‘I Am Setsuna’: faz o jogador se importar com aquilo que o sacrifício significa| Foto: Tokyo RPG Factory/Divulgação

Às vezes eu fico meio mal humorado quando começo um jogo novo. Tento manter a cabeça aberta na hora de resenhar coisas que não fazem parte dos meus interesses de sempre, mas alguns jogos realmente não mexem tanto comigo que nem outros.

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Em todo caso, porém, sinto que sou parte do público-alvo de “I Am Setsuna” – um RPG japonês que é pura nostalgia. No site dos criadores do jogo há um aviso que afirma com todas as letras o fato de que a Tokyo RPG Factory, subsidiária da Square Enix, foi criada com o propósito declarado de fazer referência à era dos 16 bits quando jogos como “Chrono Trigger” dominavam: “Os ‘bons e velhos tempos’ estão voltando. Para todos os fãs de RPGs do mundo... Este jogo é para vocês”.

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“I Am Setsuna” parece um jogo do Super NES criado com a tecnologia gráfica de hoje. Eu disse meio brincando para um amigo que ele foi feito para quem está tentando recriar as sensações de como era jogar quando eram mais novas, bem como pais que querem dividir um aspecto do seu hobby com os filhos.

Quando comecei o jogo, me senti quase sufocado pelo modo como tudo é tão pequenininho. As cidades são pequenas, e os habitantes aderem às suas designações genéricas, como, por exemplo, Velhinha Gentil, Mercador Viajante etc. Os monstros são extravagantes, e a trilha sonora, que pega pesado no uso do piano, é mais emotiva do que atmosférica. Tudo parece calculado para comover o jogador.

Síndrome de Estocolmo

Estou aberto à possibilidade de eu ter contraído algum tipo de Síndrome de Estocolmo ao longo dos últimos cinco dias que passei jogando. Porém, o que começou como uma historinha bem direta de um bando variado de heróis empenhados em salvar o mundo acabou evoluindo e se tornando um veículo para propor dilemas éticos como os limites do altruísmo. Como resultado, fui ficando mais e mais interessado conforme progredia.

O jogador assume o papel de um mercenário durão que foi contratado por um grupo misterioso para assassinar, por motivos desconhecidos, uma menina de 18 anos, Setsuna. Mas, como você logo descobre, Setsuna já vive sob a sombra da morte. Ao participar de um ritual local, ela se voluntariou para agir como uma oferenda – um sacrifício humano para uma força mística. Segundo consta, essa é a única maneira de fazer com que os monstros que vêm atormentando a região sejam temporariamente apaziguados.

Depende de você, então, ajudar Setsuna em sua peregrinação até as Last Lands – o ponto mais remoto e sinistro do mapa. “I Am Setsuna” tem uma curva de aprendizado bastante tranquila. Durante várias horas, eu consegui manter a minha equipe viva com uma combinação de magias de cura e poções. Mas, quando encontrei o Stout Sheep – um chefão – e perdi depois de uma luta que parecia ter durado uns 20 minutos, fui obrigado a aprender a lidar com os pormenores dos subsistemas do jogo.

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Carneiros e magos

Como bem sabe qualquer um que já tenha jogado um RPG japonês, há normalmente uma certo número de menus que você precisa dominar. E você sabe que viciou no RPG quando navegar por esses menus se torna uma atividade que lhe entretém. O mesmo pode ser dito aqui. O jogo oferece, essencialmente, algumas camadas diferentes de habilidades e aptidões. É crucial que você aprenda a fazer uso dos benefícios passivos – como uma habilidade que aumenta suas chances de se esquivar de um golpe inimigo ou um talismã que reduz o período necessário de espera entre poder utilizar suas habilidades especiais.

Depois que descobri os vários modos pelos quais eu podia incrementar os atributos dos membros da minha equipe, o carneiro que me deu tanta dor de cabeça foi facilmente vencido. Um conselho de amigo: são os magos os personagens que mais causam dano.

Setsunai

Usuke Kumagai, o diretor das versões em inglês e para PC do jogo, disse o seguinte num texto para o playstation.blog, “O conceito que buscamos expressar através da história do jogo é setsunai, uma emoção que só tem nome em japonês” (apesar de não ter um equivalente direto em nosso idioma, eu ouvi falarem que a palavra carrega conotações de algo doloroso, cruel, de partir o coração).

Por isso, não foi nenhuma surpresa para mim quando, ao ver os créditos, eu senti que tudo havia sido orquestrado para terminar de forma dramática. Mas, no fim, foi tudo um sucesso. O fardo que pesa sobre o enredo é o de encontrar um modo, após dizer logo de cara que se trata de uma história de sacrifício, de usar os clichês do gênero a ponto de fazer o jogador se importar com aquilo que o sacrifício significa.

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“I Am Setsuna” é o completo oposto de uma história subversiva. Ele é sincero e convencional, mas também atento ao vasto escopo da perfídia e da falibilidade humanas. Quando o jogo começa a propor questões éticas sobre liderança ou quando você esbarra numa área secreta, trabalhada num estilo de glitch art, onde os programadores deixaram suas assinaturas (por exemplo, você pode escutar a história de como o compositor da trilha sonora chorou enquanto compunha), é difícil resistir e não se comover com as batidas do coração humano que ecoam sob a superfície de pixels.