João Roberto Kelly tem 78 anos e centenas de canções entre sambas, bossas, sambas-canção, foxes e etc... A nata de sua obra, porém, são as antológicas marchinhas de Carnaval que qualquer brasileiro já sabe cantar antes de nascer: “A Cabeleira do Zezé”, “Mulata Iê-Iê-Iê” e “Maria Sapatão”.
Mesmo sendo de uma geração mais nova, Kelly colocou seu nome no panteão dos compositores carnavalescos como Lamartine Babo (“Grau Dez”), Haroldo Lobo (“Alah-Laô”) e Braguinha (“Touradas em Madri”), todos já mortos.
O carnaval deveria servir para reverenciar a obra do último de seus grandes compositores vivos. A sempre alerta patrulha do politicamente correto, porém, do alto de suas boas intenções, vira suas agulhas moralistas contra a música de Kelly, em especial, e as marchinhas sarcásticas dos antigos carnavais, em geral.
O argumento é que as letras destas músicas feitas em um Brasil de antanho contêm mensagens machistas, racistas ou preconceituosas que hoje conspurcam as conquistas sociais dos tempos pós-modernos.
O Carnaval é anárquico, caricatural e ambíguo por natureza. Quem não concorda tem a opção de não brincar . O que não dá é ser libertário e censor, progressista e moralista ao mesmo tempo. Nem no Carnaval. Nem em lugar nenhum.
É verdade. Os tempos mudam. Os usos e costumes mudam com ele. O que era considerado galhofa ingênua nos anos 1940 - sacanear um careca ou um homossexual na rua - hoje é conduta protegida pelo direito penal. São conquistas importantes que transformaram o país para melhor. Isso não é difícil de entender. Merece aplausos e confetes.
Proibir os “blocos progressistas” de cantar as marchinhas de Kelly, desprezando sua importância e contexto históricos, porém é remar na direção contrária a estes avanços sociais. Em entrevista ao jornalista Júlio Maria, no Estadão, o cantor Ney Matogrosso disse que acha difícil acreditar que alguém homossexual se ofenda de verdade com os versos de “Maria Sapatão”.
É difícil entender como quem milita afinco em defesa da liberdade e identidade cultural censure com a mesma fome autoritária de ditaduras. Esta postura esvazia discussões sérias sobre problemas reais como o racismo, o machismo e a homofobia.
O Carnaval é anárquico, caricatural e ambíguo por natureza. Quem não concorda tem a opção de não brincar . O que não dá é ser libertário e censor, progressista e moralista ao mesmo tempo. Nem no Carnaval. Nem em lugar nenhum.
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