Serrote 18
Instituto Moreira Salles (IMS), 240 págs., R$ 42,50.
A edição mais recente da revista de ensaios publicada pelo IMS três vezes por ano traz uma seleção de textos amarrada pela ideia de que o gênero como explica a carta do editor "não extrai coisas novas a partir do vazio, mas simplesmente reordenar coisas que, em algum momento, aconteceram". Entre os colaboradores, desta vez estão escritores como Joan Acocella e Bruno Simões, o artista plástico Tunga (no ensaio visual) e o desenhista Loredano (que escreve um verbete sobre "L de linha"), na seção Alfabeto. Nos ensaios literários, John Updike analisa como a experiência não é garantia de segurança, ao menos não para um escritor. Acocella se dispõe a falar sobre a noção de bloqueio criativo e o rastreia até o século 19. Para ela, ser incapaz de colocar palavras no papel é um dos fantasmas mais recorrentes na vida literária. Simões, no texto "Curtindo a dor dos outros", avalia que as previsões de Susan Sontag sobre o dano moral do exibicionismo foram modestas diante de absurdos da vida atual, como as imagens de soldados americanos se divertindo nas sessões de tortura de prisioneiros em Abu Ghraib, no Iraque. A seção Carta Aberta, que sempre traz documentos notáveis, publica a correspondência de Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe, sobre uma aventura amorosa que acaba mal, muito mal. A caricatura de Maquiavel é feita por David Levine.
Mr. Noah
Panda Bear. Domingo Recording. US$ 4,99 (no iTunes). Disponível no Spotify. Alternativo.
Com um novo disco anunciado para janeiro de 2015, Panda Bear nome artístico do músico Noah Lennox, membro fundador do grupo experimental-eletrônico Animal Collective lançou no mês passado um EP que antecipa uma faixa do próximo trabalho. "Mr Noah", que dá nome ao disco de quatro canções disponível no iTunes e em serviços de streaming, traz algumas das marcas da música ao mesmo tempo estranha e cativante de Panda Bear, aliando uma sonoridade encharcada de efeitos e texturas a melodias encantadoras.
Enquanto a faixa-título aponta para o peso dançante de um eletro rock de batida desconstruída, "Faces In The Crowd" é um dos bons exemplos da sensibilidade do músico para criar melodias singelas em meio às suas ambientações eletrônicas tão exuberantes quanto inquietantes como as de "This Side Of Paradise", em que o uso de ruídos, dissonâncias e paisagens desconcertantes é ainda mais assertivo.
Por que ouvir? Pouco conhecidos fora do universo alternativo, Panda Bear e o Animal Collective são atores importantes na paisagem musical dos anos 2000, com um trabalho bastante conceituado nos meios especializados. O EP de Lennox dá algumas pistas do que esperar de seus próximos passos.
Ficções
Newton Sampaio, Biblioteca Paraná, 230 págs., R$ 20. Contos.
No segundo semestres de 2014, o selo Biblioteca Paraná lançou uma série de bem-vindas antologias de contos e poesia que trouxeram à luz parte considerável da literatura paranaense dos últimos 150 anos. Para coroar esse resgate, uma cuidadosa edição reúne pela primeira vez todos os contos conhecidos de Newton Sampaio (1913-1938). Os textos foram extraídos dos dois livros do autor: Irmandade (1938) e Contos do Sertão Paranaense (1939), além de textos de ficção publicados em jornais e também na revista Joaquim. Sampaio é considerado quase como um dos heróis ocultos da literatura paranaense. Durante sua curta vida (morreu aos 24 anos), produziu um material de narrativas curtas cuja linguagem, alinhada ao movimento modernista, inaugurou um novo momento de irreverência e inovação no vetusto cenário literário local dos anos 1930. Contista puro-sangue, sabia manejar muito bem as sentenças curtas e contundentes, quase sem adjetivos em que a psicologia dos personagens vai aos poucos sendo apresentada com ações. A prosa de Sampaio é ágil, objetiva, nervosa e bem humorada. Nos anos 1950, quando foi redescoberto, sua ficção foi elogiada por gente como Dalton Trevisan, que, em texto publicado na revista Joaquim, afirmou: "O maior contista do Paraná foi um moço chamado Newton Sampaio."
Lugar de Mulher
Página na internet: lugardemulher.com.br
Com textos coerentes e bem humorados, o site é uma espécie de alento em meio a um mercado que só se repete, com sites repletos de dicas de dieta, moda pouco acessível para o bolso e para o corpo e "manuais" de como conquistar e agradar os homens.De autoria de Polly, Mariana Messias e da escritora Clara Averbuck, a página é heterogênea e dividida em sessões diferentes: debate vários temas, muitos com bastante humor, e está atento a acontecimentos atuais (como a vinda de Julien Blanc ao Brasil, homem que ministra cursos pelo mundo sobre "como pegar mulheres", usando maneiras bastante agressivas, e que foi proibido de entrar no país). Outra parte do conteúdo é voltado para temas mais próximos do movimento feminista há textos sobre a campanha "Chega de Fiu Fiu", debates sobre a romantização do assédio pela televisão, entre outros. Há, ainda, dicas de moda, beleza e de marcas/produtos que as autoras consideram interessantes, escritas de forma mais real e divertida do que em publicações voltadas para o público femininos.
Muitos temas do Lugar de Mulher também servem como uma espécie de libertação para as mulheres, bombardeadas o tempo inteiro com imagens que pregam a perfeição, tanto do corpo como do comportamento.
Essa Música
Ivan Junqueira. Rocco, 96 págs., R$ 19,50. Poesia.
A corda lírica de Ivan Junqueira nunca destoou. O poeta, ensaísta, crítico literário e tradutor carioca soube como poucos escrever com o rigor de quem respeita o cânone literário, mas não abdica da singularidade emotiva. Seu último livro, Essa Música, compilação de 30 poemas escritos entre 2009 e 2013, traz sua metafísica marcante, construída palmo a palmo, como se a linguagem inteira coubesse dentro de seu sistema de questionamentos: "Qual o tempo que me resta?/ Poderei medi-lo em pétalas/ de alguma flor que fenece,/ a última de sua espécie?"
Como se anunciasse uma despedida (ou um acerto de contas), Junqueira traz elementos de suas memórias de infância e trabalha reflexões sobre o fim. Em certos momentos, a conjunção cria um cenário de desconcertos, caso de "Rua Nascimento Silva, 100, Casa 3": "[...] A casa de minha infância/ guardava incômodos segredos e conflitos:/ o ciúme das irmãs, o incesto, os jogos de azar,/ a babá devassa que se estorcia nua à nossa frente, com gotas da chuva a lhe escorrer pelas coxas, / a visita de um tio demente que fincava os olhos na lua/ e de súbito gania como um bicho nas florestas da noite."
Junqueira finalizou o livro um pouco antes de morrer, em 2014: um testamento poético de uma vida marcada pelo rigor literário.
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