Público fica próximo dos personagens
Rodolfo Stancki
Quando Charlie Sheen deixou o seriado Two and a Half Men no início do ano passado, os fãs se revoltaram. A controversa demissão do ator, que brigou com o produtor do programa, Chuck Lorre, deixava milhões de pessoas carentes do personagem que semanalmente aparecia nas televisões com piadas machistas e humor autodepreciativo.
"Achei ruim quando Charlie morreu, era a melhor coisa da série", diz o estudante curitibano Caio Monczak, de 19 anos. O jovem que cresceu assistindo ao programa fala dos personagens como se fossem amigos. "Jake é um cara meio bobo, mas temos coisas em comum", comenta sobre o sobrinho de Sheen na atração televisiva.
A relação do estudante curitibano com Two and a Half Men não é exceção. Uma das fórmulas que garante o sucesso de um seriado é a proximidade construída ao longo do tempo com o público. Em casos como Friends, Sopranos, Arquivo X e Lost, os fãs passam anos ao lado dos personagens, que amadurecem a cada episódio.
A extensão temporal das ficções seriadas, que permite que o público conheça diferentes aspectos do caráter dos protagonistas, é uma das vantagens do formato sobre o cinema. Nos filmes, cuja duração média é de 1h40, não é possível identificar aspectos complexos de heróis como Jack Bauer, no seriado 24 Horas.
Interpretado por Kiefer Sutherland, o personagem passa episódios inteiros lidando com conflitos éticos e morais (que geralmente culminam com uma grande cena de ação). Não raro, ele as ultrapassa, executando inimigos com frieza e com apoio dos espectadores.
"O grande lance dos seriados é que eles constroem uma proximidade capítulo a capítulo. As motivações e questionamentos dos protagonistas são acompanhadas pelo público, que trata essas figuras com intimidade", comenta Luiz Gustavo Vilela, crítico de cinema do portal Pop.
Fanático por seriados, o jornalista afirma que essas relações são construídas por bons roteiros, assinados por profissionais que migraram de Hollywood nos últimos dez anos. "A televisão é o meio em que você quer estar hoje, nos EUA, se você é um roteirista", disse David Shore, criador do seriado House, em entrevista à Folha de S. Paulo há alguns anos.
Com boas narrativas e um espaço maior para o desenvolvimento dos protagonistas, os espectadores se envolvem com as tramas por anos. A ponto de sentir com peso e raiva a morte de personagens que consideravam próximas, como é o caso de Charlie Sheen em Two and a Half Men.
Gancho
Fórmulas usadas na tevê são antigas na literatura
Rodolfo Stancki
A estratégia de narrativas prolongadas não é novidade para o público. A fórmula existe desde a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg há cinco séculos. A ficção seriada era lida em cortes e tabernas francesas durante o iluminismo. As séries televisivas apenas herdaram o formato.
Dennison de Oliveira, historiador da Universidade Federal do Paraná, explica que as narrativas estendidas ao longo de capítulos usam a expectativa para garantir a continuidade do público. "Era o que acontecia nos jornais do fim do século 19. As pessoas esperavam ansiosas pelo próximo texto", diz.
Para aumentar a expectativa, os autores dessas histórias utilizavam um gancho no final de cada capítulo. A estratégia, que colocava os protagonistas em momentos de tensão, é chamada pelos roteiristas de cliffhanger.
O artifício foi transmitido para as radionovelas e para as séries cinematográficas. Quando a televisão começou a transmitir seriados, o gancho passou a garantir uma audiência sedenta por saber o desenrolar da história que, entre uma temporada e outra, leva meses para ser exibida.
Não é novidade que Hollywood infantilizou-se ao longo das últimas décadas. Como boa parte do público que frequenta os cinemas nos Estados Unidos é jovem, e busca entretenimento de consumo rápido, temáticas adultas, tramas complexas, que reflitam o estado de coisas no mundo contemporâneo, são artigos raros nas dezenas de milhares de multiplexes do país. Filmes adultos acabam ficando restritas ao limitado circuito de salas de exibição voltadas à produção autoral, presente em grandes centros urbanos e cidades universitárias.
Em busca desse público mais maduro, e acima de tudo exigente, que procura no audiovisual um espaço para a discussão de assuntos sérios, mais densos, a televisão norte-americana vem ao longo dos últimos anos oferecendo séries, minisséries e telefilmes que dificilmente seriam realizados pelos grandes estúdios. E, mesmo que fossem feitos, encontrariam espaço de exibição e público limitado, salvo raras exceções.
Não faltam exemplos de produções televisivas que levam aos lares não apenas de norte-americanos, mas de todo o mundo, histórias sofisticadas, cheias de nuances psicológicas e discussões tanto de cunho social como político, que conseguem ao mesmo tempo provocar e por que não entreter.
Grande vencedora do prêmio Emmy deste ano, Homeland, que já havia levado o Globo de Ouro, é exibida nos Estados Unidos pelo canal Showtime e está conseguindo fazer o público norte-americano parar para pensar de uma forma bem menos maniqueísta sobre as transformações ocorridas no país depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001.
Criada pelos mesmos autores do sucesso 24 Horas, Homeland conta a história da agente da CIA Carrie Mathison (Claire Danes, vencedora do Emmy e do Globo de Ouro), que tem absoluta certeza de que o fuzileiro naval Nicholas Brody (Damien Lewis, Emmy de melhor ator), que passou oito anos como prisioneiro da Al Qaeda, converteu-se em terrorista, ainda que o soldado seja recebido como herói e lançado como candidato ao Congresso, como deputado federal. Detalhe: ao mesmo tempo em que Carrie parece ser a única a desconfiar de Brody, ela também se apaixona por ele, que enfrenta problemas conjugais com a mulher, Jessica, vivia pela brasileira Morena Baccarin.
Defendendo a tese de que o terrorismo contra os Estados Unidos é, sim, consequência da muitas vezes equivocada política externa norte-americana, Homeland deixa claro que o inimigo não é necessariamente o "outro" muçulmano e oriundo do Oriente Médio ou do Afeganistão e do Paquistão. O perigo pode morar ao lado, fomentado, inclusive, pela forma como os EUA conduzem seus interesses internacionais.
Ao vencer o Emmy, Homeland quebrou a hegemonia de outra grande série: Mad Men, que havia vencido o prêmio de melhor produção dramática por quatro anos consecutivos. Criada por Matthew Wiener, que foi roteirista da premiada A Família Soprano, já teve cinco temporadas e retrata o mundo da publicidade na Nova York dos anos 1960, uma década de profundas transformações, como a revolução sexual, os movimentos feminista e gay, a luta pelo direitos civis e a contracultura.
O caráter de certa forma subversivo da série tem na figura do protagonista, o publicitário Donald Draper (John Hemm) a sua síntese. Sobrevivente da Guerra da Coreia, ele troca de identidade com um colega de batalhão, morto em combate, e, assim, deixa para trás um passado triste de abusos sofridos desde a infância.
Como o ambicioso Don Draper, ele vive o sonho norte-americano: casa-se com uma jovem linda e loira, Betty (January Jones), moldada na beleza clássica e distante de Grace Kelly, constitui família e, aos poucos, alcançar grande sucesso profissional. Mas seu passado aos poucos o alcança e, tendo as mudanças quo o país vivencia como pano de fundo, Don sofre as consequências de seu segredo, mas não exatamente sendo punido, ou redimido, como aconteceria em uma produção hollywoodiana convencional.
Como se vê, a televisão tem se apropriado de temas bastante complexo, como a luta contra o câncer (The Big C, com Laura Linney), o submundo do tráfico de drogas (Breaking Bad, com Bryan Cranston e Alan Paul) e os bastidores da notícia (The Newsroom, estrelado por Jeff Daniel e Emily Mortimer), sempre com excelente dramaturgia e elenco de primeira, muitas vezes de atores consagrados no cinema.
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