
A aparição de Carola Saavedra causa, em parte da imprensa e do mercado editorial, o entusiasmo que costuma acompanhar o surgimento de novos talentos na música, no cinema ou no esporte. Nascida em Santiago do Chile, a escritora "é" brasileira desde pequenininha veio para o país com a família aos 3 anos.
O motivo para a alegria é Toda Terça, lançado pela Companhia das Letras. O escritor Sérgio SantAnna escreveu na orelha do livro que se apaixonou "à primeira leitura". Faz sentido porque a narrativa tem o ritmo e os encantos de uma boa canção pop, do tipo capaz de conquistar ouvintes no ato.
Os capítulos do romance se alternam entre narradores-personagens, Laura e Javier. Um terceiro surge nas últimas páginas para arrematar a história.
O leitor acompanha Laura em suas sessões de terapia com o psicólogo Otávio. Mulher de quase 30 anos, ela é amante de um advogado bem-sucedido que resiste em deixar a família, mas, em compensação, banca para ela uma vida confortável, que inclui terapia, mesada e um apartamento no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
Indecisa crônica, Laura é volúvel e inconstante. Começou dois cursos universitários, Direito e Psicologia, mas não terminou nenhum, enquanto a relação com o amante esfriou irremediavelmente. A inércia a incomoda, mas também, de certa forma, a conforta.
Ela flerta com o seu terapeuta, diz estar apaixonada por um sujeito que conheceu em uma sessão de cinema e tem a mania irritante de pontuar suas frases com "Sabe?". Em pelo menos um momento do livro, a discussão com o psicólogo descamba para o absurdo. Ela começa dizendo que ficou chocada ao ver uma criança ser atacada por um jacaré em um documentário.
O relato chama a atenção de Otávio (o terapeuta), que tenta em vão saber por que a paciente se sentiu tocada pelo que viu. Ela larga pistas falsas sobre o que sente e pensa, como se tivesse medo de ser "desmascarada".
A autora faz uma proeza. Laura é uma personagem complexa e interessante na mesma medida em que é superficial e vazia.
Os capítulos dedicados às sessões de terapia de Laura são intercaladas pelos que abordam a vida de um latino-americano de origem incerta, chamado Javier, em subempregos na cidade de Frankfurt, Alemanha. Uma conexão possível entre as duas histórias é sugerida no meio do romance e se resolve mais para o fim. Ao longo do caminho, há certas imagens e informações que ecoam em ambas as narrativas, como a de homens que ajudam mulheres a vestir o casaco, ou a de um filme uruguaio em exibição no cinema.
Quando conhece uma garota chamada Ulricke, Javier parece fascinado pela coincidência porque está lendo um livro sobre o amor entre personagens com nomes semelhantes aos seus. Ele se envolve com a alemã e passa a freqüentar a casa onde moram ela e outras quatro pessoas.
O problema de Javier é o de não ser dono dos seus dias. Tudo o que faz ou deixa de fazer é ditado pelo acaso, pela preguiça ou pela inércia (característica que o aproxima de Laura). Frio e distante, convive com as pessoas apenas porque elas estão lá, ao lado dele. Na porta de uma agência de viagens, prestes a tomar uma decisão que poderia mudar sua vida de modo radical, seu impulso é freado por uma distração qualquer, pelo "vai-e-vem do fim de tarde" e, mais uma vez, acabava desistindo, deixando-se levar.
Mais tarde, esse estado letárgico de Laura e Javier aparece ligado à suspeita que o mais importante estivesse "por acontecer". Mas ambos esperam sentados que esse algo caia sobre suas cabeças como uma bigorna.
O título de Toda Terça se refere ao dia da semana em que Laura visita o terapeuta e também ao dia em que Javier pode ficar sozinho (ou quase) na casa de Ulricke (que lembra uma república de estudantes que vêm e vão).
No fim, o estar à toa dos dois protagonistas se torna um pouco cansativo e sem propósito. Mais ou menos como uma música pop que se ouve demais.
Serviço: Toda Terça, de Carola Saavedra (Companhia das Letras, 160 págs., R$ 35).
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