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O ponto alto da exposição é a magnífica sequência de estudos de retratos de Cristo que cercam “Os Peregrinos de Emaús”, obra concluída por Rembrandt em 1648 | Imagens: Reprodução
O ponto alto da exposição é a magnífica sequência de estudos de retratos de Cristo que cercam “Os Peregrinos de Emaús”, obra concluída por Rembrandt em 1648| Foto: Imagens: Reprodução

Arte sacra de Van Dyck pode ser vista em Madri

Enquanto Paris se rende à visão de Jesus Cristo por Rembrandt, Madri presta uma singela homenagem a um outro mestre da época da ouro da pintura holandesa, Anton Van Dyck, que é objeto de uma mostra no museu da Academia de Bellas Artes de San Fernando.

Um discípulo dileto de Ru­­bens que chegou a ser o pintor real da monarquia britânica, Van Dyck por sua vez influenciou o gênio Diego Velázquez ao tempo em que suas obras foram avidamente colecionadas pelo rei Felipe IV da Espanha.

A principal reputação de Van Dyck foi a de grande retratista, mas o principal destaque da intimista mostra madrilenha é uma cena em que o Menino Jesus divide cena com a Virgem Maria e os arrependido pecadores Maria Madalena, rei David e o Filho Pródigo da citado pela Bíblia. A obra decorou as paredes do faustuoso monestário de El Escorial antes de ser surrupiada pelos franceses em 1816, quando a Espanha havia sido ocupada pela França. Após ser recuperada, ficou perdida por vários anos nos abundantes arquivos nacionais espanhóis. Um especialista espanhol em Van Dyck, porém, a reencontrou e identificou sua autoria. O quadro, de iconografia original, impressiona pela firmeza do traço e pela sensual imagem de Maria Madalena, na linha de mestres anteriores como Rubens e Ticiano.

Entre os sete óleos e oito gravuras da mostra, se inclui outra representação do Evangelho, com o encontro de Jesus com uma mulher adúltera, que pertence a um velho hospital madrilenho e por muito tempo decorou com pouco alarde uma de suas escadas. Cristo, mais alto que seus acompanhantes para ressaltar sua estatura moral, é retratado com um rosto calmo e transcendente. Algo distante do Cristo humano de Rembrandt, mas não menos uma obra de mestre por causa disso. Ecos de Van Dyck fica em cartaz no Museu da Academia de Belas Artes de San Fernando, em Madri, em 26 de junho.

  • Uma das
  • Menino Jesus divide cena com Maria: Van Dyck em Madri

Jesus Cristo é um dos personagens mais representados na história da pintura ocidental. Mas ele sempre constituiu um desafio para os artistas, já que ninguém pode dizer com segurança como era o seu rosto ou mesmo suas características físicas mais gerais. Uma exposição em Paris mostra como um mestre flamengo to século 17 enfrentou o problema de retratar Jesus Cristo de uma forma ao mesmo tempo fiel à história real do personagem e à tradição artística que lhe precedia. Ao final, o holandês Rembrandt pode muito bem não ter conseguido lograr o primeiro objetivo: até hoje, ninguém sabe dizer com certeza como era o rosto de Jesus. Mas a exposição mostra que sua contribuição para a iconografia cristã foi digna de um dos grandes mestres da pintura universal.

Grandes pintores com frequência se focam em alguns temas maiores, e a vida de Jesus foi um dos que captou a atenção de Rembrandt durante toda sua carreira. Seu grande objetivo foi humanizar a figura de Cristo sem comprometer seu aspecto mitológico. Para tanto, tomou algumas decisões arriscadas para a época, como a utilização de modelos vivos para tentar se aproximar dos traços físicos que Jesus deve ter apresentado.

As circunstâncias históricas o ajudaram nesta busca: no século 17, Amsterdã, onde Rembrandt vivia, era um movimentado e tolerante centro comercial e financeiro internacional. A cidade abrigava uma importante comunidade judaica, que, ao contrário do que acontecia em outras grandes metrópoles da época, não precisava se esconder dos cristãos que dominavam a política europeia. A grande atividade comercial possibilitou também que Rembrandt e seus contemporâneos tivessem bastante contato com comerciantes do Oriente Médio, onde Cristo viveu. Parecia lógico presumir que homens oriundos da região compartilhasse uma maior proporção do pool de genes de Jesus, ainda que a explicação na época não fosse exatamente esta.

De qualquer modo, ao buscar o modelo de Cristo em homens judeus ou levantinos, Rembrandt se descolou de grande parte da iconografia anterior, especialmente no norte da Europa, em que Jesus é representado muitas vezes como um homem loiro ou ruivo, de olhos claros e traços suaves. As várias obras batizadas como "Cabeça de Cristo" expostas no Louvre, em que Jesus se parece bem pouco com um holandês ou alemão, ajudam a figurar que idéia movia as pesquisas de Rembrandt.

A já então famosa tolerância holandesa também possibilitou a Rembrandt utilizar modelos vivos para tentar retratar o rosto de Cristo, algo que seria visto como um gordo sacrilégio em outras paragens. Mas o rigor historicista certamente se beneficiou de tal audácia. A princípio, artistas cristãos buscavam representar a figura do Cristo por meio de símbolos como o cordeiro citado na Bíblia. Quando ele ganhou uma forma pictórica humana, a falta de referências ao aspecto físico de Jesus nos Evangelhos obrigou os artistas durante muito tempo a se basear em fontes de validade duvidosa, como o Santo Sudário, para ter uma idéia de como o Filho de Deus se parecia. A arte durante vários séculos também procurou se alinhar à mensagem oficial da igreja, mostrando-se como um veículo para enaltecer a glória do Salvador e o império universal da fé cristã. O Cristo humano que Rembrandt buscava dificilmente estaria aí.

Atlético

Uma gravura de Andre Mantegna, do século 15, exibida na exposição ressalta o aspecto heróico e superhumano de Jesus, com um torso nu que daria inveja a Cristiano Ronaldo. A imagem do Salvador atlético e com pinta de Hércules também foi elegido em várias ocasiões pelo exuberante Rubens, um mestre holandês que antecedeu e influenciou o próprio Rembrandt. Da mesma maneira, era comum na época ver imagens de Cristo enfrentando os sofrimentos que lhe são infligidos com calma e placidez, por vezes com o rosto absolutamente inalterado, no caso de gravuras do início do Renascimento. Para o mestre holandês, preocupado com a veracidade histórica de sua arte, este tipo de representação não parecia convincente. Para ele, o Cristo histórico padeceu uma curta e dura, miserável e carregada de sofrimentos. Seu corpo e seu rosto deveriam refletir tão espinhosa trajetória.

Logo no princípio de sua carreira, ainda que seguindo em larga medida a tradição do imaginário cristão consolidade nas escolas italianas e flamengas da época, Rembrandt parece já indicar que buscar novas formas de representar o Salvador. Sua versão de 1629 do episódio bíblico do jantar em Emaús mostra o rosto de Cristo escondido pela sombra, só com a silhueta em primeiro plano causando assombro a seus apóstolos. Logo o Jesus humano e sofredor se torna uma constante em sua obra. Seu Cristo crucificado de 1631 é um homem magro e nada vistoso que olha aos céus como que tentando entender porque teve que passar por tanto sofrimento.

Estudos

O ponto alto da exposição é a magnífica sequência de estudos de retratos de Cristo que cercam "Os Peregrinos de Emaús", obra concluída por Rembrandt em 1648 e que faz parte do acervo permanente do próprio Louvre. Antes de chegar à sala, o visitante passa por diversas pinturas do mestre holandês e seus discípulos de jovens judios e comerciantes levantinos que ajudaram o mestre a consolidar suas idéias. Nos pequenos retratos, Rembrandt procurar explorar as possíveis reações do ser humano Jesus no dia-a-dia. Em um deles, Cristo aparece como alguém que está dormindo sentado, com a cabeça baixa, em estado de extrema fadiga. Em outro, se mostra atento e intrigado, como se estivesse ouvindo uma explicação particularmente complicada. No mais fascinante da série, Jesus está claramente em movimento, movendo a cabeça para seu lado direito, como se estivesse prestes a fazer um comentário incisivo em meio a uma discussão alheia.

A iconografia cristã teria que esperar até a chegada do cinema para conseguir imagens mais vivas de Jesus, ainda que, a princípio, os diretores tenham se preocupado bem menos com a veracidade histórica do personagem do que o mestre seiscentista. Ao fim, os especialistas dizem que os retratos foram trabalhos preparatórios para a confecção de Os Peregrinos de Emaús, obra na qual o Cristo humano de Rembrandt, magro e frágil com seus traços judaicos, reassume sua faceta divina ao revelar seu retorno ao mundo dos vivos a um trio de assombrados apóstolos. Um Jesus à altura do milagre que foi o talento de Rembrandt.

A exposição Rembrandt et la Figure du Christ fica em cartaz no Museu do Louvre, até 18 de julho.

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