Parati (RJ) Integrante do júri no Prêmio Esso de Jornalismo dois anos atrás, Marcos Sá Corrêa percebeu que surpreendentes 90% das grandes reportagens inscritas tinham ações da Polícia Federal como tema. Desde a crise dos anos 90, sob o peso de orçamentos restritivos, jornais impressos cada vez mais centralizam a cobertura dos fatos em cidades onde se supõe que as coisas acontecem. No fim das contas, ao investigar os confins do país, a PF acaba assumindo o trabalho que o bom jornalismo poderia fazer.
O documentarista João Moreira Salles se diz "órfão" desse tipo de imprensa no Brasil, cuja referência-mor é a revista The New Yorker não apenas nos EUA, mas no mundo. Salles e Corrêa são dois em um grupo de pelo menos quatro dezenas de profissionais com interesses em comum que se uniram a fim de criar uma revista. O resultado dessa comunhão deve chegar às bancas na primeira semana de outubro com o nome curioso de Piauí.
A revista terá 60 páginas coloridas, tamanho próximo ao de um jornal tablóide e tiragem de 40 mil exemplares. A impressão e a distribuição serão feitas por meio da Editora Abril. Uma pequena amostra de oito páginas circulou durante a 4.ª Festa Literária Internacional de Parati (Flip), onde duas mesas e a oficina tiveram apoio da Piauí. Um dos eventos teve a presença da lendária Lillian Ross, autora de Filme (Companhia das Letras) e de um perfil antológico de Ernest Hemingway, publicado pela The New Yorker em 1950.
Embora não tenha a revista nova-iorquina como referência segundo Salles, seria uma "pretensão incrível" , Piauí almeja o tipo de jornalismo criado e celebrizado por ela. "Se você sair hoje na rua para escrever um perfil, vai fazer referência à The New Yorker, porque foi ela que criou o perfil", diz o cineasta que define Piauí como um "pequeno filme" que depende de propaganda boca-a-boca. "É preciso encontrar um formato brasileiro para o gênero", diz Salles.
Algumas das reportagens mais conhecidas da publicação americana viraram livros traduzidos no Brasil, como Hiroshima, de John Hersey, e Gostaríamos de Avisá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias Histórias de Ruanda, de Philip Gourevitch (este também participou da Flip, falando sobre A Arte da Reportagem, ao lado de Lillian Ross).
Para Corrêa, o jornalismo deve sofrer uma reformulação violenta e mudar completamente suas características nos próximos anos. Nesse contexto, os veículos preocupados apenas com a notícia do dia-a-dia, conhecido por hard news, devem desaparecer. "Vamos nos concentrar na única coisa do jornalismo que a gente acha que é imortal", explica Corrêa, "que é o contar boas histórias por meio de reportagens". Ele diz que a grande reportagem costuma ser definida pelo tamanho da pauta. "O que nós queremos é criar matérias cuja apuração revele um grande tema, capaz de atribuir esse valor."
Para Salles, é uma espécie de pressentimento. Embora não tenham feito nenhuma pesquisa para saber o perfil do público que pode se interessar pela Piauí, ele parece crer na existência de mi-lhares de outros "órfãos" iguais a ele. "Se forem quatro mil pessoas, a revista não se sustenta. Se forem 45 mil, ela se sustenta". Ele diz que são vários os investidores envolvidos no projeto, mas prefere não nomear nenhum além da própria família Moreira Salles, proprietária do Unibanco e da qual faz parte outro cineasta, Walter, irmão de João.
No número zero que circulou pela Flip, há uma lista de colaboradores de cair o queixo: Luiz Schwarcz (dono da Companhia das Letras), o cineasta Eduardo Coutinho, o casal de designers gráficos Raul Loureiro e Claudia Warrak (responsáveis por vários títulos da editora Cosac Naify), o cartunista Angeli, mais os escritores Rubem Fonseca, Oliver Sacks, Tomás Eloy Martinez e Martin Amis.
Nas palavras de Corrêa, todos os envolvidos estão dispostos a fazer de tudo e não há uma hierarquia na redação. Existem somente dois repórteres fixos até o momento: Cassiano Machado (ex-Folha de S.Paulo e ex-Trip) e Luiz Maklouf. Sem mencionar figuras como Ivan Lessa e Mario Sergio Conti (editor). Da nova geração de escritores, são citados Daniel Galera (Mãos de Cavalo), André SantAnna (O Paraíso É Bem Bacana) e Antonio Prata.
"O maior risco é que ninguém queira ler. Que uma revista como essa não exista porque de fato não há interesse. Acredito que existe um orfanato. No meu caso é uma certeza. Eu sinto isso como leitor. Não encontro na imprensa brasileira nada do que eu queira ler. Encontro somente informações bem apuradas, mas a não-ficção vai além disso", diz Salles.
E há o nome. Piauí, sugerido por Salles, não tem nenhuma explicação mirabolante. Começou como um apelido interno e todos acabaram se acostumando com ele. "Eu gosto do excesso de vogal, gosto da sonoridade. É doce. É muito difícil dar uma ordem com vogais. Você não invade a Polônia usando vogais", cita, em referência ao alemão, língua pródiga em palavras onde predominam consoantes. O nome é só a primeira particularidade de uma revista que parece interessante. "Piauí vem aí", anuncia a apresentação do número zero.
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