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O ímpeto de salvar do fogo cinco décadas de obras de arte levaram o marchand romeno Jean Boghici a romper o bloqueio feito pelo Corpo de Bombeiros ao redor do edifício número 193 da Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, em cuja cobertura duplex - em chamas - estava guardada sua coleção. Sua tentativa de entrar no prédio, no entanto, foi impedida pelos bombeiros. Pouco antes de seu gesto de desespero, pedaços de uma janela e do reboco do prédio haviam despencado sobre a calçada. Um desses pedaços caiu perto do marchand. O incêndio, que começou por volta das 18h desta segunda-feira, foi controlado cerca de duas horas depois e provocou o fechamento da Rua Barata Ribeiro às 18h20m. A via só foi liberada pouco depois das 20h.

O galerista, que é um dos maiores do país, assistiu da calçada à destruição do apartamento que abrigava um acervo de importantes nomes da arte do século XX. Sua mulher, a francesa Geneviève, e sua filha estavam no apartamento, mas conseguiram escapar sem ferimentos. Amigo do artista, o advogado Paulo Henrique Pedras contou que ligou para Boghici no início da noite e que ele estava muito triste. Ele faria uma exposição na semana que vem.

- Ele perdeu obras importantes que tinha em casa. Está muito abalado. Agora, está com a mulher e a filha em outro apartamento de sua propriedade. Os quatro gatos e três cachorros que moravam no imóvel com a família também escaparam ilesos - disse.

São de Boghici, entre outros, o óleo sobre tela "Samba", de Di Cavalcanti, e "Sol poente", de Tarsila do Amaral. Boghici também tem peças de Alexander Calder e Rubens Gerchman, pinturas de Vicente do Rêgo Monteiro e esculturas de Victor Brecheret, entre outras peças. Ainda não se sabe quais obras foram destruídas

Segundo outro amigo de Boghici, o apartamento para onde ele foi com a família ontem fica ao lado do prédio em que eles moravam. O marchand foi visitado à noite por um médico.

Um andar inteiro do apartamento duplex foi destruído

Vizinhos contaram que os bombeiros chegaram rapidamente ao local, mas demoraram cerca de 25 minutos para montar a escada Magirus até o apartamento, no 12º andar. Sete soldados acessaram o imóvel pelo apartamento vizinho. Segundo os bombeiros, o primeiro andar da cobertura ficou inteiramente destruído, enquanto o segundo ficou em parte preservado.

A síndica do edifício, Regina Lobato, contou que, por volta das 18h, a mulher do marchand ligou para a portaria avisando que estava saindo fumaça do ar- condicionado. De acordo com Regina, o porteiro telefonou imediatamente para os bombeiros, e os moradores conseguiram descer pelas escadas. Por volta das 20h, os bombeiros liberaram a entrada dos proprietários de apartamentos até o nono andar. Pedestres que passavam pelo local também afirmaram que o incêndio teria começado no ar-condicionado do imóvel. Muitos tiveram a impressão de que o fogo também teria atingido o prédio vizinho, mas, segundo os bombeiros, isso não aconteceu. A falsa impressão foi causada pelo excesso de fumaça no local.

Com o fechamento da Rua Barata Ribeiro, o trânsito foi desviado para a Rua Tonelero e o tráfego ficou bastante lento na região. Houve reflexos na Ladeira do Leme e na Avenida Princesa Isabel. Agentes da CET-Rio que orientavam os motoristas indicavam a Avenida Atlântica como melhor opção. Os bombeiros precisaram aumentar a área de isolamento por causa de pedaços de reboco em chamas que caíam na rua.

- O fogo se espalhou em pouco tempo. De repente, as chamas tomaram conta de toda a cobertura - contou a estudante Ana Carolina Mesquita, que mora em frente ao prédio e foi para a janela depois de ouvir gritos na rua.

Morador de Copacabana, o artista plástico Pedro Meyer passava no local no momento do incêndio e presenciou o desespero do colecionador:

- Parecia que o prédio ia desabar e ele tentou entrar mesmo assim. Muita gente gritou para que o segurassem até que um bombeiro o deteve. Foi uma cena triste. Uma tragédia para a arte.

Também nesta segunda-feira, bombeiros do Quartel da Gávea estiveram nesta noite num prédio no Jardim Botânico, na Rua Pacheco Leão 1.510, onde ocorreu um princípio de incêndio. De acordo com a unidade, o fogo foi apagado rapidamente, e a situação já está controlada.

Outros acervos destruídos pelo fogo

O mesmo drama por que passou nesta segunda-feira o marchand Jean Boghici, de ver um acervo valioso ser consumido pelas chamas, foi vivido em outubro de 2009 pelo arquiteto César Oiticica. Um incêndio destruiu cerca de 30% das obras de seu irmão, o artista plástico Hélio Oiticica, que estavam num ateliê no térreo da casa de César, na Rua Engenheiro Alfredo Duarte, no Jardim Botânico. Entre as peças havia algumas consagradas, como Bólides e os Parangolés - a primeira manifestação ambiental coletiva, envolvendo capas, barracas, estandartes e passistas da Mangueira, na mostra Opinião 65. Em parceria com o Ministério da Cultura, a família realizou posteriormente um projeto de restauração.

No mesmo ano de 2009, mas em novembro, o publicitário aposentado Euler Matheus, colecionador de obras de artes, perdeu mais de 50 quadros também para um incêndio, ocorrido no seu apartamento, na Rua Rainha Guilhermina, no Leblon. Além de pinturas de artistas renomados, como Djanira e Scliar, Euler e sua mulher tinham tapetes persas e livros raros, que ficaram queimados. O aposentado pretendia montar um museu virtual.

Integrante do grupo que criou o Museu de Arte Moderna (MAM), em 1948, a jornalista e empresária Niomar Bittencourt, proprietária do "Correio da Manhã", que morreu em 2003, viveu por duas vezes tragédias que marcaram sua ligação com as artes. Em 1978, o incêndio no próprio MAM destruiu 90% do acervo da instituição, queimando obras de artistas como Picasso, Miró, Salvador Dalí e René Magritte. Anos depois, foi o seu apartamento na Avenida Rui Barbosa, no Flamengo, a ser consumido pelas chamas: ela perdeu quadros de sua coleção particular como de Mondrian, Chagall, Picasso e Portinari. A perda maior foi de um Mondrian avaliado em US$ 2 milhões.

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