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O coronel inglês Percy Harrison Fawcett: em ritmo de aventura | Divulgação/Companhia das Letras
O coronel inglês Percy Harrison Fawcett: em ritmo de aventura| Foto: Divulgação/Companhia das Letras

Não foram poucos os exploradores que pereceram na busca por uma esplendorosa civilização desaparecida no meio da selva amazônica, mortos pela fome, por doenças tropicais ou índios hostis. O mais célebre provavelmente foi o coronel inglês Percy Harrison Fawcett, que empreendeu quase uma dezena de expedições pela Amazônia até desaparecer em algum lugar entre Mato Grosso e Pará, em 1925, aos 57 anos.

Seu sumiço, alardeado mundo afora, provocou outra enxurrada de buscas: houve mais expedições para resgatá-lo, ou ao menos descobrir o que ocorreu com ele, do que propriamente para encontrar a tal cidade perdida. Pelas décadas seguintes, a saga do excêntrico coronel inspirou poemas, romances, exposições, peças teatrais, documentários e histórias em quadrinhos.

Suas aventuras também deram origem a dois livros de não-ficção que, mais de 80 anos depois do desaparecimento do inglês, estão no centro de uma polêmica criada pelo jornalista brasileiro Hermes Leal. Autor de O Verdadeiro Indiana Jones: O Enigma do Coronel Fawcett (Geração Editorial), publicado pela primeira vez em 1996, Leal quer processar o norte-americano David Grann, repórter da revista The New Yorker que escreveu Z, a Cidade Perdida– livro que, de acordo com o subtítulo da edição brasileira, lançada recentemente pela Companhia das Letras, narra a "obsessão mortal do coronel Fawcett em busca do Eldorado brasileiro".

Controvérsia

No início do ano, quando Z saiu nos Estados Unidos (e teve seus direitos de filmagem comprados por Brad Pitt), Leal disse suspeitar que sua obra tivesse sido plagiada, hipótese que afastou em seguida. Agora, tenta provar que Grann teria "sugado" seu trabalho sem, necessariamente, cometer plágio. O argumento é que, embora não tenha copiado trechos de O Verdadeiro Indiana Jones, o norte-americano supostamente só conseguiu escrever sua obra por ter se apoiado na pesquisa de Leal. O brasileiro, aliás, foi um dos entrevistados para a matéria que Grann publicou sobre o assunto na New Yorker em 2005, e sua garimpagem é citada nos agradecimentos e na bibliografia de Z.

Leal tem repetido que, para escrever seu livro, se enfurnou em bibliotecas e museus, localizou cartas e diários do coronel e, ao tentar refazer seus passos, chegou a ser sequestrado por tribos da região do Rio Xingu. Grann, que também se embrenhou na Ama­­zônia, alega ter se baseado em sua própria pesquisa, e acrescenta ter obtido anotações que estavam com a neta de Fawcett e diários até então inéditos de colegas dele.

Cabotinismos de ambos os lados à parte, o que mais chama atenção é a tentativa de Hermes Leal de se declarar proprietário de uma história que, naturalmente, não tem dono. Em mercados editoriais mais desenvolvidos que o brasileiro, demandas desse tipo raramente vão longe. Nos Estados Unidos e na Europa, é comum que uma mesma personalidade seja objeto de dezenas de biografias, que, inevitavelmente, têm fontes em comum – e, exceto em casos de comprovada desonestidade, o que importa não é quem saiu na frente, e sim a qualidade do produto que chega às livrarias.

Leitura comparada

Se realmente partiram do mesmo ponto, os trabalhos de Leal e Grann resultaram em livros bem distintos. O verdadeiro Indiana Jones se concentra em relatar as expedições de Fawcett, em geral respeitando a ordem cronológica dos fatos. Traz mais detalhes sobre as primeiras explorações – nas quais, por encomenda, o coronel fez a demarcação das fronteiras da Bolívia – e revela a intenção de Fawcett de comprar minas de prata na Bahia, aspecto ignorado por David Grann.

Leal ainda relata com afinco as desavenças entre o explorador inglês e o marechal Cândido Rondon, bem como os questionáveis financiamentos que Fawcett conseguiu arrancar dos governantes da época. E, obviamente, é do brasileiro a descrição mais vívida sobre o sequestro que sua expedição sofreu no Xingu.

Mas, nesse ponto, o autor perde a compostura (e o livro, o rumo) com uma exaustiva cruzada contra os hábitos dos atuais índios da região. Em outros trechos, Leal também tropeça em frases dispensáveis – a certa altura, diz que Fawcett conheceu uma "morena mestiça, de fazer qualquer homem perder a cabeça", uma brasileira que (em 1907!) "parecia ter saltado da tela de um filme de aventura".

Por seu turno, o texto de Z, a Cidade Perdida é menos apressado e mais elegante. Sem trancos, Grann intercala as histórias de Fawcett na selva com as expedições de aventureiros rivais, esmiuçando as origens do mito do Eldorado amazônico e a guerra de egos na Real Socie­dade Geográfica de Londres, berço de grandes exploradores dos séculos 19 e 20. O norte-americano descreve com mais paciência o relacionamento do coronel com sua família e companheiros de expedições, e vai mais fundo na análise da fase decadente de Fawcett – período em que o militar se afastou da Amazônia para lutar na Primeira Guerra Mundial e teve de encarar o descrédito e a pobreza causados por várias missões fracassadas.

É fato que, além de chegar com 13 anos de atraso, o livro do norte-americano vai pouco além de O Verdadeiro Indiana Jones nas (in)conclusões sobre o destino de Fawcett. Mas Z, a Cidade Perdida é um retrato mais nítido – e bem emoldurado – das obsessões do coronel e da sedução que o "inferno verde" exerceu sobre ele e seus pares. O protagonista que emerge de Z é mais humano e convincente. E dá ao leitor os instrumentos para concluir se o coronel era mesmo "uma dessas figuras maiores que a vida", como descreveu um antropólogo entrevistado por Grann. Ou se, nas palavras do marechal Rondon, Fawcett não passava de "uma combinação de embusteiro e louco, um megalomaníaco alucinado atrás de ouro ou apenas de se promover na Europa".

Frente às acusações de Leal, Grann tem ao menos mais um trunfo. O brasileiro cita, na bibliografia de sua obra, os 35 livros e inúmeros jornais e revistas que pesquisou, mas não indica com clareza de onde tirou uma série de informações relevantes. Quando fala do interesse de Fawcett por minas na Bahia, por exemplo, limita-se a atribuir suas descobertas a "cartas somente conhecidas agora". Mais transparente, o norte-americano remete todos os seus apontamentos a um índice de notas com quase 30 páginas – e nele explica exatamente de onde extraiu, entre mais de 250 livros e documentos consultados, cada um dos fatos de sua narrativa.

Serviço

O Verdadeiro Indiana Jones, de Hermes Leal. Geração Editorial, 288 páginas, R$ 34. GG1/2

Z, a Cidade Perdida, de David Grann. Companhia das Letras, 408 páginas, R$ 49. GGG1/2

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