Jonathan Franzen é um dos grandes escritores norte-americanos de sua geração| Foto: Divulgação

Na superfície, Liberdade, romance do escritor norte-americano Jonathan Franzen, que chega nesta semana às livrarias brasileiras, aparenta ser uma saga familiar contemporânea de grande fôlego. De certa forma, não deixa de sê-lo. Mas, como toda obra de arte mais ambiciosa, o livro, saudado pela crítica literária nos Estados Unidos como um clássico instantâneo, um marco das letras do país no século 21, permite outras leituras, bem mais complexas.

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Já no título, Franzen, que se autodefine com um autor politicamente engajado, embute um tanto de ironia. Num país que se vangloria de ser defensor da liberdade de expressão, dos valores democráticos, dentro e além de suas fronteiras, o romance conta a história de uma família encarcerada em seu destino, numa ordem social na qual, ao menos teoricamente, todos têm o direito de buscar sua felicidade onde ela estiver. Os personagens, no entanto, padecem miseravelmente, vítimas em parte de suas escolhas, mas também de modelos preestabelecidos, ideologicamente, de normalidade e bem-estar, gerações a fio.

A narrativa de Liberdade tem como foco aparente um triângulo amoroso. Patty, uma jovem da classe média alta da Costa Leste, sofre um estupro na adolescência e, sem encontrar o apoio esperado de seus pais, opta pela distância: vai estudar numa universidade em Minnessota, no mais conservador e pacato Meio-Oeste. Lá, ela conhece e se apaixona por Richard Katz, um charmoso aspirante a roqueiro, rebelde e instável. Entretanto, a atração, embora mútua, não se consuma, e a moça escolhe casar com o melhor amigo de Richard, Walter Berglund, um estudante de Direito caxias, engajado em causas sociais e ecológicas. O jovem, espécie de antítese do amigo, proporciona a Patty o que ela pensa necessitar: estabilidade.

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Tudo isso ocorre no fim dos anos 70, em plena Era Reagan, de quem Walter é firme opositor.

Passadas duas décadas, Patty e Walter aparentam ter construído uma vida perfeita: têm uma bela casa suburbana, ampla e confortável, um casal de filhos bonitos e inteligentes, e acreditam estar entre os últimos americanos conscientes e críticos num momento de intensa perplexidade, dias nos quais expressões como "o eixo do mal" e "guerra contra o terror" começam a se tornar correntes nos discursos políticos mais conservadores e no noticiário do pós-11 de Setembro.

Mas, como de perto ninguém é normal, os Berglund não são felizes. Patty, que no passado foi uma promissora jogadora de basquete mas jamais teve grandes pretensões profissionais, agora é uma dona de casa frustrada e alcoólatra. Secretamente, ela ainda alimenta sua paixão não consumada por Richard. Walter, por sua vez, acaba por embarcar em um projeto duvidoso de preservação de uma ave nacional em extinção, a mariquita-azul, orquestrado e parcialmente patrocinado (quem diria!) por um republicano.

Protegido por Patty e fonte de enorme frustração de Walter, o filho do casal, Joey, não poderia ser mais diferente do pai. É ambicioso, individualista e tem poucos escrúpulos. Enfim, encarna o que, para o patriarca dos Berglund, existe de pior nos Estados Unidos. A filha, Jessica, que tem uma relação tensa e distante com a mãe, prefere se manter a distância, decidindo por estudar numa universidade longe da família.

Em meio a tudo isso, o agora astro do rock Richard, amado tanto por Patty quanto por Walter, de maneiras diferentes mas com semelhantes intensidades, ressurge em suas vidas na qualidade de gota d’água que faz o copo Berglund transbordar. Quando ele e Patty finalmente consumam o desejo há muito reprimido, e aos poucos Walter percebe que sua vida familar e seus ideais políticos são frágeis castelos de cartas, tudo parece fadado à ruína, o que não seria, necessariamente, um desfecho infeliz, caso servisse como ponto de partida para um recomeço mais honesto e livre das amarras impostas pelas forças sociais.

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Mais linear e conservador na forma do que As Correções (2001), vencedor do National Book Award e também construído em torno do desmoronamento de uma família quase arquetípica, Liberdade supera seu antecessor por ir mais fundo na missão de retratar a vida americana em um momento de profunda crise, tanto no âmbito público quanto entre quatro paredes. GGGGG

Serviço: Liberdade, de Jonathan Franzen. Companhia das Letras, 605 pág., R$ 46,50. Romance.