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Um imóvel pequeno em Manhattan estava na família Canterino há 15 anos quando, em 1957, o filho Mike resolveu transformá-lo em uma casa de jazz. O ambiente do Half Note era tosco, mas tinha atitude e um belo sanduíche de vitela com parmesão. O palco, feito de caixas de Coca-Cola, somava uns nove metros quadrados – metade deles preenchida pela bateria. O piano precisava de fita adesiva para não balançar e o público era de maioria negra, apesar dos proprietários italianos.

Embora menos famoso que o porão onde se instalou o Village Vanguard, também em Nova Iorque, o clube dos Canterino sempre deixava o saxofonista John Coltrane (1926 – 1967) à vontade para experimentar. Em março de 1965, algumas apresentações de seu quarteto – que terminaria em dezembro do mesmo ano – foram transmitidas por rádio, no programa noturno de Alan Grant.

Alguém no público – ou em casa – gravou as apresentações em fitas piratas que passaram a circular pelo rebanho de "Trane", enquanto as oficiais permaneceram arquivadas na casa da família por quatro décadas. No ano passado, quando a Impulse! remasterizou as gravações para lançar One Down, One Up – Live at the Half Note pela primeira vez, o mundo do jazz parou para prestar atenção. O disco chega agora ao Brasil.

Em 1991, Ravi Coltrane, saxofonista como o pai, resolveu mexer nos arquivos da família e dar outra ouvida nos sets do Half Note. Percebeu que o momento registrado ali era especial – como revela nas notas de encarte (liner notes) escritas por Ashley Kahn. Live at the Half Note é um álbum duplo gravado nos dias 26 de março e 7 de maio de 1965. As quatro músicas intercaladas pela apresentação do radialista Grant refletem a liberdade que os Canterino davam a Coltrane. Enquanto outros estabelecimentos evitavam os improvisos longos que poderiam paralisar a platéia, diminuindo o consumo de cerveja e uísque, os italianos não estavam nem aí. Coltrane, Elvin Jones (bateria), McCoy Tyner (Piano) e Jimmy Garrison (baixo) mandavam 45 minutos ininterruptos em uma única música.

Além de uma versão acachapante de "My Favorite Things", um dos temas prediletos de Coltrane – com que ampliou os limites do sax soprano –, o álbum inclui a melancólica "Song of Praise" e "Afro Blue", do percussionista cubano Mongo Santamaria (1917 – 2003). O argumento definitivo para colocar Live at the Half Note no cânone jazzístico é a faixa que dá nome ao álbum: "One Down, One Up". Tudo começa com o baixo marcante de Garrison. Com quase dois minutos, surge a bateria de Jones. Parece que ela sempre esteve ali, só não foi percebida. O público aplaude. Entra Coltrane, depois Tyner. A obra-prima de quase 30 minutos inclui um duelo entre o sax tenor e a bateria, que quebra o pedal a certa altura, mas Jones segura o ritmo no braço, literalmente. Eles são imbatíveis.

Foi em uma dessas sessões que Miles Davis apareceu para descobrir por que as pessoas estavam falando do Half Note. Com um sinal de cabeça, indicando Coltrane, Miles perguntou para Elvin Jones: "O que é aquilo que ele está tocando?". Com um sorriso largo, Jones respondeu: "Música. O filho-da-mãe está tocando música!". GGGGG

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