Ao ser escalada para um dos palcos principais da Corrente Cultural, na semana passada, a rapper curitibana Karol Conka teve a chance de mostrar por que as edições anteriores do evento falharam em reconhecer o hip-hop como uma das principais forças da cultura curitibana ao deixar o gênero de fora da programação. Com o conterrâneo Nairobi e os paulistas Kamau, Lurdez da Luz e Sombra, Karol reuniu um dos grandes públicos da Corrente na Boca Maldita.
Um dos primeiros nomes citados quando se fala no rap da cidade, a artista deu uma amostra do poder agregador da música que canta. No coração da cidade, a multiplicidade dos fãs de rap também se fez notar. A Gazeta do Povo procurou Karol para falar sobre o que aconteceu naquela tarde.
Ainda se fala em carência de visibilidade e reconhecimento do rap. Você acha que o show ter sido no centro da cidade, do jeito que foi, teve significado nesse sentido?
Muito. Quando veio o convite para estar na Virada Cultural do Paraná, pensei que não seria justo me apresentar sozinha justamente por isso. Eu sabia que seria importante o rap estar no palco principal da Boca Maldita pela primeira vez. Por isso convidei outros MCs.
Você ficou no papel de agregadora de vertentes diferentes. E seu nome vem sendo muito citado quando se fala no rap de Curitiba. Você se sente confortável nessa posição de representante de algo tão grande?
(Pensa.) Sim. Sei que tenho uma bagagem com a qual dá para representar. Me sinto confortável justamente por quebrar algumas barreiras de preconceito, mostrar que dá para ser de outra maneira no rap nacional. Dá para ser alegre e colorido. E posso dizer que, já que meu nome é tão citado, é minha responsabilidade ajudar outros a também serem lembrados.
Quais você poderia citar agora?
Acredito muito no Laudz, no Nave, Cabes, Hurakán, Mentekpta, Nairobi, Karol de Souza, Alienação Afrofuturista. Para não encher muito as linhas, são esses.
A temática das suas letras é diferente da que ficou no imaginário sobre o rap. E muita gente no show cantou tanto as suas músicas quanto "De Volta aos Anos 90", do Nairobi, que saúda o rap do passado. O público abriu a cabeça de vez?
Acho que depois dessa apresentação muitas opiniões mudaram em relação à minha postura diante do rap nacional e às misturas. Nessa tarde eu misturei meu lado alegre com o lado skate do Kamau, o lado periferia do Sombra, o lado pilaco do Nairobi, e o lado diva, meu e da Lurdez. Com um bônus: em "Toda Doida", a música do Boss in Drama da qual eu participo, convidei dois gays ao palco para dançar. Ali fechou a mensagem: "aqui todo mundo é igual, todo mundo curte rap". Algumas mentes fechadas podem ter achado um absurdo, uma falta de respeito com o rap nacional. Mas a cultura do hip-hop apareceu para acabar com o preconceito.
Pouco antes, o Nairobi, na mesma música, critica "raps que parecem de veado".
Muita gente comentou isso. Ele não está se colocando contra os gays. Mas tem sim alguns preconceitos no rap que precisam ser combatidos. Os gays são raros no rap. E também não se pode falar que se é feliz, ou que ganhou um dinheiro. Por que quando o rapper ganha reconhecimento fica tachado de vendido?
Há quem diga que a temática do rap mudou porque mudou a realidade nas periferias.
Não digo que a realidade das periferias tenha mudado. O que mudou foi a mídia abrir espaço e ver que, realmente, o rap salva vidas. Onde morava, no Alto Boqueirão, muita gente vende drogas, uma coisa frequente nas quebradas. Eu poderia ter ido por esse caminho. Acho que a periferia ainda tem muita coisa para mudar e o que vai ajudar a mudar é o rap nacional.
No rap, em que as mulheres ainda são minoria, você também assume um papel feminista? A música "Que Delícia", por exemplo, parece ter essa intenção.
Tem. Na vida real, sou isso. Não é nada exagerado, para ofender. Homens e mulheres têm de estar lado a lado. Mas a unha da mulher está tão feita, tão linda. É o homem que tem que lavar a louça! (risos)
Mas a música não fala só disso. Ela inverte os papeis em um universo em que frequentemente a mulher é retratada como objeto sexual.
A verdade é essa. Se o homem não tratar a mulher do jeito certo, ela vai dispensá-lo. Mas as pessoas se esquecem disso.
Acha que se cobra muita seriedade por parte do rap?
O rap, em primeiro lugar, é verdade. Eu canto a minha verdade do meu jeito, e vai ter quem se identifique com isso, assim como com outros grupos que têm mais disposição para falar de política. É bom porque traz equilíbrio.
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