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 | Rubens Nemitz Jr/Divulgação
| Foto: Rubens Nemitz Jr/Divulgação

Ninguém precisa dizer o quão genial um texto de Nelson Rodrigues pode ser. Em especial O Casamento, seu último romance, o primeiro a ser publicado de uma vez só. Nele, Rodrigues vai construindo a partir de uma situação corriqueira – o casamento da filha preferida de um magnata – um turbilhão de bizarrices e casos insólitos que tomam o lugar da realidade sorrateiramente, até que o leitor não tenha mais nada a sua frente a não ser estupros, incestos, traições, torturas e por aí vai. Tudo a partir da acusação que o futuro genro de Dr. Sabino é um homossexual enrustido.

A adaptação para os palcos do romance feita pelo grupo Os Fodidos Privilegiados manteve esses elementos, mas não soube valorizá-los. O humor negro do texto, que se revela nas tiradas cotidianas do autor ("Todos somos leprosos, mas não admitimos nossa lepra!" ou "O ginecologista devia ser casto e andar de batina branca"), diluiu-se no humor fácil dos atores, que abusaram dos palavrões, dos trejeitos caricatos e da performance clownesca – traços peculiares do grupo.

Para ajudar a dar o ar de "casa da mãe Joana" ao espetáculo, uma trilha sonora tanto heterogênea quanto descabida fazia os atores deslocarem-se do personagem e pularem freneticamente de um lado para o outro, fazendo as coreografias que também sempre integram as apresentações dos Fodidos Privilegiados. É certo que a intenção foi transformar um texto mais do que pesado em uma comédia. Talvez a única saída encontrada para esse desafio foi o uso desses recursos.

O cenário minimalista, composto mais por cadeiras, barbantes esticados ao fundo e a luz que alternava entre o azul e o vermelho para marcar o tempo dos acontecimentos – uma clara homenagem à revolucionária peça Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, que experimentou esse uso para luz pela primeira vez – dispunha em seu centro a grande rosa símbolo da companhia, demarcando assim sua apropriação do texto do jornalista e dramaturgo. Mais do que o desejo de embutir à marca ao romance de Rodrigues, os Fodidos Privilegiados pretenderam tornar O Casamento um texto mais palatável ao tipo de humor que a companhia pretende.

O resultado disso, infelizmente, é uma diminuição da potência de Nelson Rodrigues. Os fãs do escritor que foram levados a assistir a peça pela curiosidade podem não ter se surpreendido positivamente. Durante o intervalo, muitos aproveitaram para ir embora.

A nudez e o erotismo, obviamente, não ficaram de fora. Mais uma vez, o exagero falou mais alto: o homossexual do romance, assistente do ginecologista Dr. Camarinha, foi transformado em uma espécie de Drag Queen escandalosa que ocasionalmente passava ao fundo do palco fazendo alguma gracinha na esperança de arrancar mais risadas fáceis da plateia.

As desnecessárias imagens de um padre urinando com um gigantesco pênis de borracha e homens nus vestidos de anjo espalhando pétalas de flores na cena final do casamento causaram risos constrangidos do público e em nada mais contribuíram para a montagem. Ao final do espetáculo, mesmo os palavrões desferidos pelos atores não empolgavam mais.

Os Fodidos Privilegiados têm a seu favor o talento de uma trupe incrível de atores e a direção primorosa de João Fonseca, mas peca no exagero da adaptação e na vontade despropositada em fazer humor raso. Assim como em Comédia Russa, em cartaz no Festival de Curitiba do ano passado, a reação da plateia foi dividida: alguns aplaudiram de pé e outros tantos saíram resmungando impropérios à peça.

Serviço:

O Casamento. Teatro Guaíra (Pça. Santos Andrade, s/nº), (41) 3304-7900. Hoje, às 21 horas. R$ 50 e R$ 28 (meia-entrada mais taxa). Classificação indicativa: 16 anos.

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