Há um termo em dinamarquês, gennembrud, que significa rompimento. Em 1833, o crítico George Brandes usou a expressão Det moderne gennembrud, ou o rompimento moderno, para descrever as maneiras como artistas literários escandinavos estavam se rebelando contra as convenções de seu tempo e forjando novos caminhos para artistas de fora da região. Desde então, a ideia foi aplicada às pinturas de Edvard Munch e aos filmes de Ingmar Bergman. Uma “arte do ataque, da conquista” é como Arnold Weinstein descreve tais trabalhos em seu livro “Northern Arts”.
Apesar de trabalharem em outra época e em outro meio, os desenvolvedores do estúdio Playdead, com sede em Copenhague, merecem ter seu trabalho estudado sob essa luz. Eles também estão pressionando contra as fronteiras da forma de arte que escolheram ao fazer jogos arrepiantes e visualmente expressivos que apelam às áreas mais escuras do nosso inconsciente coletivo.
Playdead faz pesadelos de crianças para adultos. “Limbo” (2010), o primeiro jogo da Playdead, era sobre um menino que podia morrer de muitas formas – um bom número de empalamentos ficaram na minha memória. Diferentemente de muitos jogos de quebra-cabeça em cores brilhantes, “Limbo” se desenrolou em um rico preto e branco de cinema. Sua trilha sonora era absorventemente minimalista.
Inspirado por sua atmosfera soturna, joguei boa parte dele com as luzes apagadas. Há um momento perto do começo quando o jovem garoto, depois de acordar em uma floresta sombria, faz uma travessia em um barco. A cena em tons de cinza era de tamanha beleza que me trouxe à mente o trabalha do cineasta dinamarquês Carl Th. Dreyer. O escritor Tom Bissell disse que parecia um “Super Mario Bros.” desenhado por Ingmar Bergman.
Inside
Desenvolvedora:Playdead
Gênero:Ação e Aventura
Para: PC e Xbox One
A primeira metade de “Limbo” é uma orquestração cheia de risco de exploração, sequências de ação e quebra-cabeças. (Tem um dos encontros com aranhas mais memoráveis de todos os jogos.) Ainda assim, a segunda metade é arrastada por uma série de quebra-cabeças que parecem obstáculos para te fazer perder tempo. Arnt Jensen, o diretor do jogo e um dos fundadores da Playdead expressou dúvidas a respeito do uso intenso de quebra-cabeças na segunda metade do jogo em uma entrevista com o crítico Michael Thomsen, em 2010, para o site IGN. Quando Thomsen perguntou se estava “cutucando uma ferida” ao mencionar a mudança de tom na segunda metade do jogo, Jensen respondeu: “é uma ferida grande.”
Visual abstrato
“Inside”, o novo jogo do estúdio dinamarquês, é uma esplêndida resposta ao belíssimo mas irregular “Limbo”. Tem mais quebra-cabeças que seu predecessor, mas nenhum deles parece desnecessário (apesar de alguns terem janelas de tempo estreitas). O ritmo de “Inside” é tão finamente calibrado, seu visual tão belo que comecei a jogá-lo novamente imediatamente após terminá-lo. As qualidades estéticas do jogo e o rigor do seu tom humilham a maioria dos espetáculos fotorrealistas de grande orçamento.
Como “Limbo”, “Inside” começa com um menino correndo por através de uma área de floresta. Ele está sendo perseguido por homens que querem lhe fazer mal mortal e cães de caça que vão despedaçá-lo se tiverem a chance. A paleta de cor sombria, as muitas sombras longas – esses elementos cinematográficos são tão garantidos quanto a direção de arte é atemporal. O que particularmente detém seus olhos é a maneira como a câmera segue o menino conforme ele se move, se aproximando por vezes mas frequentemente alternando entre tomadas a média e longa distância.
O visual abstrato do jogo – o rosto do menino é sem expressão, o mundo é afiadamente estilizado – sugere que os artistas foram capazes de realizar sua visão completamente. Isso é uma vantagem em relação a uma série de jogos que se esforçam em direção ao realismo e cujo visual tende a ficar ultrapassado mais rapidamente assim que algo mais fotorrealista aparece.
O que começa como algo semelhante a “Limbo” logo se torna mais estranho e mais variado por volta do momento em que você encontra as pessoas que sofreram lavagem cerebral. Uma nova ondulação é introduzida quando você descobre que sob certas circunstâncias o garoto pode tomar controle de algumas das pessoas dignas de pena ao redor dele. Isso faz um contraponto incrivelmente surreal ao temor de ser perseguido latente durante o jogo. Apressado pela exuberante trilha sonora ambiental, sempre senti um empurrãozinho do ambiente me seduzindo para a próxima visão de deter os olhos.
Nenhuma palavra é dita
A animação dos personagens é soberba, contida e ainda assim graciosamente fluida. Ver o garoto parado arqueando seus ombros me lembrou de assistir a um mímico realizando seu ato.
Para um jogo em que nem uma palavra sequer é dita, “Inside” comunica um senso penetrante de horror sem em nenhum momento recorrer a sustos fáceis. É uma peça de clima, uma série de ambientes construídos com expertise cujo grau de estranheza cresce progressivamente. O jogo abre espaço para o jogador imaginar o que será que está acontecendo mesmo enquanto gera um senso de contínua descoberta.
A sequência final de “Inside” é tão fascinante quanto qualquer outra que joguei desde “Soma” ou “The Magic Circle”. Tem a espécie de reviravolta da fortuna que você esperaria encontrar em um filme de Lars Von Trier. O jogo é uma procissão de pontos de exclamação imponentes e ameaçadores. É arte visionária.
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