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Desde 1997 Sérgio Guerra mantém relação com tribos angolanas. Retratos presentes em seu último livro revelam a imersão do fotógrafo no território e na vida dos hereros | Sérgio Guerra
Desde 1997 Sérgio Guerra mantém relação com tribos angolanas. Retratos presentes em seu último livro revelam a imersão do fotógrafo no território e na vida dos hereros| Foto: Sérgio Guerra
  • Mulher da etnia herero: tradição de 3 mil anos

"Quando uma criança recebe um chocolate, ela corre em direção às outras para reparti-lo. Quando alguém consegue um prato de comida, automaticamente essa pessoa chama os outros para que comam juntos." O relato acima não é sobre integrantes de uma entidade religiosa ou filantrópica e, sim, a visão de um brasileiro sobre tribos da etnia hereros, que habitam o sudoeste da Angola.Um dos responsáveis pela comunicação do governo angolano, há 12 anos o baiano Sérgio Guerra vive na ponte-aérea Salvador-Luanda. Aos poucos, foi compreendendo melhor o país em que trabalha para, então, registrar os costumes e a cultura de diversos povos representados por cerca de 240 mil pessoas. O resultado – desde 1999 foram mais de 10 mil cliques em diversas idas ao país africano – é o livro Hereros-Angola, que sai no Brasil em edição bilíngue pela editora Maianga. É o quinto livro do fotógrafo sobre Angola.

"Quando os vi pela primeira vez, foi como se uma porta da minha percepção tivesse sido aberta para algo que sabia existir, mas hesitava em acreditar", diz o fotógrafo. Guerra comenta que o maior impacto – bem mais do que o choque cultural – foi a generosidade encontrada nestes povos.

"Esse tipo de comportamento foi o que mais me impressionou. É totalmente fora da sociedade selvagem e egoísta em que vivemos hoje", compara o também publicitário e produtor cultural.

O histórico de resistência marcada quase sempre à sangue – os hereros não se submeteram à escravidão portuguesa e se opuseram à tentativa de dominação alem㠖, são retratados por imagens que impressionam os mais desavisados. Os traços culturais principais remetem a tradições de mais de três mil anos. Por isso, em uma página colorida de 30 cm x 30 cm, é possível ver imagens de práticas tribais, como a circuncisão infantil e o hábito de se extrair os quatro dentes incisivos permanentes. "Tentei olhar as coisas sob uma outra lógica: a lógica da cultura do outro", diz o baiano.

Guerra comenta que o segredo para entrar em contato verdadeiro com sua "pauta" foi facilitado graças à maneira com que adentrou no espaço alheio.

"A imersão depende muito da forma como você chega ao local. Eu tive muita conversa, tentei contatar todos e explicar o meu trabalho. Acho que eles se abriram 100% para mim, pois tive a oportunidade de documentar vários ritos e celebrações", diz. Em sua última e decisiva estada, Guerra passou 60 dias ininterruptos de 2009 em meio às tribos, cercado de tradutores com "português arcaico", já que cada região preserva seu dialeto.

No livro há várias imagens – também impressionantes – de bois, vivos, mortos ou sendo abatidos. O gado e a terra são dois dos principais traços tradicionais da cultura herero, que também é encontrada em povos da Namíbia e de Botsuana.

Como explica Guerra, a luta dos hereros é pela "terra sem cerca". "Eles querem é se deslocar e controlar sua criação. Embora a terra pertença ao estado, eles prezam muito pelo seu território", diz Guerra. As fotos que abrem a obra, aéreas, são de grandes aldeias demarcadas por intervenções naturais na mata.

A principal dificuldade en­­contrada pelo baiano e sua equipe – além da logística precária – foi a falta d’água. Na época das secas, era necessário buscar "algo potável" no rio mais próximo.

Houve semanas, lembra o fotógrafo, em que só havia um litro de água para cada um. "Ba­­nho? Era só uma lavadinha rápida no corpo. Não tem como, não", diz.

O trabalho em campo serviu também para o registro inédito: 18 cantigas foram gravadas ao vivo e sem qualquer intervenção posterior. Um documentário sobre o tema também deve estrear em 2011.

Serviço:

Hereros – Angola, de Sérgio Guerra. Maianga, 260 págs., R$ 190.

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