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Pelo título da edição nacional, fica parecendo que Kafka de Crumb (176 págs., R$ 34,90. Tradução de José Gradel) é uma obra-solo do cultuado desenhista americano de quadrinhos underground. A editora carioca Relume Dumará acabou não resistindo à tentação do apelo do nome famoso e deixou em segundo plano o autor do texto do livro, o não muito conhecido David Zane Mairowitz.

É esse escritor nova-iorquino, radicado na Inglaterra (sobre o qual a editora não revela maiores informações), e não apenas Robert Crumb, que apresenta uma ótima introdução (no original, a publicação se chama Introducing Kafka) à vida e obra do autor que até gerou um termo: kafkaniano – "adjetivo que toma proporções quase míticas em nosso tempo, ligado irrevogavelmente a fantasias de condenação e melancolia, ignorando a intricada ironia judaica que se esconde no corpo da obra de Kafka", afirma Mairowitz, que procura desmitificar alguns clichês sobre o escritor checo.

Didático, mas sem ser chato, autor começa falando das origens judaicas de Franz Kafka, nascido em Praga no ano de 1883 (morreu em 1924, de tuberculose), época em que a cidade ainda pertencia a um império europeu que reunia várias nacionalidades. "Para Kafka, nascido checo e falando alemão, mas nem checo nem alemão, não era fácil formar uma identidade cultural clara. Não é preciso dizer que, para um judeu nesse meio, a vida era um delicado ato de equilíbrio", revela.

Mairowitz comenta também a conhecida e conflituosa relação de Kafka como pai Hermann, que o marcaria para toda a vida e influenciaria toda a sua obra: "O pavor que Kafka demonstrou em toda a vida frente ao poder superior começa com Hermann Kafka. Escrever, para ele, era tanto uma fuga de seu pai como uma vingança contra ele." Outro ponto importante lembrado pelo livro é o seu difícil relacionamento com as mulheres. No posfácio, o escritor americano ainda faz uma análise crítica da recente transformação de Kafka em algo mais pop, virando atração turística na República Checa, depois de ser ignorado por décadas pelo regime comunista que vigorava na região.

Complementando a análise das obras do checo feita por Mairowitz, Crumb ilustra no papel alguns trechos de A Metamorfose, A Toca, Na Colônia Penal, O Processo, Um Artista da Fome, incluindo também os inacabados O Castelo e O Desaparecido. Desnecessário dizer que o inconfundível traço do cartunista americano se encaixou perfeitamente nos textos de Kafka e na apresentação de fatos de sua vida. Crumb capta com perfeição a atmosfera sombria criada por Kafka em Na Colônia Penal e O Processo; o grotesco e o absurdo aparecem nas representações de A Metamorfose (transposto quase na íntegra) e A Toca. Kafka de Crumb é um casamento feliz de ótimos textos e fantásticas imagens para ressaltar a importância de um dos maiores nomes da literatura mundial.

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