A amizade pessoal entre Gabriel García Márquez e o líder cubano Fidel Castro e a fidelidade e simpatia que o escritor nutria pela ilha e sua revolução transcenderam as críticas, as mudanças políticas e o simples passar do tempo, com um vínculo que se manteve por mais de cinco décadas.

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Como sua natal Colômbia ou seu adotivo México, Cuba se transformou em um dos portos da vida do romancista, onde viveu, trabalhou e podia ser encontrado em uma apresentação, dando aulas de roteiro cinematográfico ou percorrendo uma plantação de tabaco.

"Não é que eu viva em Cuba, é que viajo tanto para cá que parece que estou permanentemente", afirmou em 2007 o Nobel colombiano.

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Segundo confessou em um de seus textos jornalísticos, García Márquez nunca teve a curiosidade de conhecer Cuba antes do triunfo da revolução em 1959, quando viajou à ilha pela primeira vez como jornalista e conheceu pessoalmente Fidel Castro.

Sua relação ultrapassou a camaradagem de contemporâneos ilustres e se transformou em uma amizade à prova de balas, sobretudo por parte do escritor, a quem setores intelectuais e políticos censuraram por sua atitude pró-Castro até nos momentos iniciais do regime cubano.

"Gabo" evidenciou sua admiração e respeito por Fidel em entrevistas, artigos e semelhanças nos quais louvou seu "inteligência política", seu "instinto" e sua "curiosidade infinita", ao tempo que o acompanhava em discursos, festas e eventos.

No começo dos anos 70, a detenção do poeta e diplomata cubano Heberto Padilla, que foi obrigado a se retratar publicamente de suas críticas ao regime, criou um cisma entre muitos intelectuais e em seus vínculos com a revolução.

O chamado "caso Padilla" representou para Cuba o afastamento e a inimizade de escritores como o peruano Mario Vargas Llosa, mas García Márquez se manteve ao lado da ilha, e alguns opinam que esse foi o momento crucial em sua relação com Fidel Castro.

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O próprio Fidel apreciou o valor de sua amizade quando, em 2008, em plena convalescença, qualificou uma visita de García Márquez e sua esposa Mercedes Barcha como as "horas mais agradáveis" desde que adoeceu em 2006 e teve que delegar todos seus cargos.

Uma década antes, em 1998, o escritor colombiano o acompanhou na histórica missa que o papa João Paulo II oficiou na Praça da Revolução de Havana.

Em 1996, o líder cubano decidiu retornar, após 15 anos de ausência, à casa onde nasceu na cidade de Birán, no leste da ilha, e incluiu Gabo e sua mulher na comitiva de convidados.

Quando Cuba celebrou os 80 anos de Fidel Castro, em 2006, García Márquez viajou a Havana e inclusive acompanhou o então presidente interino, Raúl Castro, na inauguração de um mural dedicado a seu irmão no Museu Nacional de Belas Artes.

"Depois virei a seu centenário", disse o escritor naquela ocasião, quando o estado de saúde do líder cubano ainda era uma incógnita.

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Essa leal intimidade com o governo cubano o pôs no centro de polêmicas e acusações: o ex-presidente da Argentina Carlos Menem o mandou "viver em Cuba" se não gostava que criticassem seu regime; a escritora americana Susan Sonntag lamentou sua "passividade" perante a situação dos Direitos Humanos na ilha e Vargas Llosa o chamou de "cortesão de Castro".

Outros colegas, como o escritor peruano Alfredo Bryce Echenique, destacaram, por outro lado, seu papel de intermediário para "salvar" dissidentes e intelectuais em Cuba.

O jornalista e romancista cubano Norberto Fuentes, exilado nos Estados Unidos e antigo amigo e colaborador de Fidel Castro, rotulou Gabo como "milagroso" ao sair da ilha em 1994 graças a sua mediação.

Após a onda repressiva contra dissidentes em Cuba conhecida como a "Primavera Negra" de 2003 e a reação internacional que provocou, o próprio García Márquez ressaltou sua oposição total à pena de morte e disse que tinha ajudado a libertar vários presos políticos cubanos.

O certo é que, na ilha, García Márquez realizou algumas "incursões" políticas. Quando Cuba e Colômbia restabeleceram relações diplomáticas em 2004, Bogotá chegou a qualificá-lo como seu "embaixador sem título".

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Em 2005, Fidel Castro revelou que o escritor foi portador em 1997 de uma mensagem sua para o então presidente dos EUA, Bill Clinton, na qual alertava sobre atos terroristas contra Cuba.

Além disso, Gabo participou de conversas em Havana com delegados do governo colombiano e do Exército de Libertação Nacional (ELN) no marco de um diálogo para abrir um processo de paz em seu país.

Mas talvez sua "missão" mais importante em Cuba esteve relacionada com o cinema, sua grande paixão junto com a literatura e o jornalismo. Ele foi fundador na ilha do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-americano, da Escola Internacional de Cinema e Televisão (EICTV) e da Fundação do Novo Cinema Latino-americano (FNCL), que presidia.

Sua última aparição pública em Cuba foi em dezembro de 2010, quando assistiu ao 32º Festival de Cinema de Havana, onde sua presença era tradição.

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