Mudança de lei se arrasta na Câmara
Conhecido como PL das Biografias, o Projeto de Lei 393/2011, do deputado federal Newton Lima (PT-SP), propõe uma mudança no artigo 20 do Código Civil, para que biografias não precisem de autorização quando seus personagens tiverem "notoriedade pública". O projeto já havia sido aprovado, em caráter terminativo, em duas comissões da Câmara dos Deputados, a de Constituição e Justiça e a Educação e Cultura.
Estava pronto para ser votado no Senado e, então, seguir para sanção presidencial. Mas um recurso do deputado federal Marcos Rogério (PDT-RO) fez o projeto voltar à Câmara. Segundo Newton Lima, isso significa o enterro do PL já que o prazo de aprovação termina no fim de 2014, e agora ele tem de voltar para a fila de votação. A Associação Nacional de Editores de Livros também entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, pedindo que os artigos 20 e 21 do Código, que versam sobre o tema, sejam declarados inconstitucionais.
O Brasil tem uma coleção de histórias de vida não contadas ou versões delas. Como o Código Civil proíbe a publicação de biografias não autorizadas, os próprios pesquisadores e editores se autocensuram, temendo processo. Nessa situação está a controversa biografia da bilionária socialite Lily Safra, impedida há duas semanas de ser vendida on-line. Guimarães Rosa também teve uma biografia recolhida em 2008. Liberada pela Justiça na semana passada, ela dificilmente voltará a catálogo, pelos custos de relançamento.
Outros dois na lista de "imbiografáveis" são Lupicínio Rodrigues e Mário de Andrade cuja família diz que não vai autorizar duas biografias que estão sendo escritas. Obras sobre Roberto Carlos e Raul Seixas também já foram proibidas. E, para piorar, o projeto de lei para liberar as obras biográficas está emperrado na Câmara dos Deputados e corre o risco de caducar antes de ser aprovado.
Digital
Gilded Lily A Biography of Lily Safra, One of the Worlds Wealthiest Widows, da jornalista canadense Isabel Vincent, foi proibida pela juíza Carla Tria, da 7.ª Vara Cível de Curitiba. Mesmo sem nunca ter sido publicado no Brasil, o formato digital do livro teve de ser retirado das lojas da Amazon e da Kobo pela editora norte-americana Harper Collins, que não quis comentar o caso. Na obra, Isabel afirma haver falhas na investigação policial sobre a morte de dois maridos de Lily Safra.
"Nos ofereceram esse livro, mas não podíamos publicar. A Lily Safra tem muito mais dinheiro do que nós, jamais poderíamos enfrentá-la em um processo", diz um editor brasileiro, que não quis se identificar.
Segundo a jornalista, o inquérito não levou em conta o fato de os seguranças do segundo marido de Lily, o banqueiro Edmond Safra, terem sido dispensados no dia em que ele foi morto em um incêndio criminoso, em 1999. Isabel também sustenta que o primeiro marido de Lily Alfredo Monteverde, dono da rede Ponto Frio, que teria se suicidado em 1969 estava se divorciando dela quando morreu e que o irmão da socialite, Artigas Watkins, esteve na mansão do casal no dia da morte. Esses fatos, diz a autora, também não estão no inquérito.
Filho de Artigas e autor de processo contra a editora, Leonardo Watkins garante que o pai nunca conviveu com Monteverde, e vê o livro como um atentado à honra da família. Os assessores de Lily dizem que a obra é "ficção mascarada de biografia", baseada em "especulações e falsidades".
Uma semana após a proibição da biografia de Lily, Sinfonia de Minas Gerais A Literatura e a Vida de Guimarães Rosa, de Alaor Barbosa, foi liberada pelo juiz Maurício Magnus, da 24.ª Vara Cível do Rio de Janeiro. O livro fora recolhido após acusação de plagiar Relembramentos João Guimarães Rosa, Meu Pai, escrito por Vilma, filha do autor.
Uma perícia concluiu que só 8% da biografia eram citação da obra de Vilma. Por isso, a Nova Fronteira, que publica as obras de Rosa, não vai recorrer da decisão. Advogado de Barbosa, Daniel Campello Queiroz, afirma que citações até foram retiradas, mas a editora é pequena e não deve pagar os custos de um novo lançamento.
Pesquisadores acusam Vilma e sua irmã, Agnes, de não gostarem que se fale da relação entre o escritor e Araci, sua segunda mulher, impedindo novas publicações.
Vilma diz que não dificulta publicações, mas deixa as decisões para seus advogados, já que "muita gente quer ganhar dinheiro às custas de Guimarães Rosa".
Tabus
Além de questões íntimas dos herdeiros, também há biografias que esbarram em tabus. É o caso de Mário de Andrade, até hoje sem uma obra de fôlego sobre sua vida. Os pesquisadores tinham medo de investigar a suposta homossexualidade do escritor, além dos relatos de que ele abusava de drogas e álcool.
Quase 70 anos após a morte do escritor, o jornalista Jason Tércio e o pesquisador Eduardo Jardim trabalham em biografias sobre ele. Os dois dizem não haver provas de sua homossexualidade e não temem processos, já que não pretendem tratar o assunto de forma sensacionalista.
Imagem
Outro problema dos biógrafos ocorre quando eles ameaçam a imagem que a família tenta construir. Pesquisadores dizem que os herdeiros de Lupicínio Rodrigues tentam ocultar sua paixão pela boêmia e pelas mulheres, cantada em seus versos.
Marcia Ramos, pesquisadora da Universidade Estadual de Santa Catarina, tentou publicar sua tese de doutorado sobre o compositor, mas não conseguiu. "Todas as vezes que conversei com o filho de Lupicínio, ele tentou me passar uma imagem laudatória do pai. Mas isso não exclui o Lupicínio boêmio. É impossível não falar de sua relação com a boêmia. Acho que, depois que ele se casou, sua esposa teve de aceitar as amantes. Há um pensamento meio conservador por trás desses impedimentos. A vida interessa para entender a obra."
Herdeiro do compositor, o advogado Lupicínio Rodrigues Filho diz que atende a um pedido do pai. "Ele me pediu para analisar tudo o que escrevessem."
Com o passar do tempo, dificulta-se ainda o acesso a fontes primárias das biografias. A maior parte dos amigos próximos de Guimarães Rosa, Mário de Andrade e Lupicínio Rodrigues, por exemplo, já morreu.
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