Humor não é para Iniciantes. A mesa de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty, realizada nesta quarta-feira à noite na Tenda dos Autores, deu ao veterano cartunista Jaguar, convidado para falar sobre o escritor e desenhista Millôr Fernandes, homenageado da festa neste ano, a chance de revelar ao público detalhes mais do que pitorescos tanto sobre o artista quanto sobre experiências compartilhadas por ambos durante os anos em que trabalharam juntos na redação do lendário jornal O Pasquim, no bairro carioca do Cantagalo.
Entre as hilariantes histórias contadas pelo artista gráfico, sob a provocação dos humoristas Hubert e Reinaldo (cujas intervenções deixaram a desejar), do grupo Casseta & Planeta, e também ex-integrantes da equipe de O Pasquim, uma das que mais provocou risos, e alguma surpresa, foi a de um entrevero até certo ponto inflamado entre Millôr e o compositor Chico Buarque.
Amigo do jornalista Tarso de Castro, outro fundador de O Pasquim, com quem Millôr tinha uma relação tensa, Chico um dia teria, em um encontro ocasional num bar do Leblon, colocado o escritor contra parede.
"O Chico queria saber o que ele tinha contra ele, e o Tarso, e acabou dando uma cusparada na cara do Millôr, que reagiu jogando nele tudo que tinha pela frente, mesa, copos, garrafas e até a moça que estava com ele, mas errou e acertou o garçom", contou Jaguar, entre risos.
À época do ocorrido, ele havia escrito sobre o incidente, mas sem dar nomes aos bois: disse apenas que o maior compositor brasileiro e o maior cartunista do país haviam chegado às vias de fato. O casos gerou uma série de especulações e brincadeiras. "Millôr chegou a me dizer: "Não sabia que havia brigado com o Martinho da Vila'."
Prisão Mais risos e aplausos na plateia vieram quando Jaguar, muito irreverente, narrou sua prisão durante o regime militar, por conta do conteúdo subversivo de O Pasquim. "Foi o melhor período da minha vida, ficava o dia inteiro sem nada o que fazer, não tomava banho, parecia um farrapo humano. Levei Guerra e Paz [de Liev Tostói]para ler, e bebia cachaça todo o dia. Subornava os guardas para que comprassem para mim."
"Foi um período maravilhoso, nem fui torturado. E ainda saí de lá, direto para uma festa de Réveillon do Clube Silvestre, com pinta de herói. As moças todas estavam encantadas com a gente. Quando eu conto essas histórias, o Ziraldo fica chateado. Acha que nos desmoraliiza."
Brincadeiras à parte, Jaguar fez questão de declarar seu afeto incondicional por Millôr: "Foi o cara que mais admirei na vida", lembrando que o amigo foi genial em tudo que fez, fosse como escritor, cartunista, tradutor ou intelectual. "Só não foi melhor poeta porque era inteligente demais para isso."
Em meio a tanta irreverência, houve pelo menos um momento de forte emoção. Jaguar tirou do bolso um papel dobrado, com um perfil dele mesmo assinado por Millôr, no qual o amigo o descrevia de forma poética, mas sempre bem-humorada, com pitadas de fina ironia. Sem perder a ternura.
Jaguar leu trechos do texto, cujas últimas palavras diziam: "Costumo lhe dizer, Jaguar, que com seu talento eu não estaria aqui, estaria no corredor da morte nos Estados Unidos".
CríticoAntes da mesa com Jarguar, Hubert e Reinaldo, a abertura oficial da Flip foi uma conferência com o crítico de arte Agnaldo Farias. Exibindo slides com obras de Millôr, ele alinhavou uma fala ágil e contundente sobre aspectos de sua genialidade com artista, relegada por vezes a segundo plano.
Lembrando que boa parta da produção de Millôr foi para a imprensa, e não para galerias de arte, Farias lembrou que isso não a diminui de forma alguma. "Ele teve a sorte de ter sido muito difundido, visto, embora pouco valorizado pela crítica. E essa sua ausência de um estilo definido o tornava ainda mais genial e moderno, à frente de seu tempo."
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