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A repetição constante de algumas impressões pessoais parece transformá-las em consensos.

As livrarias de shopping centers são mais seguras – ou "seguras", entre aspas – têm estacionamento e todas as facilidades que uma cidadezinha de lojas pode oferecer, de cinemas até praças de alimentação, caixas eletrônicos e salões de beleza.

Comprar livros pela internet é rápido, fácil e barato. Pode-se pesquisar títulos e preços, não existem vendedores nem trânsito. Às vezes, ganha-se o frete.

Livrarias de rua são pequenas e suam para dar descontos. Várias só trabalham com livros e não têm nem sequer um café. Elas disponibilizam um ou dois banquinhos para você se sentar e dar uma olhada nos títulos que ficam em prateleiras mais baixas. Esse é o máximo de conforto que se pode ter em uma loja dessas.

Confronte as três descrições e fica fácil entender por que existem pessoas discutindo a saúde das livrarias de rua e oferecendo prognósticos desanimadores.

Já era tempo de alguém questionar essas idéias e oferecer outras, de preferência, antagônicas. A partir de uma análise do que existe hoje no mercado editorial, um grupo de pessoas armou um revide contra a "crise moral" apontada pelo livreiro Aramis Chain à página 1.

A revolução livreira está em andamento e soma três protagonistas: Arte & Letra, Ghignone e Bisbilhoteca (sobre esta, leia texto ao pé da página).

Começou com as megastores e as lojas virtuais acuando as livrarias de rua. Se quisessem durar, elas precisariam se reinventar e abandonar o formato velho pelo caminho.

Uma das novidades se chama Arte & Letra, inaugurada em agosto passado, dentro do Lucca Cafés Especiais (Alameda Presidente Taunay – rua que termina na frente do Shopping Crystal). Quem entra no lugar, pode flagrar uma parede de livros ao fundo do piso inferior, onde fica a máquina em que os grãos de café são torrados quase todos os dias.

Se for alguém interessado em livros, vai dar uma conferida nos títulos. Aí vem a surpresa. De início, é difícil entender o que é aquilo. O normal é ter um café dentro da livraria e não uma livraria dentro de um café. Existem ainda cafeterias que oferecem uma meia dúzia de títulos para a clientela ler, mas é só.

A Arte & Letra, na definição do escritor e editor Thiago Tizzot, co-proprietário com a mãe professora aposentada de Literatura, Iara, é "uma livraria e café".

"A diferença da nossa livraria é que a gente leu todos os títulos antes da inauguração", anuncia o cartão da loja, inspirado na capa do livro Extremamente Alto & Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer (Rocco).

Ao contrário de uma livraria comum, Tizzot faz uma pré-seleção das obras que expõe na loja, escolhendo o acervo a dedo. "Nós trazemos para frente os livros que estavam no fundo", explica. Eles não vendem Dan Brown porque o autor de O Código Da Vinci é onipresente. "Buscamos coisas que não sejam tão visíveis." A livraria tem muitas pérolas – como a edição portuguesa de O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence (Itatiaia) – e uma de suas marcas pessoais é a maneira como as obras estão organizadas.

Esqueça "Literatura estrangeira", "brasileira" e "biografia". As estantes dividem os volumes em "Crime", "Clássicos", "Nóbeis", "Jabutis", "Cinema", "Fantasia", etc. A seção "Paranaenses" tem talvez a maior bibliografia à venda de Dalton Trevisan na cidade.

A idéia para a livraria surgiu em um almoço de família. Primos escritores e tradutores, mãe professora, todos leitores. Eles já tinham a editora Arte & Letra. Abrir uma livraria foi conseqüência. Os Tizzot publicaram As Cartas de J. R. R. Tolkien, criador da trilogia O Senhor dos Anéis, e, antes do Natal, lançam o badalado Story – Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de Roteiro, de Robert McKee, papa dos cursos americanos de cinema.

Para Tizzot, as megastores têm uma "mentalidade de supermercado". As gôndolas recebem as mercadorias mais procuradas. Os livros que demoram a vender dão prejuízo – sofrem de uma espécie de prazo de validade. A maioria dos atendentes depende do computador para dar qualquer informação e poucos conseguem digitar "Shakespeare" certo.

Assim como a Arte & Letra, a Ghignone também faz uma pré-seleção, mas de gêneros. A livraria, aberta há pouco mais de um ano, privilegia "Romance", "História" e "Biografia", evitando livros técnicos. Das prateleiras e mesas – todas em madeira – à iluminação, o ambiente foi planejado para que as pessoas sentem e leiam o que quiserem pelo tempo que quiserem.

José Ghignone é um dos livreiros mais antigos do Brasil. Tem 85 anos e só não nasceu na loja do pai porque era domingo. "E mamãe estava em casa", diz. A rede que levava o nome da família chegou a ter mais de uma dezena de pontos em Curitiba. Hoje, existe apenas uma, na rua Comendador Araújo, administrada em conjunto pelo genro Luiz Augusto Machuca da Silva e pela filha Tânia Ghignone e Silva.

Nostálgico, José Ghignone pode discorrer longamente sobre sua insatisfação diante da literatura brasileira atual. "Antes, nós tínhamos José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato... E hoje? Temos o quê?", questiona. Para ele, os livros continuam caros, a margem de lucro das livrarias, pequena, e os impostos representam o maior inimigo do comerciante. Ghignone é um dinossauro.

Luiz Augusto vê ambientes hostis nos shopping centers. "São locais feitos para se gastar dinheiro", afirma. Neles, as livrarias são tristes, têm luzes frias e pouco conforto. "É como se dissessem ‘compre e vá embora’."

A Ghignone e a Arte & Letra são pacientes. Elas esperam pelo leitor que não tolera shopping centers, detesta o barulho, não gosta de confusão e acha que a literatura vai além dos best sellers do momento. É, enfim, alguém ligado em caminhadas ao ar livre e não em compras.

Marcos Pedri, diretor comercial das Livrarias Curitiba, é o homem das megastores. No jargão administrativo, a rede fundada pelo pai, o catarinense Valentim Pedri, em 1963, é um case de sucesso. À exceção da loja da rua XV de Novembro, todas as outras apresentam lucros crescentes ano a ano.

No mundo das livrarias de rua, Pedri tem a vizinhança dos sonhos – o coração bancário de Curitiba, ao lado de duas lendas locais, a Boca Maldita e a Galeria Tijucas. Das sete agências ao redor da loja, a mais longe fica a somente três quadras.

"A livraria de rua vai acabar", aposta Pedri, baseado nos hábitos de compra do consumidor local. Este, cada vez mais, prefere comprar à noite e freqüenta a loja de rua às pressas, no intervalo de almoço. Na verdade, as Livrarias Curitiba criaram um gênero híbrido – a megastore de rua, reunindo CDs, DVDs e papelaria. Na seção de livros, o destaque é sempre para os mais vendidos.

A 14.ª loja da família Pedri (a 8.ª curitibana) abre no Shopping Palladium, do Portão, no próximo ano.

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