O “solitário bem-acompanhado” lança novo trabalho-solo depois de seis anos| Foto: Divulgação/Factoria Comunicação

Velho Lenine, Nova MPB

"Esse álbum tem pouco de lábia e muito de labuta." Assim Lenine define sua nova obra, produzida em companhia de Jr Tostoi. Todas as parcerias são muito bem aproveitadas. Já na faixa de abertura, "Martelo Bigorna", o Quinteto da Paraíba, por exemplo, promove arranjos de violinos que remetem ao rock do Leste Europeu, em evidência com os russos do Leningrad e com Eugene Hütz, ucraniano frontman do Gogol Bordello. O Lenine de "Na Pressão" está de volta com a poesia de "Magra" (Segue enquanto suspiro/Toda cor de tempero/Cheira um cheiro tão raro/clara /cura o escuro) e "É Fogo", faixa que destila seu violão característico para letras combativas (De que valeu, em suma, a suma lógica/Do máximo consumo de hoje em dia). A surpresa acontece ao ouvirmos um quase Led Zeppelin em "O Céu é Muito", a mais roqueira do disco, ao lado de "Excesso Exceto". São as mais "consumíveis", atrás apenas de "É o Que Me Interessa", integrante da trilha da novela A Favorita, da Rede Globo. Ainda que seus vocais flutuem por uma amplitude reduzida, quase linear, Lenine compensa com sua música, que flerta bem com o eletrônico e utiliza solos justos de cordas e metais. Labiata, ao invés de música cerebral – devido à poesia e às tantas influências absorvidas –, funciona como um marco na carreira do artista, em constante retransformação. A Nova MPB dá suas caras, queira Lenine ou não.

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Lenine é íntimo. De sua família, de sua arte, de seus parceiros e também de suas orquídeas. A espécie Cattleya labiata, presente no orquidário que mantém em sua casa no Rio de Janeiro, aliás, transcendeu os limites do hobbie e tornou-se o título do seu novo trabalho, lançado em CD e vinil neste mês pela Universal Music.

As 11 faixas de Labiata catalisam a chamada Nova MPB – ainda que o compositor não concorde com o rótulo –, por meio de samba-rock, manguebeat, rabiscos eletrônicos e experimentações rítmicas, características que alavancaram a carreira do pernambucano há mais de 20 anos e agora a consolidam, com seu último álbum-solo desde Falange Canibal, de 2002.

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E foi a intimidade com sua banda que o impulsionou a produzir o disco de uma maneira diferente e arriscada. "Produzimos tudo muito rápido e a partir do zero. Foi um processo tão passional que, pela primeira vez, consegui ver tridimensionalmente a música que faço. Era um risco calculado, mas queríamos chegar perto da beleza", disse o músico, que passou quase dois anos em turnê depois de lançar o discoAcústico MTV– Lenine, em 2006.

Das 11 faixas, somente duas foram compostas inteiramente por Lenine. Nas outras nove, a poesia rápida de Arnaldo Antunes, a gaita de fole do galego Carlos Núñez e o reencontro com antigos parceiros, como Paulo César Pinheiro, Lula Queiroga e Carlos Rennó (da banda de Pedro Luís), além do escritor paraibano Bráulio Tavares. O álbum foi gravado no Rio de Janeiro e mixado na Inglaterra, nos estúdios de Peter Gabriel, co-fundador da banda Genesis.

"Parceria pra mim é redundância porque adoro gente. Adoro trocar conhecimentos. Eu consigo trabalhar sozinho, mas prefiro as parcerias, porque nelas vejo uma janela", explicou o recifense de 49 anos, que mistura sotaques. Depois de apresentar sua música "Prova de Fogo" no Festival MPB 81, da Rede Globo, em 1981, Lenine se mudou para o Rio de Janeiro em definitivo.

A principal parceria de Labiata, no entanto, foi com um manuscrito. Ano passado, Lenine foi procurado por Gorete, irmã de Chico Science – artista pernambucano responsável direto pela criação do movimento manguebeat, na década de 1990. Gorete contou que dois dias antes do acidente automobilístico que tiraria a vida do líder da Nação Zumbi, em 1997, Chico cantarolava algo. Estava apaixonado e acabara de voltar de uma "viagem romântica". Os versos, que se tranformaram na faixa "Samba e Leveza", terceira do disco novo de Lenine, foram encontrados anos depois por Gorete em uma gaveta do quarto do irmão. "Eu nunca fui íntimo do Chico, mas ela me cativou e disse que só eu poderia fazer com que aquelas palavras ganhassem o mundo", revelou Lenine.

Labiata vai das influências improváveis do manguebeat às pesadas e distorcidas guitarras em "O Céu É Muito", sexta faixa do CD. Depois de seus álbuns Na Pressão (1999) e, principalmente, Falange Canibal, Lenine foi reconhecido por ousar, experimentar e interpretar de uma forma diferente, seja por sua presença de palco – "típica de um roqueiro", garante ele – ou na maneira já característica com que dedilha o violão. A receita? Intimidade.

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"Sou curioso, estou sempre atento ao que fazem por aí, mas não me preocupo com dosagens. Eu sou uma esponja com sede, sempre me renovando e procurando o meu caminho. Não tenho obsessão pelo novo porque o novo é aquilo que a gente esqueceu", disse o músico, que também conta com três participações mais do que especiais em "Continuação". Seus três filhos cantam parte da música que fecha o disco. "Minha música fala de algo atraente e de questões relevantes. Também tem que ter algo de estranheza, mas faço principalmente para que meus filhos, minha mulher e meus parceiros se orgulhem. Mais um sinal do intimismo", confessou. O álbum, em relação aos outros cinco de sua carreira-solo, é só "diferente". Porque "fazer um disco é tirar uma foto das músicas em determinada época".

Em autodefinição, Lenine é um solitário muito bem-acompanhado. Por Djavan, Jorge Ben Jor, André Abujamra, Zélia Duncan e muitos outros. "Onde eles se encaixam? Nunca se estudou esses caras. Eles não fazem parte de movimentos anteriores, como a bossa nova e o tropicalismo, mas exatamente por isso já construíram um outro movimento. São os solidários", disse.

Questioná-lo sobre o futuro da música brasileira é como ir ao seu orquidário e ter aulas em frente a uma autêntica labiata aflorada. "A música do Brasil, como as orquídeas, tem três coisas: a beleza, a diversidade e a resistência. Para você matar, tem que judiar muito dela."