O Homem-Aranha é latino, mulato e baixinho; o Capitão América é negro, Thor é uma deusa e não mais um deus, e o Homem-de-Ferro é na verdade uma menina negra de 15 anos. São mudanças que desagradaram leitores mais conservadores, avessos a mudanças em personagens tão icônicos. Outros viram uma tentativa de impor uma agenda de diversidade e multiculturalismo no mundo dos quadrinhos. Não há motivos para ninguém ficar decepcionado. A Marvel sempre foi assim.
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Vamos lembrar dos heróis mais populares da atualidade, Homem-Aranha e Homem de Ferro. O primeiro fez sua estreia nos quadrinhos no longínquo ano de 1962, revolucionando tudo. “Peter Parker era um adolescente nerd e cheio de angústias que lutava para fazer o bem. Um garoto melancólico e rejeitado que vira super-herói? Não havia precedente”, conta Sean Howe em seu livro “Marvel Comics: A História Secreta”.
Homem de Ferro? “Um armamentista com problemas cardíacos que constrói uma armadura de metal para enfrentar comunistas.” Em comum, entre os heróis da Marvel, todos com “pés de barro, marcados pela solidão e pela dúvida sobre o que faziam. Mesmo os mais confiantes carregavam o fardo de saber que não se encaixavam neste mundo.”
Ou seja, o que para muitos é uma novidade, trata-se na verdade de um resgate da história da principal editora de comics do planeta, a Marvel, que agora ganha corpo e atinge também a concorrência, em especial a DC Comics.
A Marvel nunca fugiu dos temas quentes de sua época. A luta dos X-Men contra a discriminação fazia paralelos ao movimento negro. Seus heróis, gente como o advogado cego Demolidor. A proposta da Marvel sempre foi ser mais humana que a DC Comics, sua eterna concorrente. Se pensarmos que o Capitão América original, Steve Rogers, era um raquítico judeu criado apenas pela mãe, enquanto que o Superman é um alienígena superpoderoso e a Mulher Maravilha uma amazona criada em um local parecido com o Olimpo, logo se vê a grande diferença para a DC: os heróis Marvel conviviam com problemas reais, os da DC eram semideuses. Não por acaso, as histórias da Marvel já nos anos 60 romperam a barreira de meros produtos destinados a crianças. Faziam sucesso com a elite dos campi universitários e entre os hippies.
Novos desafios
No século XXI, não seria de esperar uma postura diferente da Marvel. E uma nova revolução teve início, agora pelas mãos de Sana Amanat, paquistanesa que se tornou editora da Marvel.
“Eu me perguntava, existe alguma audiência que estamos ignorando? É muito mais sobre o fato de que gibis são para todos, e a Marvel quer lembrar isso a todo mundo”, contou ao site americano Vox. “A indústria não era inclusiva. Não era confortável para uma mulher ir a uma loja de quadrinhos ou a uma convenção. ”
Claro que o aspecto comercial pesa nas decisões de abordagem de texto. Não só a tentativa de falar com mulheres, negros e outras minorias ignoradas em um meio outrora branco, mas também a ideia de mundo num todo. Algo além do universo de heróis concentrado nos EUA.
A nova Miss Marvel, por exemplo, é muçulmana, oriunda do Paquistão – inspirada em Amanat. Um contraponto com a antiga Miss Marvel, a loiraça Carol Denvers, agora ocupando o interestelar título de Capitã Marvel, protagonista da Guerra Civil II, série em curso nos Estados Unidos. Não é só isso: Mancha Solar, ou Roberto da Costa, é um brasileiro que foi estudar nos EUA e agora integra os Vingadores, sendo um dos responsáveis pelo novo Status Quo do Universo Marvel pós-Guerras Secretas, que sairá no Brasil em sua terceira versão dentro de alguns meses. Nada tão novo: o russo Colossus, a africana Tempestade, o alemão Noturno: todos mutantes que desafiavam o preconceito nos X-Men.
E a velha guarda?
Se o que parece nova tendência é na verdade um resgate histórico, os personagens que viram muito de seu público envelhecer seguem compartilhando os roteiros. Peter Parker, o Aranha original, passou por um divórcio forçado e é um industrial bem-sucedido, na casa dos 30-35 anos. Deixou a missão de falar com o público teen nas mãos de Miles Morales, o latino. Sam Wilson divide o manto do Capitão América com o branco Steve Rogers: ambos ocupam o cargo. Wilson é conhecido dos fãs dos filmes dos Vingadores como Falcão. Tony Stark, o Homem-de-Ferro, vai dividir a armadura com Riri Williams, negra como Wilson, de apenas 15 anos. Stark, milionário e caucasiano, deve sair de cena por um bom tempo – mas essa é uma aventura que só os quadrinhos irão contar.
Reação de fãs deu aval
O histórico da Marvel pode não ser novidade, porém mesmo a DC Comics não teve como conter o avanço das minorias nos quadrinhos. Depois de emplacar o negro John Stewart no lugar do branco Hal Jordan como o Lanterna Verde oficial da Terra - especialmente na animação para a TV - chegou a hora de expandir territórios. Uma latina e um árabe são os novos Lanternas em destaque na editora, na série “Renascimento”. Outrora relegados apenas a personagens secundário - os sidekicks, como Supergirl ou Columba - mulheres também ganham títulos próprios.
Rafaela Melaré Rosa tem 24 anos, é psicopedagoga e coordenadora de uma das comunidades mais influentes no meio nerd no Facebook, a “Cabrito Nerd”. Leitora de HQs desde a infância, Rafaela enxerga como apenas mais um passo na briga pela igualdade social. “As coisas melhoraram muito, mas ainda me incomodava muito a sexualização”, conta, citando a Capitã Marvel e a Mulher-Hulk como principais bandeiras dos direitos das mulheres nos quadrinhos. Como política de convívio na comunidade, nada de referências sexistas. Se o tema é abordado em algum meio nerd, pode cair em discussão, mas sem que isso disfarce ódio social/classista/sexual, conta: “Nós permitimos a discussão, mas tomamos cuidado para que não exista discurso de ódio mascarado de ‘é a minha opinião.”
A Marvel se tornou especialista em mexer nesse vespeiro. Nas novas histórias de Thor, agora mulher e sucesso de vendas nos EUA, Odin, o Pai Supremo, é desafiado a todo o momento ao não conseguir devolver o martelo Mijolnir ao Thor homem, Odinson. Em “Os Supremos”, de Mark Millar, o Homem-Formiga espanca a esposa Vespa após uma discussão de casal. Acaba apanhando do Capitão América em um dos momentos mais marcantes dos quadrinhos. “Os Supremos foi pensado como uma demonstração de como os Vingadores poderiam ser hollywoodianos”, relatou Howe em seu livro.
Quadrinhos então deixaram de ser objeto de consumo exclusivo de meninos ou com protagonistas exclusivamente brancos, agora nas principais editoras. “Quando a comunidade apoiou a Capitã Marvel, falaram alto que não apenas a Capitã, mas os fãs de quadrinhos eram um grupo de jovens meninos e meninas levantando as bandeiras da Capitã. Eles nos fizeram pensar que isso era um tópico que merecia ser levado além”, contou Amanat, da Marvel, também ao site Vox.
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