Michael Jackson, segundo psicólogos americanos, queria parecer diferente para voltar à infância infeliz e resgatar a criança que começou a morrer quando teve de integrar o conjunto musical de seus irmãos, Jackson Five, um grupo que fez muito sucesso nos anos 1960 e 1970 cantando músicas para adultos cujas letras ele e os outros garotos dificilmente entenderiam. Essa regressão explicaria em parte sua pedofilia e as inúmeras operações plásticas a que se submeteu para ser eternamente um simulacro de Peter Pan, o garoto que se recusou a crescer e acabou sozinho, vendo todos virarem adultos em sua Terra do Nunca. Foi em sua Neverland privada, um rancho de quase 3 mil acres na Califórnia, sucedâneo da terra de Peter Pan, que Jackson teria abusado de um menino de 13 anos.
O que isso tem a ver com a permanente mutação de Michael Jackson é o que o próprio cantor começou a responder quando passou a clarear a pele, alisar os cabelos, afinar o nariz e assumir seu papel de metamorfose ambulante. Ele não precisava ter abusado de um garoto para assumir ser ele mesmo a vítima preferencial de uma sociedade infantilizada que se recusa a crescer.
Michael Jackson foi o mártir dessa causa regressiva, um ídolo conservado em câmara hiperbárica e embranquecido por força de um milagre, ou melhor, de uma overdose de hidroquinona, principal componente usado em revelações fotográficas e no clareamento de pele.
Colocar a vida em risco por conta de uma substância cancerígena apenas para ficar branco não é, evidentemente, uma decisão racional, adulta. O ideal caucasiano de beleza adotado por Michael Jackson escondia um desejo infantil de tornar explícita sua vulnerabilidade ele não poderia ser um Peter Pan negro numa sociedade de Capitães Ganchos brancos, o que explica seu monumental esforço para construir uma identidade (ainda que cosmética e precária) longe daquela consagrada na infância, a do afrodescendente nada orgulhoso de sua cor de pele e de seu cabelo duro.
Sua identidade pessoal, assim, foi construída de maneira bizarra Lembra um pouco a história às avessas de um antigo filme dirigido por Melvin van Peebles, The Watermelon Man (A Noite em que o Sol Brilhou), realizado há 40 anos, em que um vendedor de seguros branco acorda negro e passa a ser discriminado por seus vizinhos de subúrbio. Van Peebles, na época, foi pressionado pelos produtores a mudar o epílogo do filme tudo não teria passado de um "pesadelo", segundo a versão do estúdio , mas fincou pé na história original e o homem continuou negro.
Na vida real, a ficção acabou vencendo. O mundo idealizado de Michael Jackson não teria lugar para um garoto prodígio negro, explorado no show de Ed Sullivan e servindo de escada para seus irmãos. Ele teria de ser diferente de todos eles, virar branco para não perder o trem da história.
O distúrbio psicológico que transformou Michael em eterno insatisfeito com o corpo anuncia uma doença social cada vez mais comum e de difícil tratamento. Psiquiatras americanos, analisando seu caso, disseram que era inútil qualquer tentativa de colocar o ídolo no divã, em parte por causa de seu patológico narcisismo. Seria impossível para alguém com a identidade em frangalhos como Jackson submeter-se voluntariamente a sessões terapêuticas destinadas a reconstruir um ser humano demolido como ele.
Jackson morreu em pedaços, irreconhecível até para ele mesmo. Esse freak que trocou o rosto de um menino negro pela máscara de um andrógino sem cor definida sofria, segundo um analista, da nostalgia de algo desconhecido, que não teve a oportunidade de experimentar na infância.
Suas biografias dizem que o pai era um tirano, que batia nas crianças e abusava dos filhos, obrigados a seguir a rígida conduta das Testemunhas de Jeová. Com uma infância dessas, não é difícil entender as razões que levaram Jackson a revelar a Oprah Winfrey sua vontade de vomitar todas as vezes que o via.
Menos ainda que desejasse apagar os traços dessa infância indesejável e construir uma outra biografia, um outro ser, uma nova vida. Mesmo que fosse fictícia como a de Peter Pan.
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