No comando da transmissão feita pelo canal Bis do festival Lollapalooza, realizado em São Paulo no fim de semana, Titi Müller ironizou a apresentação do DJ Borgore, conhecido pelas letras, nas palavras dela “extremamente machistas, misóginas, babacas mesmo”. “Eu gostaria de dizer que machistas não passarão neste canal, mas vai passar agora”, disse a apresentadora, depois de citar um trecho de “Act Like a Ho” que diz: “aja como uma vadia, mas antes lave a louça”.
Titi tem razão. As letras de Asaf Borger, israelense de 29 anos, são pesadas. Nas músicas em que é mais gentil, costuma usar todos os sinônimos de “vadia” para se referir às mulheres, entre outras grosserias. Ele é mais explícito do que Eminem foi em sua fase mais raivosa. Ele se vale de todos os elementos que tornaram o rap, o hip hop, o funk e, sim, o rock ‘n roll um ambiente que pode ser muito hostil para mulheres – as que ocupam o palco, as que estão na plateia e as “musas” de certas letras.
Mas quando Titi insinua que, por esse motivo, o canal não deveria exibir o show – o que acabou ocorrendo, não se sabe por que razões – ela encarna a patrulha à arte, que tira do outro a chance de decidir se aquela manifestação serve de alguma maneira às suas emoções, mesmo que seja pura repulsa. Defender o direito de um artista performar, mesmo que um conteúdo suspeito ou incômodo, é diferente de ser conivente com qualquer absurdo que ele descreva.
Personagem
Daddy, como as fãs chamam o DJ, diz que é tudo “de mentirinha” e já se defendeu da acusação de misógino em entrevista concedida ao Buzzfeed, que produziu em 2014 um longo artigo intitulado “O homem mais odiado da EDM (electronic dance music)”. “Ao contrário – eu amo as mulheres para c..... Metade do meu Twitter sou eu tirando sarro dos judeus e eu sou judeu. É uma piada. A vida é uma droga. Quando as pessoas humilham as mulheres, é estupidez, então eu tiro sarro disso”, afirmou.
O “personagem” Borgore já fez dueto com Miley Cyrus e coleciona fotos de divulgação com, digamos, derrières e decotes, já que muito raramente mostra os rostos das mulheres com quem posa.
Assim como Titi Müller explicou antes do início da apresentação, algumas mulheres defendem o artista. Caso do duo Nervo, formado pelas irmãs australianas Miriam e Olivia, que também se apresentou no Lollapalooza. Molly Hankins, uma funcionária do selo de Borger, escreveu um artigo para o canal “Thump”, da revista Vice, relatando como é ser feminista e trabalhar para um homem tão controverso. Reforçou que o machista é apenas a persona criativa do DJ e que nunca ouviu o chefe usar os xingamentos contra as mulheres “na vida real”.
Se o relato de Molly tenha sido pura obrigação corporativa e Borgore seja de fato capaz de repetir fora dos palcos coisas como “essa vadia é tão usada que eu não conseguiria vendê-la em um brechó”, trecho mais ‘suave’ de “Nympho”, é bem possível que os relacionamentos do israelense não durem. Mas, como artista, ele pode escolher incomodar com letras agressivas. E, ao público, resta ouvir, digerir e decidir que vai seguir consumindo ou não.