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Os aplausos tímidos ecoam durante cinco segundos até as primeiras notas de "Monk’s Mood". Logo se percebe que aquele som não é nada convencional. Pouco mais de dois minutos de música, é a vez do saxofone. Ele chega sorrateiramente e, sim, toma conta da melodia. O pianista parece dar um passo ao lado, deixando espaço para o sax-tenorista. Logo, aos quatro minutos e meio, o quarteto está completo com baixo e bateria.

O som veio de rolos de fitas encontrados em meio ao acervo descomunal da Biblioteca do Congresso norte-americano. Os rótulos das latas, descobertas em fevereiro deste ano, indicavam apenas "Carnegie Hall Jazz 1957". No verso, uma indicação, escrita com caneta: "T. Monk" e uma lista de músicas.

O técnico que encontrou as fitas, Larry Appelbaum, sentiu seu coração disparar ao ouvi-las. O mesmo deve acontecer com qualquer aficionado de jazz que pôr as mãos em Thelonious Monk Quartet with John Coltrane at Carnegie Hall, lançado nos EUA no final de setembro e recém-chegado ao Brasil pela Blue Note Records (EMI).

John Coltrane (1926 – 1967) abusava de drogas e álcool o suficiente para ser expulso do quinteto de Miles Davis, em julho de 1957. A invertida o obrigou a tomar jeito. Ele voltaria a tocar com o trompetista em dezembro do mesmo ano, mas, antes, aceitaria o convite de integrar o grupo do pianista Thelonious Monk (1917 – 1982). Os cinco meses que passaram juntos entrou para a história como uma fase de transição para ambos – e um momento crucial na carreira do saxofonista. Inexplicavelmente, é um período pouco documentado. Há somente o disco de estúdio Thelonious Monk with John Coltrane e algumas faixas ao vivo mal-e-mal gravadas no Five Spot Café, de Nova Iorque.

Ao lado de Miles, Trane (apelido que soa como "trem" em inglês) e os outros músicos não tinham muito espaço para criar o que quer que seja. A liberdade viria com Monk, responsável também por convencer o pupilo a deixar as drogas em nome de sua evolução musical.

"As improvisações dele são como mantras, capazes de elevar o espírito de quem as ouve", diz o saxofonista e professor Glauco Motti, que estuda os solos de Coltrane há quase uma década. Muitos defendem que esse músico espiritualista, que gravaria A Love Supreme, declarando seu amor supremo pelo criador, teve sua gênese com a influência de Monk. A união dos dois é apresentada como o encontro do cerebral (ao piano) com o visceral (sax).

A genialidade do americano está ligada ao chamado jazz modal, de escalas que têm um pé em sonoridades africanas e orientais. "Na época em que todo mundo queria tocar igual ao Charlie Parker, com o bebop, Coltrane criou um novo sistema de harmonia", afirma o saxofonista Paulo Branco. E Monk não fazia parte de nenhuma escola. "Ele era uma escola."

At Carnegie Hall é a soma de dois shows realizados no mesmo dia: 27 de novembro de 1957. São 51 minutos divididos em nove músicas. A segunda versão de "Epistrophy" aparece incompleta. Os dois sets, de menos de 30 minutos cada, indicam que a apresentação não podia se estender demais – no mesmo evento, subiriam ao palco Dizzie Gillespie, Sonny Rollins e Billie Holiday. Não há solos do baixista Ahmed Abdul-Malik ou do bateirista Shadow Wilson. Mesmo Monk parece atuar como um coadjuvante de Trane.

Lewis Porter, autor da biografia John Coltrane: His Life and Music, sabia da existência de gravações feitas pelo programa de rádio Voice of America ("Voz da América") e acreditava ser uma questão de tempo até que fossem encontradas. "Há sempre mais", escreve Appelbaum no livreto do CD, reproduzido na íntegra pelo lançamento nacional, com um porém: as 24 páginas de depoimentos não foram traduzidas do inglês.

É algo que não se vê todo dia. Um disco inédito e histórico. Um clássico imediato.

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