Inspirado em notícias urbanas
Homem Piano Uma Instalação para a Memória deriva de uma proposta de trabalho feita aos atores da CiaSenhas em 2008. Cada um deveria escolher um fato real noticiado pelos meios de comunicação de um modo espetacularizado. E investigar o que havia de humano naquela história, mas passava batido pela mídia.
O que é uma pessoa sem memória? Pensando nessa pergunta, despertada por um caso real noticiado pela imprensa, o ator Luiz Bertazzo e seus colegas da CiaSenhas criaram o espetáculo Homem Piano Uma Instalação para a Memória, que entra em cartaz hoje na sede da companhia.
Único intérprete em cena, ele conduz o público pelos três andares do espaço, incentivando que cada um recupere suas próprias lembranças e as partilhe por escrito ou pela fala, em um jogo afetuoso que o ajudará a recompor a identidade de um desmemoriado.
"Não ter memória, nem passado nem presente, é não ser. O que você vive é o que te constrói", observa Suely Araújo, a diretora e dramaturga da montagem, que fará três sessões diárias para um máximo de 20 pessoas em cada apresentação.
Ao abrir pela primeira vez seu espaço de ensaio e criação para receber o público de um espetáculo, a CiaSenhas pede em troca que cheguem sem expectativas sobre o que será visto. "O grande barato é entrar em um jogo proposto ali e mais nada", diz Suely. "Se você entrar no jogo, nós todos saíremos transformados."
Homem Piano se apresenta como uma instalação: a diferença disso está em abolir o formato tradicional de palco e plateia, em troca do tal jogo em que o espectador é convidado a seguir o ator e a participar ativamente, de acordo com sua vontade e disposição.
Essa relação com o outro é fundamental para o trabalho. Durante o processo de criação, a companhia fez uma série de ensaios abertos, inclusive recebendo alunos de uma escola de ensino fundamental para adultos, instalada no prédio da frente uma maneira de se integrar à cidade. A cada novo contato com grupos distintos como esse, descobria mais sobre o espetáculo. Aprendeu a incorporar o tempo do espectador na cena, sobre a movimentação imprevisível do público e as respostas que ele dá ou cala, por exemplo.
A proposta do espetáculo guarda semelhanças com outros trabalhos que pedem ao espectador para compartilhar em cena algo de seu arcabouço emocional. Como VemVai Caminho dos Mortos, da paulista Cia. Livre, no qual o público carrega consigo um boneco de papel que representaria um morto querido. Ou De Como Fiquei Bruta Flor, também dirigido por Cibele Forjaz (e apresentado no Fringe deste ano): quem está na plateia recebe papel e lápis para anotar reminiscências de relações amorosas fracassadas.
"O Bruta Flor precisa dessa participação do espectador para que o espetáculo ocorra. O nosso radicaliza isso: não há encontro se o espectador não entrar no jogo", compara Suely.
Pode ser dito que Homem Piano radicaliza também as proposições de uma montagem como A Viagem, realizada pela Cia. Brasileira de Teatro no Novelas Curitibanas. Nesta, cada ator acompanhava individualmente um espectador pelos cômodos da casa, contando as memórias ficcionais do personagem que interpretava. No caso da CiaSenhas, o ator Eduardo Bertazzo não representa. Em vez disso, ele se "faz presente", como diz Suely.
"Como o contato entre o ator e o público é absolutamente íntimo e afetuoso, o ator não pode mentir. Ele é um corpo vivo que sente tudo o que está acontecendo e percebe o que o espectador mostra a ele. É um contato direto. Se parecesse personagem, a confiabilidade do espectador seria prejudicada", acredita a diretora.
Serviço:
Homem Piano Uma Instalação para a Memória. Espaço CiaSenhas de Teatro (R. São Francisco, 35), (41) 3222-0355. Dramaturgia e direção de Suely Araujo. Com Luiz Bertazzo. Dias 8 a 13 e 15 a 18, às 16, 18 e 20 horas. Entrada Franca (20 lugares por sessão). Até 18 de julho.
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