Na misteriosa jornada humana para se tornar inteligente, com uma vivência social como nenhuma outra espécie no mundo animal, uma inovação exerceu papel essencial: a religião. É essa a teoria que um psicólogo evolutivo pretende comprovar ao longo dos próximos anos.
“Você precisava de algo muito literal para fazer com que todo mundo parasse de matar todo mundo apenas por traição”, diz Robin Dunbar. “De alguma forma está claro que a religião, todas as doutrinas, criou o senso de que todos somos uma família.”
Professor de psicologia evolutiva na Universidade de Oxford, Dunbar ganhou alguma notoriedade há pouco mais de 20 anos, com uma pesquisa sobre as conexões sociais dos animais. Cada espécie de primata, ele descobriu, pode manter um círculo social com um certo número de membros da própria espécie. Este número aumenta proporcionalmente ao tamanho do cérebro, de macacos a gorilas.
Segundo a pesquisa de Dunbar, os humanos são capazes de manter um número significativamente maior de laços sociais do que nossos cérebros sozinhos podem explicar. Ele provou que cada homem é surpreendentemente consistente no número de laços sociais que consegue manter: cerca de cinco amigos íntimos, 50 bons amigos, 150 amigos e 1,5 mil pessoas das quais é capaz de reconhecer o nome. A descoberta ficou conhecida como “O número Dunbar”.
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Dunbar passou, então, a estudar por que este número é tão alto. O humor nos ajuda? Exercícios? Capacidade narrativa? Este enigma tem desafiado Dunbar há anos –- e a religião é a mais recente hipótese que ele tem testado para encontrar a solução.
“Em muitas das coisas que temos encontrado, a religião aparece de uma forma ou de outra”, diz.
Dunbar é parte de uma onda recente de cientistas interessados em como as religiões se desenvolveram e como as pessoas se beneficiaram delas. “Para muitos intelectuais desde o Iluminismo, a religião era um misto de ignorância, estranhamento, aberração e algo que ia contra a razão”, diz Christian Smith, um sociólogo na Universidade de Notre Dame que estuda religião. “Nos últimos 10, 20 anos, em diversas frentes, há uma mudança no pensamento sobre a religião. Há muitos neurocientistas dizendo que a religião é algo totalmente natural. Faz todo o sentido sermos religiosos. A religião tem um papel importante no desenvolvimento das sociedades.”
No caso de Dunbar e seu companheiros, eles já publicaram estudos demonstrando que dois outros comportamentos tipicamente humanos aumentam a capacidade social das pessoas. Em laboratório, eles mostraram que rir (em primeiro lugar) e cantar deixam as pessoas mais próximas de se conectar a outras pessoas. A religião é a chave restante para explicar as notáveis redes sociais dos seres humanos, acredita Dunbar.
“Essas três coisas são ótimos desencadeadores de endorfina, nos mantendo ligados”, disse Dunbar no encontro anual da Associação Americana de Avanço da Ciência, na última semana de fevereiro. No evento, o psicólogo e sua equipe apresentaram os resultados da pesquisa com os efeitos do riso e do canto, além de introduzir a religião como próximo fator a ser estudado.
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A religião inclui vários elementos que nos estudos anteriores de Dunbar surgiram como produtores de endorfina. A presença de cantos, para começar. Movimentos repetitivos desencadeiam a produção de endorfina, ele observa, lembrando que cantos de oração fazem parte de ritos do catolicismo ao islamismo, do budismo ao hinduísmo. Além disso, pesquisadores têm demonstrado que realizar essas atividades de maneira sincronizada com outras pessoas potencializa o efeito da produção de endorfina: imagine a curvatura coordenada que é peça central para a adoração católica, muçulmana e judaica.
O mais recente estudo de Dunbar comprova a efetividade da narrativa emocional em grupos de desconhecidos que ouvem as mesmas histórias – novamente, uma figura comum no rito religioso.
“O que a dança e o canto provocam nas pessoas é um senso de pertencimento. Isso acontece muito rapidamente. O que acontece, eu suspeito, é que isso pode desencadear muito rapidamente um estado de transe”, diz Dunbar.
Ele teoriza que essa experiência espiritual representa muito mais do que a dança e a música sozinhos. “Uma vez que você desperta isso, entra em um jogo diferente. O sentimento cresce massivamente. A religião é o que desencadeou. Há algo lá.”
A equipe de Dunbar começou a estudar a religião em abril de 2017 e espera concluir a pesquisa em três anos. Ela pretende desenhar uma espécie de árvore evolutiva da religião, usando um modelo estatístico para tentar mostrar quando as tradições religiosas envolveram e quando se fundiram umas com as outras.
É claro que as próprias pessoas religiosas podem achar a teoria de Dunbar estranha. A maioria não pensa na sua religião para servir a um propósito evolutivo, mas em suas crenças como sendo simplesmente verdadeiras.
Mas Smith acredita que são perfeitamente compatíveis a verdade de Deus e o papel da religião no desenvolvimento humano. “Sob o ponto de vista religioso, você pode dizer isso… Deus criou os humanos como um tipo muito particular de criatura, com cérebro e biologia muito particulares, o que permitiria a eles evoluir para um tipo de ser humano que reconheceria Deus e acreditaria em Deus”, diz Smith. “Não há conflito.”
Ele acrescenta: “Algumas pessoas acreditam, equivocadamente, que ciência e religião são um jogo de soma zero. Se a ciência explica algo, então a religião irá discordar… se você fosse Deus e quisesse formatar o mundo de uma certa maneira, você não criaria humanos com cérebros maiores e a capacidade de imaginar?”.
Outra pesquisa poderia encontrar o lugar de Deus em nossos cérebros - lembre-se do número de Dunbar? O pesquisador diz que se uma pessoa tem uma relação próxima com uma figura espiritual, como Deus ou a Virgem Maria, então essa figura realmente está presente em um dos grupos de amigos (os cinco próximos, os 50 bons amigos ou os 150 amigos), como em qualquer relação humana. Um dos seus melhores amigos, cientificamente falando, pode ser Deus.
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