Gal Costa foi feliz quando decidiu reempacotar os sambas-lamento de Lupicínio Rodrigues (1914-1974). A baiana criou versões ao mesmo tempo cruas e elegantes, naturalmente sofridas (o respeito à obra original) e precisamente mais vigorosas (toque da ótima banda que a acompanha).
Por isso o show no Teatro Positivo na última quinta-feira (24) foi como um encontro improvável de gerações, existentes ou não. Cantamos canções da era de ouro do rádio – ela confessou que ouviu Lupe pela primeira vez em alguma AM de Salvador – ao mesmo tempo em que ouvíamos Pupillo (baterista da Nação Zumbi) detonar pratos e atacar bongôs. A apresentação serviu para que uma senhora de cabelos brancos cantasse “Nunca” como uma adolescente deslumbrada; e para que novatos no quesito “fossa” se surpreendessem com as letras do gaúcho, que desviaram da breguice e trataram do amor e da desilusão com maestria. Pois ouça “Fuga”: Teu pecado foi tão grande/ Que eu não te perdoarei/ Pois ninguém tem o direito de zombar do que eu sonhei/ Para mim/ Só existe um caminho a seguir/ É fugir de ti, sim, é fugir.”
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Leia a matéria completaFoi como um soco no estômago, por exemplo, a versão de “Vingança”. A música, cuja essência é aniquiladora, ganhou ainda mais em dramaticidade. Culpa das guitarras de Guilherme Monteiro (muitos pedais) e do contrabaixo de Fábio Sá. Em uma releitura cuidadosa de “Esses Moços”, Gal encorpou a música. O refrão foi seguido de palmas espontâneas, como aconteceu algumas outras vezes durante a noite.
A banda, que tem ainda Silva (teclado e violino), é dinâmica e flexível. Houve momentos minimalistas, em que só o contrabaixo e o violino acompanhavam o vozerão da baiana – que pede um pouco de refresco nos agudos, embora tecnicamente continue impecável. “Nervos de Aço”, sucesso na voz de Paulinho da Viola, comprova. “Judiaria”, Homenagem”, “Cadeira Vazia” e “Volta” também estavam no repertório, espécie de sessão coletiva de expurgo amoroso. O show terminou com “Felicidade” – música paradoxo, de melodia alegre e letra triste.
Com o lançamento de Recanto (2011), disco com roupagem que contemporânea que chega a flertar com algo da música eletrônica, Gal Costa deu um passo ao futuro, talvez em busca da própria reinvenção. Agora, como Caetano Veloso fez com a banda Cê, Gal se utiliza do vigor de jovens e azeitados músicos para desfilar suas referências. E Lupicínio Rodrigues, mesmo com a falta de um uísque duplo logo após o show, é das melhores.
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