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Cony (no detalhe): comparado a Machado de Assis por Raquel Illescas Bueno, da UFPR | Luis Costa/ Arquivo/ Gazeta do Povo
Cony (no detalhe): comparado a Machado de Assis por Raquel Illescas Bueno, da UFPR| Foto: Luis Costa/ Arquivo/ Gazeta do Povo
  • Conheça alguns dos bastidores da publicação Os Invólucros da Memória

Os caminhos de Carlos Heitor Cony e de Raquel Illescas Bueno estavam fadados a se encontrar. Ela vive em uma rua batizada com o nome do poeta alemão Schiller, em Curitiba. No caso dele, Schiller é o nome do prédio em que está o seu apartamento, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Talvez essa coincidência soe como mero detalhe. Mas outros pequenos acasos costuraram, ao longo dos anos, pontes de contato entre ambos.

A então menina Raquel, décadas antes de se tornar professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), já se deliciava com o material jornalístico produzido por Cony para a revista Manchete. Ela também nunca deixou de ler os livros de ficção do autor. "O Cony é a memória viva da história do Brasil, pelo menos dos anos 1950 até hoje", analisa a autora da tese de doutorado Os Invólucros da Memória na Ficção de Carlos Heitor Cony, defendida em 2002 na USP, recém-publicada em formato livro pela Academia Brasileira de Letras (ABL).

Há tempos Cony cita, em entrevistas, simpósios e mesas-redondas, um artigo que Raquel publicou na revista Scripta, da PUCMG, em que ela compara o escritor-jornalista ao fundador da ABL, Machado de Assis. O destino aproximaria Cony de Raquel em um aeroporto e, no dia 11 de abril de 2000, ela o entrevistaria no então edifício-sede do grupo Manchete – material transcrito na tese que virou livro. Entre um e outro e-mail trocado, a relação se estreitaria. Semana passada, Cony (acompanhado da esposa, Beatriz Lazta) esteve em Curitiba especialmente para o lançamento do livro-homenagem, evento praticamente secreto, devido à falta de divulgação.

Invólucros

A tese de Raquel já se insinua no título. Diz respeito à memória. "Na obra de Cony, há narradores melancólicos que problematizam que o tempo ou é desperdiçado ou mesmo perdido." A pesquisa da estudiosa focou, sobretudo, os romances Matéria de Memória (1962), Antes, o Verão (1964) e A Casa do Poeta Trágico (1997). O tal do invólucro é uma referência a embrulho e pacote, expressões recorrentes nas linhas, e entrelinhas, de Cony. "Optei pela palavra invólucro, mais lírica, poética, enfim."

Outro horizonte que a tese de Raquel aponta é para a dificuldade que os protagonistas concebidos pelo autor têm em lidar com perdas. Dá a impressão de que esses personagens colocam em prática o mote de Manuel Bandeira: "a vida inteira que podia ter sido e que não foi". "Isso também foi objeto do meu estudo."

Segredos

O hiato de não-publicação de Cony não intriga Raquel. Em 1974, ao publicar Pilatos, ele disse que estaria interrompendo a sua trajetória de romancista – retomada apenas em 1995, com Quase Memória. "Mas ele produziu muito durante o perído (1974-1995). Não publicar não significa não produzir." No início da década de 1990, Cony volaria a dar vazão publicamente ao seu engenho de dentro ao substituir Otto Lara Resende (1922-1992) como cronista na Folha de S.Paulo (material que também passou a ser publicado pela Gazeta do Povo).

Raquel ainda detectou que, no caso de Cony, o escritor consegue ser e conviver com o escritor sem dramas. "Um alimenta o outro." Ex-seminarista, homem de imprensa patrulhado tanto pelas chamadas (e jurássicas que são) esquerda e direita, e muito mais, Cony atravessa o tempo e se faz, até mesmo enquanto memória, matéria de estudo acadêmico desta que é a única tese de doutorado sobre a sua obra realizada no Brasil.

Serviço

Os Invólucros da Memória na Ficção de Carlos Heitor Cony. Raquel Illescas Bueno. Academia Brasileira de Letras. 326 págs. R$ 30. Em Curitiba, a obra é comercializada exclusivamente na Livraria Arte & Letra (R. Presidente Taunay, 40 - dentro do Lucca Cafés Especiais – Batel). Mais informações (41) 3039-6895.

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