Syd Field: poucos nomes significam tanto nos bastidores de Hollywood. Conhecido como o maior "expert" em roteiros do mundo, ele é o criador do modelo de scripts mais utilizado pela indústria de cinema americana.
De passagem pelo Brasil em função do Festival do Rio, em que deu uma palestra, o "guru dos roteiros", como é chamado lá fora, falou ao G1 sobre o segredo de seu trabalho e criticou as seqüências de filmes e adaptações de HQs, que invadiram as bilheterias nos últimos anos. "Hollywood está em crise de criatividade", diz.
A estrutura em três atos e o "plot point" (ponto de virada) são ambos invenções de Field, técnicas presentes em dez entre dez roteiros de Hollywood. Seu best-seller "Manual de roteiro" virou uma bíblia em escolas de cinema e TV do mundo inteiro. Mas sua influência não pára por aí. Field é o consultor de scripts mais bem pago dos EUA, capaz, dizem, de tornar qualquer idéia um sucesso de público. E foi assim com clássicos como "O exterminador do futuro", "Thelma e Louise", "O silêncio dos inocentes" e muitos outros. Leia a entrevista:
G1 - Qual é o segredo do sucesso de um filme?Syd Field - Para um filme ser bom ele deve ter um personagem interessante vivendo uma situação com que todo mundo possa se identificar e curtir sua trajetória na trama. Já um filme de sucesso apenas tem que tocar um assunto em que muita gente tenha interesse ou trazer algo de novo, algo que as pessoas nunca tenham visto antes. Assim, as pessoas vão ao cinema para ter certeza de que aquilo é verdade. Um bom exemplo é "Titanic". Todo mundo queria conferir o filme para ver como era uma produção de US$ 200 milhões. O roteiro era um pouco melodramático demais, mas isso não importava, porque o longa virou assunto de conversa nas ruas, logo todo mundo queria vê-lo. Então eles fizeram muito dinheiro.
G1 - Hoje em dia, os cinemas são tomados por seqüências de filmes: "Homem-aranha 3", "Harry Potter 5" etc. Isso é um indício de falta de criatividade?Field - Hollywood está em crise de criatividade, com certeza. De cada 300 ou 400 filmes feitos a cada ano, apenas cinco são realmente bons. Hollywood hoje é administrada pela cobiça e o medo: eles só querem fazer filmes que vão render milhões e, ao mesmo tempo, não se importam se o filme é bom ou não. Portanto, eles sacrificam a qualidade em função dos lucros. A pior coisa de Hollywood é a forma como eles operam. Hoje, por exemplo, eles falam: precisamos de um filme para o verão de 2008. Então eles mudam tudo e fazem as coisas de qualquer maneira para lançar o filme na data prevista, com todo o marketing. E é isso aí. Eles não se importam com a história, só querem que o dinheiro volte para seus bolsos. Está cada vez mais difícil, ninguém sabe o que eles querem e ninguém sabe o que eles planejam. O que sabemos é que é um momento de mudança na cultura cinematográfica, mas ninguém sabe ainda para onde vamos.
G1 - Mas qual é a sua opinião sobre as seqüências e franquias?Field - Se você fizer uma seqüência como se fosse um filme original, com os mesmos cuidados, repetindo apenas os personagens, não há nada de mal. A série "Bourne" é um bom exemplo disso. São ótimos filmes, porque eles têm uma coerência entre si no que diz respeito aos personagens e à ação, mas o roteirista teve de recriar uma história a cada vez.
G1 - Hoje nós também vemos muitas adaptações de HQs que fazem muito sucesso. Porque esse tipo de filme dá certo?Field - Eles querem dinheiro, só apostam quando têm certeza de quem vão ganhar. Portanto, eles buscam assuntos que todo mundo já conheça e saiba o que esperar. Assim, os cinemas ficam cheios nas duas primeiras semanas, eles têm lucro e depois não importa mais o que aconteça. Os produtores e as distribuidoras só querem que o dinheiro volte para o bolso deles. É simples assim.
G1 - Mas por que esses personagens atraem tanto o público?Field - Porque é fácil de fazer e fácil de entender. Eles não querem se arriscar com um roteiros originais, querem personagens que a platéia já conheça e esteja acostumada. Então eles buscam isso na infância da platéia, com esses super-heróis. E acontece essa infantilização do público que vemos hoje.
G1 - Você conhece ou gosta de cinema brasileiro?Field - Eu não conheço muito, infelizmente. Faz dez anos que estive aqui no Brasil pela última vez, e as coisas mudaram muito. Mas adoro "Cidade de Deus" e "Central do Brasil", que são maravilhosos. Também conheci um filme que achei uma delícia, chamado "Saneamento básico". É uma comédia ótima.
G1 - Que conselho você daria aos cineastas brasileiros, para tornar o cinema brasileiro mais forte?Field - Eu diria que eles têm de ser verdadeiros com eles mesmos, com sua própria cultura e seus problemas sociais. É muito importante encontrar um assunto com que todo mundo possa se identificar, que transforme problemas locais em questões universais. Mas o mais importante de tudo é que o cinema brasileiro conquiste seu próprio público, os próprios brasileiros, antes de querer fazer sucesso fora e ganhar o Oscar. Isso não vai levar a nada se os brasileiros não forem ao cinema ver filmes brasileiros.
Quais são seus planos agora?Field - Atualmente eu faço muitas coisas. Sou professor numa universidade nos EUA, escrevo, sou consultor de estúdios e viajo dando palestras. E agora estou com um novo projeto. Estou desenvolvendo um software para crianças entre cinco e 11 anos que ensina a criar roteiros, a escrever histórias de uma forma visual. Estou preocupado com o futuro do cinema.