Um ano em que morreram uma tricampeã olímpica, o criador de um dos mais conhecidos personagens dos quadrinhos, o maior cineasta da história do Japão, o cantor de uma das mais queridas duplas sertanejas do Brasil, o arquiteto da capital nacional, o maior cantor de soul music brasileiro, um escritor vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, um dos ditadores mais sanguinários do século XX e o maior cantor de todos os tempos só pode ter sido um dos mais mortais de sempre, não?
Morre o cantor e compositor George Michael
Acontece que o ano em questão é 1998, em que nos deixaram Florence Griffith-Joyner, Bob Kane (criador do Batman), Akira Kurosawa, Leandro (da dupla Leandro e Leonardo), Lúcio Costa, Tim Maia, Octávio Paz, Pol Pot e Frank Sinatra. Em 1998 também morreram nomes como o ator Brandão Filho, o escritor Carlos Castañeda, a cantora Linda McCartney, os crooners Nelson Gonçalves e Silvio Caldas e até nomes importantes localmente como o artista visual Poty Lazzarotto e o ex-prefeito de Curitiba Maurício Fruet.
Quando olhamos em perspectiva, todo ano apresenta uma lista grande de personalidades e celebridades falecidas. Em 2015, por exemplo, nos deixaram nomes como os cineastas Wes Craven e Manoel de Oliveira, o escritor Günter Grass, os músicos B.B. King e Lemmy Kilmister e atrizes e atores como Betty Lago, Marília Pêra, Yoná Magalhães, Leonard Nimoy e Omar Shariff. Por que, então, 2016 parece ser um ano em que mais gente conhecida morreu?
Geração pós-guerra
Uma das respostas é: morrem mais celebridades hoje porque hoje existem mais celebridades. Muita gente que se tornou famosa na década de 1960, membros da geração baby-boomer do pós-guerra, chegou agora na faixa dos 65/70 anos, em que as taxas de mortalidade aumentam significativamente, especialmente entre homens.
A lista de óbitos de 2016 parece especialmente nefasta: Muhammad Ali, Alan Rickman (ator), David Bowie, Fidel Castro, Cauby Peixoto, Umberto Eco, Elke Maravilha, Ferreira Gullar, Dario Fo (escritor vencedor do Nobel de Literatura), Hector Babenco, Ivo Pitanguy (cirurgião plástico), Abbas Kiarostami (cineasta), Leonard Cohen, Prince, Ettore Scola (cineasta), Bud Spencer (ator), Gene Wilder e, mais recentemente, George Michael e Carrie Fisher. E esses são apenas os nomes mais conhecidos (veja na galeria uma lista de celebridades que nos deixaram em 2016).
Em um artigo publicado no site iNews, o editor Oliver Duff também aponta para o seguinte fenômeno: além de existir um número maior de celebridades em atividade hoje do que jamais existiu antes na história, as redes sociais amplificam o falecimento de figuras públicas: “Muitos de nós estamos mais expostos à mídia do que estaríamos havia uma década, assim como a um apetite maior para o consumo de informações sobre grandes vidas e à lembrança das maneiras que essas pessoas marcaram nossas existências”, escreve.
Mais mortes?
A fim de tirar a prova do quanto 2016 foi um ano mais funesto que outros, a BBC realizou um levantamento sobre o número de mortes de celebridades comparando a relação de falecimentos de 2016 com anos anteriores. O resultado: morreu mais gente conhecida em 2016, sim, mas especificamente nos primeiros três meses do ano. Segundo os cálculos da BBC, que envolvem a publicação de obituários previamente preparados à morte da personalidade (uma versão mais refinada do que a internet brasileira faz com seu Bolão Pé na Cova), 24 obituários de celebridades foram usados de 1º de janeiro a 31 de março de 2016 pela rede britânica, enquanto foram 12 em 2015 e 11 em 2014.
A BBC não detalha – até em respeito a quem porventura já tenha a notícia de sua morte pronta –, mas é de se imaginar que a categoria “obituários preparados” envolva gente que, de alguma maneira, possa estar mais ou menos próxima à morte. E sempre há um número de falecimentos que pegam a todos desprevenidos, de gente jovem, decorrente de acidentes etc. Além disso, há a questão do que significa ser exatamente uma celebridade digna de notícia e da redação de um obituário.
De qualquer modo, pelos parâmetros da BBC, o segundo semestre de 2016 não nos tirou mais gente admirável do que tiraram os anos anteriores. Nos seis últimos meses deste ano, a rede britânica usou 18 obituários pré-preparados contra 20 em 2015 e 18 em 2014. Nick Serpell, editor de obituários da BBC, acredita que a “alta” de mortes de personalidades não seja algo particularmente surpreendente, porque estamos “a meio século do florescimento tanto da TV quanto da cultura pop nos anos 1960, que expandiram expressivamente o grupo de figuras públicas”.