O diretor José Celso Martinez Corrêa, um dos mais inovadores encenadores teatrais brasileiros, considera Gilberto Gil "o melhor ministro da cultura do mundo", a quem credita um grande apoio à cultura popular brasileira, responsável pela rejeição dele por parte das elites. O diretor acredita que o país passará por transformações semelhantes às da segunda metade da década de 1960 porque acha o momento atual parecido àquele. Acredita que a liberação das drogas equivaleria à abolição da escravidão no Brasil, alegando que os mais prejudicados pelo tráfico de drogas são os negros e a população carente das favelas.
Desde a década de 1960, Zé Celso está na vanguarda da cultura brasileira. Revolucionou a cena em 1967 com a montagem de "O rei da vela", de Oswald de Andrade, e de "Roda Viva", de Chico Buarque, em 1968.
Sua mais recente empreitada é a adaptação da obra de Euclides da Cunha, "Os sertões", transformada em um épico musical dividido em cinco partes, totalizando quase 30 horas de espetáculo. Veja abaixo as idéias de Zé Celso em entrevista ao Globo Online.
Como você avalia o momento dos demais artistas de sua geração, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gil?
Essa geração é maravilhosa. O que eu não adoro são aqueles que a traíram completamente. A maior parte dos políticos que está aí, tanto do PT quanto do PSDB, ousou alguma coisa na juventude. Mas foram na conversa de que o sonho acabou e viraram senhores super caretas. Sou um grande admirador de Macalé, Gil, Caetano, Gal, Betânia, Chico, Tom Zé. Tive sorte de fazer parte dessa geração. Foi a primeira geração brasileira que teve 15 anos de paz, após o fim da segunda guerra mundial. E nós também não fomos pegos logo no primeiro golpe da ditadura militar. Quem caiu no início, em 1964, foram nossos inspiradores, a Lina Bo Bardi, o Darcy Ribeiro, o Brizola, o Jango.
Então nós pudemos explodir em 1968. E o movimento em 68 no Brasil foi muito forte e antecipou movimentos no resto do mundo. Hoje as resenhas são todas colonizadas, mas em 1967 surgia no Brasil Plínio Marcos, com "Navalha na carne", Caetano e Gil, com a Tropicália, Glauber Rocha com "Terra em transe", o Teatro Oficina com "Roda viva", do Chico Buarque, muito antes dos acontecimentos culturais e sociais no hemisfério norte. O Brasil teve um movimento nos anos 60 de retorno ao paganismo, um retorno à experiência direta, ao aqui e agora, e um abandono completo do messianismo.
Acho que o mundo agora retoma um desejo de se descatequizar, de abandonar todos os "ismos". O que interessa é o comum, não o comunismo. O que interessa é o capital, não o capitalismo. O que interessa é o homosex, não o homossexualismo. A militância, a ideologia, tudo isso está em plena decadência. Ainda domina o mundo, mas está se tornando insuportável e os seres humanos começam a perceber que eles têm saber, têm instinto que não precisam ser pautados pela sociedade do espetáculo. E um dos lugares onde esse despertar acontece primeiro é nos teatros. E em especial, no teatro de São Paulo. Depois que eu vi "BR3", do Teatro da Vertigem, eu percebi isso. É uma obra de arte sem igual, à altura de Michelangelo. E há na cidade Os satyros, Os parlapatões, O oficina.
Como você avalia a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Eu avalio como uma revolução absoluta no critério da cultura. Ele estabeleceu para todas as estatais subsídios e criou um espécie de concurso, submentendo tudo à aprovação de comissões de pessoas da área. Por exemplo, o José Miguel Wisnick, um grande músico, faz parte da comissão da Petrobras. Não é ele que indica diretamente.
A política que Gilberto Gil estabeleceu, os critérios, dão grande apoio à cultura popular brasileira. Uma cultura que é profundamente ligada ao mais arcaico e ao mesmo tempo, ao que há de mais contemporâneo e futurista, com uma grande ênfase inclusive na revolução ciber. Gil estabeleceu vários pontos de cultura, em tribos indígenas, fábricas, nos mais diferentes lugares e pontos do Brasil, equipando, informatizando e ao mesmo tempo realizando uma plugação de todo o movimento cultural brasileiro, daquilo que não aparece na grande mídia, ou seja, do movimento cultural real.
E Gil estabeleceu esses critérios, tanto que ele caiu no desagrado total da corte do Rio de Janeiro. Antigamente você tinha uma política absolutamente de balcão. Os artistas tiravam fortunas para fazer peças de dois personagens que ficavam um tempo muito curto em cartaz. Não havia política nenhuma onde o Brasil é poderoso culturalmente, mas pobre em investimento cultural. Ainda mais com essa lei que beneficia só o marketing das empresas e acaba sugando o movimento cultural para sustentar essas casas de consumo de cultura dos bancos que têm uma administração de empresa.
Com o Gil começou a haver mudanças nisso. Além de tudo, Gil tem uma obra que o revela como um grande homem de cultura e ele aplicou no Ministério a própria obra musical e poética. Ele chegou a dizer que os próprios amigos estavam insatisfeitos com ele porque ele os havia traído no Ministério. Gil não está ali para defender o dele. Ele está lá para defender o que é mais importante para o povo brasileiro. E foi muito bom, porque a política dele não tem a ver com uma política muito limitada da esquerda.
Ele incentivou muito a se trabalhar com o povo e todo artista que não é idiota quer trabalhar com o povo. O que nós aprendemos aqui no Oficina trabalhando com as crianças do Bexiga, nossa, foi extraordinário. Não é um dever social e nem político. É um prazer estético. O artista que não trabalha com as pessoas, que só fica com a classe média para cima está f*, porque essa é uma classe que está totalmente dominada por uma cultura de consumo. Quem produz mesmo cultura atualmente é quem está fora da sociedade de consumo de massa. Eu acho que o Ministro Gil é o melhor ministro da Cultura do mundo e ele só está caminhando com muita dificuldade porque a máquina é lenta.