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Donald Trump está prestes a se tornar presidente dos Estados Unidos e o que alguém pode fazer contra isso? Gravar um vídeo interpretando “I Will Survive”, clássico da disco music, de 1979.

Essa, ao menos, parece ter sido a ideia da W Magazine, que escalou atrizes e atores como Emma Stone, Natalie Portman, Amy Adams, Matthew McConaughey e Chris Pine para um vídeo em que eles, junto de grande elenco, interpretam a canção de Gloria Gaynor, que se tornou uma espécie de hino do empoderamento feminino e da cultura gay. A intenção do novo vídeo, no entanto, é outra: “é o tipo de hino que nós precisamos agora mais do que nunca. Com a iminente presidência de Trump, eu vou sobreviver (I will survive, em inglês)”, escreve a revista, no texto de apresentação do vídeo.

A grita dos artistas americanos contra Trump está tomando proporções cada vez maiores. Depois de Meryl Streep ter dito em seu hoje famoso discurso que os atores de cinema pertencem “aos segmentos mais demonizados da sociedade americana neste momento”, a turma do vídeo da W Magazine faz outra ameaça, ainda que num tom mais leve: talvez a classe não sobreviva à presidência de Trump. Quer dizer: atores e atrizes multimilionários, que têm ao alcance de suas palavras centenas de milhões de pessoas, estão oprimidos por Trump e sua iminente presidência.

Quer ajudar? Ponha a mão no bolso

Obviamente, o efeito prático do vídeo não é outro que dar ainda mais fama a esses artistas. Aliás, se os artistas efetivamente quisessem fazer algo em favor de quem realmente será oprimido pela política de Trump – como os mais de 750 mil jovens imigrantes ilegais que devem perder o visto de residência e trabalho nos Estados Unidos em um dos primeiros atos de Trump na presidência –, poderiam fazê-lo exercendo um pouco sua influência e gastando uma mínima parte de seus recursos financeiros.

George Clooney, talvez o ator mais famoso de Hollywood a fazer ativismo social, criou, junto de sua mulher, a advogada Amal Clooney, uma organização, a Fundação Clooney para a Justiça, que atende refugiados e indivíduos perseguidos politicamente em todo o mundo. Em setembro passado, o Google anunciou com a devida publicidade que estava colaborando com a Fundação Clooney doando a importância de (imagine agora o Dr. Evil dos filmes de Austin Powers) 1 milhão de dólares! para programas de educação de crianças libanesas refugiadas.

Convenhamos, o que são US$ 1 milhão para o Google? Troco de bala. Mas, ainda assim, é um gesto nobre que pode ajudar um número grande de crianças. Aliás, no mesmo mês de setembro, cerca de 50 empresas americanas doaram perto de US$ 650 milhões para programas de atenção à crise internacional de refugiados, dizendo que “a enormidade do problema requeria mais que ação do governo”.

Mas o que fizeram os artistas do vídeo anti-Trump pelas crianças refugiadas ou pelos jovens imigrantes? Somente dois entre a dúzia de atores que aparecem no vídeo, Matthew McConaughey e Amy Adams, que estão na lista dos atores mais bem pagos de 2016 da revista Forbes, faturaram, juntos, mais de US$ 30 milhões no último ano. Se doassem 10% dessa renda para projetos sociais, estariam, em duas pessoas, triplicando o investimento feito pelo gigante Google no futuro de crianças refugiadas libanesas.

Artistas podem ganhar mais do que têm a oferecer quando se envolvem em causas sociais

Professor de política internacional da Universidade de Tufts, nos EUA, Daniel Drezner escreve que o engajamento de celebridades em causas humanitárias traz “claros benefícios” aos George Clooneys, Angelinas Jolies e Matt Damons da vida. “(O engajamento) provê a eles acesso a novos espaços, como talk shows políticos ou fóruns internacionais, e os ajuda a polir suas marcas pessoais”, afirma. “Causas estão para celebridades o que responsabilidade social corporativa está para os negócios – todo nome estabelecido deve ter ao menos uma”, completa.

Em uma reportagem publicada em 2008, a revista Forbes mostrou que celebridades que estavam criando fundações próprias de caridade estavam gastando mais em despesas administrativas da própria organização do que em repasses sociais. “O propósito de caridade pode ser conceder bolsas de estudo, mas também serve como um veículo para promover a imagem da celebridade”, diz, na reportagem, o professor Leslie Lenkowsky, do Centro de Filantropia da Universidade de Indiana, nos EUA. É comum, também, que a celebridade não invista na causa seu próprio dinheiro, mas apenas sua imagem.

Há casos, ainda, em que o engajamento político de artistas pode acabar prejudicando a realidade social, como no caso de uma campanha de 2010 encabeçada pelo ator Ben Affleck, que pedia que empresas parassem de adquirir minerais coletados em zonas de conflito da República Democrática do Congo e países adjacentes, para prevenir conflitos e violência sexual. De acordo com pesquisas, o boicote internacional levou à falência milhares de negócios locais, provocando o desemprego de dezenas de milhares de mineiros da região.

Ou seja, quando um ator ou uma atriz famosa aparece fazendo um protesto político ou apoiando uma causa social, é de se desconfiar. Às vezes a única causa em questão é a sua própria.

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