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Vista da cidade de Berlim, onde o historiador João Klug estudava ao ser procurado por um dos contatos da Companhia das Letras: conversa com museólogo determinou o rumo das investigações | Thomas Wolf (www.foto-tw.de)/Creative Commons
Vista da cidade de Berlim, onde o historiador João Klug estudava ao ser procurado por um dos contatos da Companhia das Letras: conversa com museólogo determinou o rumo das investigações| Foto: Thomas Wolf (www.foto-tw.de)/Creative Commons

Chico Buarque tinha 22 anos quando soube que tinha um irmão nascido e criado em Berlim.

Contam que, na ocasião, ele estava reunido com Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Tom Jobim, quando o poeta pernambucano deixou escapar algo sobre o "filho alemão de seu pai".

Quase 50 anos depois, a descoberta virou inspiração para o novo livro do artista, O Irmão Alemão – lançado em novembro pela Companhia das Letras –, no qual ficção e realidade se misturam para contar a busca pelo parente desconhecido.

Mas, não fosse uma breve hesitação, a busca pelo paradeiro do irmão alemão de Chico Buarque teria assumido um rumo diferente, ou, quem sabe, rumo nenhum.

O fato é que um dos responsáveis pela localização de Sergio Günther (1930-1981), o historiador e professor catarinense João Klug, pensou em recusar o pedido feito a ele para que ajudasse a encontrar o filho mais velho de Sérgio Buarque de Holanda.

Klug estava em Berlim, em meio ao segundo curso de pós-doutorado, quando recebeu o convite. A demanda veio do historiador brasileiro Sidney Chalhoub, que, também na Alemanha, foi acionado pela Companhia das Letras para auxiliar nas buscas.

"O Sidney me perguntou se eu estava disposto a pesquisar a respeito, argumentando falta de tempo e de domínio da língua alemã para tal pesquisa. No primeiro momento, eu não me interessei pelo assunto, afinal, estava lá para o meu pós-doc e precisava dar conta de meu projeto", contou o professor, que faz parte do corpo docente do curso de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Antes da recusa oficial, uma conversa com um amigo alemão de longa data, o museólogo Dieter Lange, foi o ponto de virada.

Em menos de duas semanas, a parceria com Lange levantou informações precisas e relevantes que permitiram avançar na pesquisa sobre o meio-irmão de Chico Buarque, do qual a família brasileira não tinha notícia desde 1938, véspera da Segunda Guerra Mundial.

"Imaginava-se que esta criança tivesse sucumbido nos bombardeios sobre Berlim, assim como milhares de outras crianças", contou o historiador João Klug.

Ciente dos avanços nas diligências pela busca do irmão, Chico Buarque viajou a Berlim para acompanhar in loco os desdobramentos da pesquisa. E não demorou muito para que os trabalhos realizados por Klug e o museólogo Lange chegassem à descoberta de que Sergio Günther tinha sido um dos nomes mais atuantes da República Democrática Alemã, área ocupada pelos soviéticos após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

"Sergio Günther foi ‘o cara’ na antiga DDR, ocupando um espaço privilegiado na tevê estatal, como apresentador, ator e cantor. Essa carreira meteórica teve início quando aos 16 anos ingressou no exército da DDR, não para pegar em armas, mas no coral do exército e aí se destacou. Parece que a habilidade artística estava no DNA", comentou o professor catarinense.

Mesmo após a descoberta, Klug segue investigando, porém em ritmo mais lento, os vestígios da vida do irmão alemão de Chico Buarque.

Entrevista

"Ao perceber que estava na pista certa, eu me empolguei"

Em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo, o historiador João Klug contou um pouco mais sobre a experiência que teve como um dos responsáveis pela descoberta de Sergio Günther, nascido em Berlim no dia 21 de dezembro de 1930 e morto em 1981, em decorrência de um câncer.

O destino do irmão alemão de Chico Buarque foi desvendado porque o senhor, o também historiador Sidney Chalhoub e o museólogo Dieter Lange mergulharam em pesquisas. Como foi e quando começou esse trabalho até chegar ao paradeiro de Sergio Günther?

Em 2013, o colega historiador Sidney Chalhoub, da Unicamp, encontrava-se em Berlim, para um período de pesquisa. No fim de abril de 2013, o Sidney me ligou para conversarmos sobre alguns documentos, dos quais eu não tinha noção do conteúdo. Na conversa o Sidney me mostrou alguns documentos relativos ao grande historiador Sérgio Buarque de Holanda, o qual esteve dois anos em Berlim e, neste período, teve um filho na cidade. Pois bem, o Chico estava escrevendo um romance e gostaria de saber algo sobre esse irmão, mas não se dispunha de qualquer pista além daqueles poucos documentos do pai, os quais tratavam a respeito da tentativa de repatriar a criança para o Brasil. Entrementes, os nazistas assumiram o poder na Alemanha e exigiam um atestado de arianismo do pai para dar prosseguimento ao processo de repatriamento. Como isso não foi possível, as pistas dele terminaram ali. Aí começa minha participação.

Como essa responsabilidade, de buscar o paradeiro do meio-irmão de Chico Buarque, chegou até o senhor?

Concretamente, a "responsabilidade" me foi passada por meu amigo Sidney Chalhoub e, ao perceber que estava na pista certa, acabei me empolgando com a ideia. Afinal, sempre fui um admirador da obra historiográfica de Sérgio Buarque de Holanda e, de repente, me vi envolvido com algo muito interessante, e de interesse do Chico, do qual também fui e sou admirador. Nosso contato em Berlim foi muito amistoso e agradável. As buscas começaram no final de abril de 2013 e a pesquisa se estendeu com bastante intensidade ao longo de um mês, portanto, até o final de maio do mesmo ano. Num ritmo mais lento, a pesquisa continua e tenho mantido contato constante com o Dieter Lange em função dos desdobramentos.

Depois da descoberta, houve o primeiro contato com a família de Günther para se certificar ainda mais dos fatos. Como foi o encontro?

O contato com a família alemã do Chico (cunhada, sobrinha e sobrinha-neta) foi algo muito especial. Após localizá-las, não falamos absolutamente nada sobre quem era o Chico e seu significado no Brasil. Optei por essa forma para que tudo fosse o mais natural possível. E foi.

No final de maio de 2013, marcamos o encontro, o qual aconteceu numa das salas do saguão do centenário Hotel Adlon. Para mim foi muito gratificante participar daquele momento, estar junto traduzindo (traduzir emoções é algo diferente). Em resumo, somente uma tarde não foi suficiente, portanto foi marcado uma segunda rodada, na qual se conversou muito, as alemãs trouxeram fotografias, etc. De sorte que foi reatado o elo familiar que estava perdido durante décadas e o Chico estava ali, diante da sobrinha, da cunhada e da sobrinha -neta. O irmão alemão era real.

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