contente de receber os parabéns pessoalmente do convidado, Eduard Shevardnadze, um dos arquitetos da Perestroika). Em sua tese, Frenkel provava um teorema que ajudou a iniciar um novo capítulo no Programa de Langlands, expandindo-o, do reino dos números para o reino geométrico de superfícies curvas, como a de uma esfera ou toro, o que implicava distorcer e até mesmo a implodir muitas das ideias matemáticas já familiares – ideias tão básicas quanto a de números cardinais.
Considere o número 3. É um número sem graça, desprovido de qualquer estrutura interna. Mas imagine que o número 3 seja substituído por um “espaço de vetor” com três dimensões – isto é, um espaço em que cada ponto representa um trio de números, com suas regras próprias para adição e multiplicação. Agora temos algo mais interessante: uma estrutura com mais simetrias do que um templo grego. “Na matemática moderna, criamos um novo mundo em que os números ganham vida como espaços de vetores”, escreve Frenkel. E outros conceitos básicos acabam ficando mais ricos também. As “funções” com as quais você talvez tenha lidado na matemática de ensino médio – como y=f(x) – se transformam em seres exóticos chamados de “feixes”.
Física quântica
O próximo lance foi estender o Programa Langlands para além das fronteiras da matemática em si. Na década de 1970, foi percebido que um de seus ingredientes principais – o “grupo duplo de Langlands” – também aparecia na física quântica. Foi uma surpresa. Seria possível que os mesmos padrões que podem ser mais ou menos observados nos mundos dos números e da geometria também teriam contrapartes na teoria que descreve as forças básicas da natureza? Frenkel se interessou pelo elo em potencial entre a física quântica e o Programa de Langlands e saiu determinado a investigá-lo – com o auxílio de uma bolsa de vários milhões de dólares que ele e alguns colegas receberam em 2004 do Departamento de Defesa, a maior bolsa já recebida até hoje para pesquisa na área de matemática pura (além de limpa, a matemática pura também é barata: tudo que seus pesquisadores precisam é giz e algum dinheiro para viajar. Ela também é aberta e transparente, já que não há invenções para serem patenteadas).
Isso o levou à colaboração com Edward Witten, visto por muitos como o maior físico matemático vivo (e, como o próprio Langlands, membro do Institute for Advanced Study em Princeton). Witten é um virtuoso da teoria das cordas, a teoria que visa unir todas as forças da natureza, incluindo a gravidade, num só pacotinho matemático bem organizado. Ele deixou Frenkel estasiado com sua “lógica inquebrantável” e seu “muito bom gosto”. Foi Witten que viu como as “membranas” postuladas pelos teóricos das cordas seriam análogas aos “feixes” inventados pelos matemáticos. Assim foi aberto um produtivo diálogo entre o Programa Langlands, que visa unificar a matemática, e a teoria das cordas, que visa unificar a física. Apesar de o otimismo pela teoria das cordas ter diminuído, dado o seu fracasso (até o momento) para oferecer uma descrição eficaz de nosso universo, a conexão de Langlands tem levado a grandes revelações sobre o funcionamento da física de partículas.
Não é a primeira vez que conceitos matemáticos estudados só por sua beleza pura viriam mais tarde a iluminar o mundo físico. “Como é possível”, Einstein perguntava, maravilhado, “que a matemática, sendo, afinal, um produto do pensamento humano independente da experiência, seja tão admiravelmente adequada aos objetos da realidade?”. A abordagem de Frenkel é muito distinta da de Einstein. Para Frenkel, as estruturas matemáticas constam entre os “objetos da realidade”: elas são tão reais quanto qualquer coisa no mundo físico ou mental. Além disso, não são o produto do pensamento humano: na verdade, elas teriam uma existência atemporal, num reino platônico só delas, à espera de seu descobrimento pelos matemáticos. A convicção de que a matemática tem uma realidade que transcende a mente humana não é incomum entre os seus praticantes, sobretudo os grandes como Frenkel e Langlands, sir Roger Penrose e Kurt Gödel. Ela deriva do modo como correspondências e padrões estranhos emergem de repente, apontando para algo oculto e misterioso. Quem foi que pôs esses padrões lá? É certo que não parecem ser obra nossa.
Milagre
O problema com essa visão platônica da matemática – uma que Frenkel, seguindo uma verve mais misteriosa, nunca reconheceu como tal – é que ela faz do conhecimento matemático um milagre. Se os objetos da matemática existirem à parte de nós, habitando um céu platônico que transcende o mundo físico do espaço e do tempo, então como é que a mente humana os contata e apreende suas propriedades e relações? Matemáticos são médiuns? O problema do platonismo, como observa o filósofo Hilary Putnam, “é que ele francamente parece ser incompatível com o simples fato de que pensamos com nossos cérebros e não com nossas almas imateriais”.
Talvez Frenkel tenha direito à sua fantasia platônica. Afinal, todos os amantes guardam ilusões românticas sobre quem amam. Em 2009, enquanto estava em Paris ocupando a Chaire d’Excellence da Fondation Sciences Mathématiques, Frenkel decidiu fazer um curta-metragem expressando sua paixão pela matemática. Inspirado pelo “Rito de Amor e Morte” de Yukio Mishima, ele o batizou de “Rites of Love and Math” [“Ritos de Amor e Matemática”, em tradução livre, fazendo um trocadilho com o título em inglês da obra de Mishima, “Rite of Love and Death”]. Nesse filme mudo alegórico em estilo de teatro Nô, Frenkel faz o papel de um matemático que cria uma fórmula para o amor. Para evitar que a fórmula caia em mãos erradas, ele a esconde do mundo tatuando-a com um bambu no corpo da mulher amada, e então decide se sacrificar para protegê-la.
Na ocasião da première de “Ritos de Amor e Matemática” em Paris, em 2010, o “Le Monde” o descreveu como “um curta estonteante”, que oferece “uma visão romântica incomum dos matemáticos”. A “fórmula do amor” usada no filme foi uma que o próprio Frenkel havia descoberto (enquanto investigava as bases matemáticas da teoria quântica de campos). É uma fórmula bela, porém temível. Seus únicos números são zero, um e o infinito. E não é assim mesmo que é o amor?
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