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A transposição para o cinema das histórias do livro O Mez da Grippe, do escritor e cineasta Valêncio Xavier (1933-2008), não é tarefa das mais fáceis. É preciso criar uma linguagem imagética muito própria e que se aproxime dos jogos visuais propostos na literatura do criador da Cinemateca de Curitiba.

Este foi o desafio dos cineastas Beto Carminatti e Pedro Merege ao escrever e dirigir o longa-metragem Mystérios, que entremeia cinco "mistérios" do livro. "A idéia de filmar a obra de Valêncio já era por si só muito diferente. Por isso, tínhamos que fazer algo bem diverso, fugir do padrão comum", explica Merege.

O filme paranaense foi exibido anteontem para o público do Cine PE Festival Audiovisual de Recife, abrindo a primeira noite da mostra competitiva. Antes, passou pelo 3º Festival do Paraná de Cinema Brasileiro, onde recebeu o prêmio de melhor direção, e pela Mostra de São Paulo, em outubro passado; e pelo Festival de Tiradentes, em janeiro.

Após a exibição, poucos aplausos – o que os diretores já esperavam devido às escolhas de linguagem do filme. "O filme começa pelo cinema mais básico, pela narrativa convencional, e vai ficando mais sofisticado", diz Merege. A primeira história, sobre o desaparecimento de uma menina em um trem-fantasma é uma clara referência à crônica policial. Os contos seguintes, no entanto, vão ficando mais herméticos, costurados por um personagem-narrador soturno, chamado XV, espécie de alter ego de Valêncio protagonizado pelo ator Carlos Vereza.

Nas primeiras cenas do filme, ele vaga insone pelas calçadas escuras de Curitiba, vítima da "falta de ar, de urina solta, dos gases intestinais, das dores reumáticas, das tosses noturnas, da bronquite, do remorso, do medo".

Mais do que inspirado na obra de Valêncio, o filme faz referências à sua trajetória profissional. Há uma frase de XV que Carminatti considera significativa: "‘Minha casa hoje me recebeu de um jeito estranho’. É uma referência à chegada do Alzheimer", diz o diretor, referindo-se à doença do escritor, que morreu "sem reconhecer sua própria obra".

O conto em que latas de um filme incompleto são encontradas dentro de um galinheiro, com trechos de cenas eróticas feitas em 1922, é o mais diretamente biográfico – Valêncio era um apaixonado por filmes antigos eróticos. Com dificuldades para encontrar estes filmes no Brasil – "o que encontramos precisava ser restaurado", explica Merege –, a solução foi buscar trechos de produções estrangeiras pesquisadas pelo montador do filme, o cineasta Fernando Severo.

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A repórter viajou a convite do Cine PE.

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