• Carregando...
Criança chinesa  brinca com  um iPhone 7: mercado chinês é cobiçado pelas gigantes da tecnologia. | JOHANNES EISELE/AFP
Criança chinesa brinca com um iPhone 7: mercado chinês é cobiçado pelas gigantes da tecnologia.| Foto: JOHANNES EISELE/AFP

No último dia 23 de dezembro, a Apple retirou de sua loja digital na China os aplicativos de notícias do New York Times, um dos mais importantes jornais do mundo. Justificando ter feito a remoção a pedido das autoridades chinesas, a gigante de tecnologia alegou que os aplicativos do NYT já não podiam exibir conteúdo à maioria dos usuários na China há algum tempo. “Fomos informados que o aplicativo está violando leis locais. Quando a situação mudar, a App Store oferecerá mais uma vez o aplicativo do New York Times para download na China”, afirmou Fred Sainz, porta-voz da Apple. Foram removidos os aplicativos de notícias em chinês e inglês da App Store chinesa.

A Apple não deu mais informações sobre quais leis os aplicativos estariam violando, quem contatou a empresa ou quando a determinação judicial ou outro documento legal foram apresentados.

A data da remoção coincide com o dia em que um repórter do NYT, David Barboza, contatou a Apple a respeito de uma reportagem que estava apurando sobre os bilhões em vantagens e subsídios que o governo chinês oferecia à Foxconn, principal parceira da Apple na China. Naquele mesmo dia, a Apple informou ao jornal que retiraria os aplicativos do NYT de suas lojas digitais.

De joelhos para os comunistas

Esta não é a primeira situação em que uma gigante americana de tecnologia se dobra às regulações do governo chinês em nome do bom relacionamento com dirigentes do Partido Comunista. Em novembro passado, o próprio New York Times publicou uma reportagem mostrando que o Facebook estava desenvolvendo um software que suprime posts na timeline de usuários de áreas geográficas específicas. Segundo funcionários e ex-funcionários da companhia, o software permitiria a um terceiro – neste caso, provavelmente uma empresa parceira chinesa – que monitorasse notícias e posts populares na rede social e decidisse o que deveria ou não aparecer na timeline das pessoas no Facebook.

O presidente chinês, Xi JinpingEdgard Garrido/Reuters

A notícia casa com um esforço de relações públicas do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, em se aproximar das autoridades chinesas (Zuckerberg estuda mandarim há alguns anos, já foi visto mais de uma vez em companhia do presidente chinês, Xi Jinping, e foi fotografado com o livro de Xi, The Governance of China, em sua mesa de trabalho).

Os esforços de Zuckerberg, no entanto, ainda não surtiram efeito prático. O Facebook, assim como uma série de outras organizações de imprensa internacionais, permanece bloqueado na China. O país asiático, que vem incrementando cada vez mais suas ações para construir uma imagem internacional positiva – como no recente lançamento da plataforma internacional China Global Television Network, braço da TV estatal Central China Television –, tem aumentado a restrição ao acesso à internet que não seja autorizado pelo estado. O “Grande Firewall da China” controla o conteúdo de blogs e redes sociais e mantém o “big brother” estatal de olho na imprensa estrangeira. Não à toa, a China está listada como o 176º país, numa lista de 180 países, no ranking de liberdade de expressão da ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

Controle político e social

A restrição à liberdade de expressão é uma das principais ferramentas de regimes ditatoriais para manter controle político e social sobre a população. No mesmo ranking da RSF, o “Top 10” das nações mais hostis à liberdade de imprensa envolve, além da China, países como Eritreia, Coreia do Norte, Síria, Vietnã, Laos e Cuba. Este último, mal cotado devido ao monopólio da família Castro sobre a mídia e à completa intolerância à reportagem independente.

Em um artigo sobre comunismo e ética computacional, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, argumentam que o dissenso não é incompatível com o quadro teórico do comunismo. “A ideia de perfeita igualdade no comunismo indica um direito de liberdade expressão e de imprensa. Como cada indivíduo é igualmente importante, cada um deve ter um ponto de vista igualmente válido. Marx defendeu o direito à liberdade de imprensa argumentando, em 1842, que restrições como a censura foram instituídas pela elite burguesa. Ele afirmava que censura é uma ferramenta dos poderosos para oprimir os mais fracos”. Obviamente, o que Marx e os pesquisadores da Universidade de Stanford afirmam só pode ser levado a sério nos livros. Todos os países comunistas, sem exceção, implantaram ditaduras nas quais a primeira vítima foi a liberdade, inclusive a de expressão.

Por isso, no mesmo artigo, entretanto, os pesquisadores apontam que o governo chinês moderno não tem qualquer interesse em sustentar a liberdade de expressão e de imprensa, baseado no pressuposto de que as decisões devem ser tomadas com base “no que é melhor para a sociedade comunista no momento”, e não no direito individual.

Jogo duplo

Às empresas americanas resta fazer um jogo duplo. Enquanto, nos Estados Unidos, pregam a defesa máxima da privacidade do consumidor (basta lembrar de que, no início de 2016, a Apple se recusou a destravar um iPhone a pedido de autoridades federais que investigavam um crime mesmo com uma ordem judicial expedida), na China, a empresa “cumpre todas as leis locais”, nas palavras de seu CEO, Tim Cook.

As razões para esta obediência, no entanto, são menos de valores do que de sucesso comercial. O caminho seguido pela Apple foi trilhado, pouco antes, pelo LinkedIn, que apostou num modelo de plena cooperação com o governo chinês para conseguir operar no país. O resultado: a rede social de carreiras e negócios conseguiu ingressar no país, mas lá censura conteúdo e limita a formação de grupos. As restrições obrigaram a companhia a lançar na China uma outra plataforma, mais “divertida”, para atrair audiência.

Não parece uma boa ideia e não é. Enquanto lutam contra seus próprios princípios (um dos valores do Facebook: “fazer o mundo mais aberto e conectado”) e conseguem relativo sucesso para ingressar no mercado chinês, as empresas americanas de tecnologia estão ficando para trás na concorrência com as chinesas, que dominam amplamente as restrições do Partido e têm bem menos dificuldade no trato com seus líderes.

Scott Kennedy, que dirige um projeto em negócios chineses no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, afirmou em uma reportagem do Washington Post que muitas gigantes da tecnologia já lucraram bastante na China, mas que agora está ficando cada mais difícil: “Este é um mercado que constrói ou destrói empresas”.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]